Haddad diz que impeachment de Bolsonaro é útil mesmo se cassação

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Foto: Hanna Yahya/Poder360

O petista Fernando Haddad, candidato do partido à presidência da República em 2018, defendeu, em entrevista ao Poder360, um processo de impeachment mesmo que seja para não terminar com a cassação de Jair Bolsonaro.

“Mesmo que ele venha a vencer comprando voto no Congresso Nacional, a população vai ser informada do que ele está sendo acusado”, declarou o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo.

O PT de Haddad e outras forças de esquerda têm promovido manifestações contra o presidente da República.

Bolsonaro vive um momento de baixa aprovação e pesquisas de intenção de voto, como a PoderData, mostram que se a eleição de 2022 fosse hoje ele perderia para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Haddad compara Bolsonaro ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que concorreu à reeleição no ano passado e foi derrotado por Joe Biden.

Trump venceu um processo de impeachment antes da eleição –e depois ainda foi alvo de outro.

“Ele foi julgado por um Congresso que lhe dava maioria. Mas a população que estava assistindo ao julgamento pensou diferente e votou no Biden”, declarou o petista.

“Quanto mais bem informada estiver a população, mais fácil vai ser apresentar uma alternativa ao que está acontecendo no Brasil hoje”, disse Haddad.

“O próprio processo vai revelar os crimes cometidos pelo Bolsonaro. A opinião pública só tem a ganhar”, declarou.

Haddad tem 58 anos e deu entrevista ao Poder360 por videoconferência em 12 de julho. Assista à íntegra (43min20seg):

A abertura de um processo de impeachment contra o presidente da República depende do presidente da Câmara. O cargo é ocupado por Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro. Hoje a chance de Lira dar início ao procedimento é próxima de zero.

“Diria que nós temos uma janela pelo menos até setembro ou outubro desse ano de sensibilizar o Arthur Lira a pautar”, disse Haddad.

“É óbvio que vai chegando o final do ano e as coisas vão se complicando”, declarou. “E entrando no ano que vem muita gente vai preferir que tudo se resolva nas urnas”.

Pesquisa PoderData divulgada em 8 de julho mostrou que 50% da população acham que Bolsonaro deve ser retirado do cargo –no fim de maio eram 57%.

Haddad disse que “pode haver algumas notícias que podem acalmar o sentimento que as pessoas têm muito negativo em relação ao governo”.

Ele citou que a vacinação ao longo do tempo vai reduzir a gravidade da pandemia e haverá algum crescimento econômico, ainda que “singelo e com renda muito concentrada no topo da pirâmide”.

“Apesar dos esforços contrários do governo, nós vamos terminar o ano com a população relativamente imunizada”, disse o petista.

Segundo Haddad, porém, a forma como Bolsonaro lidou com a pandemia até agora foi muito ruim e com consequências muito sérias.

“Acho que a imagem dele para setores expressivos da sociedade está definitivamente comprometida”, declarou. Também citou que há indícios de corrupção “muito fortes” sendo apurados pela CPI (comissão parlamentar de inquérito) da Covid no Senado.

“Acho que nenhum governo resiste à crise que o governo Bolsonaro produziu no país”, declarou.

Haddad disse que o PT busca conversar com “setores amplos da sociedade” para tentar manter o cenário favorável à candidatura de Lula até a eleição, em outubro de 2022.

“Ele [Bolsonaro] tem o poder da coerção, o poder da coação, o poder da violência. Mas não é do feitio dele o diálogo”, disse o petista.

“Contrariamente à postura do presidente Lula, que sempre foi uma pessoa muito aberta, inclusive para sentar à mesa com os diferentes, para construir uma saída para o Brasil”, declarou.

A reportagem perguntou a Haddad se existe diálogo possível entre o PT e as Forças Armadas, que têm diversos integrantes em cargos no governo Bolsonaro.

Na última semana, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, e os comandante das 3 Forças divulgaram nota afirmando que não aceitariam “ataques”.

A manifestação veio depois de o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), dizer que “fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”.

Em 2018, o então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas publicou um tuíte no qual pressionava o STF (Supremo Tribunal Federal) a não conceder habeas corpus do ex-presidente Lula, sem citar o caso.

Durante o governo Dilma Rousseff, que sucedeu a Lula, foi criada a Comissão Nacional da Verdade para investigar crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura militar. A atitude irritou oficiais das Forças Armadas.

Haddad disse que teve boa relação com os militares em seu tempo como ministro da Educação, assim como os demais integrantes do governo Lula. “Não houve uma crise, por menor que fosse, durante os seus 8 anos de governo”.

“Eu não consigo ver de onde querem criar um antagonismo inexistente [entre o partido e as Forças]”, disse Haddad. Ele afirmou que só militares da reserva deveriam poder participar de governos.

“Nós tivemos grandes ministros da Defesa”, declarou o petista, “pessoas que têm total condição de dialogar com a cúpula das Forças Armadas e lembrá-los dos bons tempos do governo Lula. Eles nunca receberam tanto investimento para reequipar as Forças Armadas”, declarou Haddad.

O Poder360 perguntou como seriam tratados em um eventual governo petista casos como o do general Eduardo Pazuello, que foi a uma manifestação com Jair Bolsonaro e, depois, livrado de processo administrativo –é vedado a militares da ativa participar de atos políticos.

“Nós nunca tivemos preconceito contra militares. Nem preconceito positivo nem negativo. Nós tratamos as Forças Armadas como uma instituição de Estado e respeitosamente. Agora, ninguém está acima da lei”, disse Haddad.

O petista disse que Bolsonaro tenta atropelar a autoridade de governadores sobre as polícias estabelecendo uma relação direta com as corporações, que são estaduais.

Segundo Haddad, o programa de subsídio para imóveis de policiais que estaria em planejamento no governo é muito pequeno e teria um propósito diverso:

“É claramente para fazer o cadastro dessas pessoas e usar o cadastro nas redes sociais do gabinete do ódio.”

Fernando Haddad disse que a CPI (comissão parlamentar de inquérito) da Covid, em andamento no Senado, é importante mesmo que não termine com condenações.

“Se houver responsabilização, tanto melhor. Mas só de a opinião pública estar informada já é uma coisa muito importante”, declarou.

“Entre acertos e erros, a verdade é que a CPI está esclarecendo a opinião pública de uma série de coisas às quais ela não teria acesso”, afirmou.

“Acho que ninguém mais tem dúvida de que o governo perdeu aí alguma coisa em torno de 4 meses em que a população já poderia estar hoje plenamente imunizada”, disse.

Na avaliação do ex-ministro, o colegiado entrou em uma nova fase. “Acho que há um 2º momento da CPI, que eu espero que seja conclusivo, de chegar aos criminosos do Ministério da Saúde”, declarou.

A CPI vinha perdendo relevância até o fim de junho. Foi quando o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse ao colegiado que informou a Jair Bolsonaro indícios de irregularidades na compra da vacina Covaxin.

Bolsonaro teria manifestado desconfiança sobre o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-DF), mas sem tomar providências.

Depois, o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que tentara vender 400 milhões de doses da vacina da AstraZenca ao governo e teria ouvido um pedido de propina.

O Poder360 perguntou ao ex-ministro o que Lula e os petistas em geral poderiam fazer para aproximar o partido dos evangélicos, segmento conservador de onde tem vindo parte do apoio a Jair Bolsonaro.

“Nós nunca tivemos problemas com nenhuma igreja durante os nossos governos”, disse Haddad.

“De certa maneira esse afastamento foi artificialmente produzido. Foi produzido por fake news, foi produzido por mentiras que foram circulando nas redes sociais, eu fui uma das vítimas desse processo”, declarou.

Ele se refere a uma iniciativa do Ministério da Educação, à época sob seu comando, para combater a homofobia nas escolas.

Grupos de direita apelidaram o material de “kit gay”. Jair Bolsonaro foi um dos políticos que mais propagou essa versão e se beneficiou dela.

“Essa reaproximação [entre PT e evangélicos] vai acontecer naturalmente, na minha opinião. Vai acontecer porque muitas das coisas já foram esclarecidas”, disse Haddad.

“Há setores que eu acho que estão com Bolsonaro não por qualquer questão religiosa, mas porque estão se beneficiando financeiramente dessa proximidade”, declarou.

A reportagem questionou o ex-ministro se o protagonismo de pautas identitárias na esquerda atrapalha o diálogo com grupos religiosos.

“Acho que respeitar a comunidade LGBT, respeitar o negro, respeitar a mulher, respeitar o ser humano não tem nada de conflitante com a religião cristã, muito pelo contrário”, respondeu Haddad.

Haddad afirmou que há um “artificialismo” na resistência que setores do mercado financeiro e do empresariado têm ao PT.

“Eu não conheço uma empresa bem gerida que não tenha prosperado durante o governo Lula”, disse Fernando Haddad.

“Não havia nenhum tipo de barreira às demandas justas dos segmentos empresariais”, declarou.

“O pessoal fala de responsabilidade fiscal. O presidente Lula foi aquele que mais reduziu a dívida pública na história recente do país”, disse o petista.

Ele afirmou que há uma “polêmica boba” em apontar perfis econômicos diferentes nos 2 governos Lula. É comum a interpretação de que de 2003 a 2006 houve mais responsabilidade fiscal que de 2007 a 2010.

“Não existiu ruptura entre o 1º e o 2º mandato. O que aconteceu foi uma crise monumental em 2008 que obrigou o Lula a tomar medidas para proteger a economia brasileira”, disse Haddad.

Segundo o ex-ministro, para se ter uma ideia do que seria um eventual novo governo do ex-presidente seria necessário olhar simultaneamente para os 2 mandatos. “Eu acho que Lula é aquele conjunto”, declarou.

Haddad é um dos petistas que trabalha mais próximo da pré-candidatura de Lula a presidente em 2022. Ele, porém, diz ainda não saber se vai se candidatar na próxima eleição e qual cargo.

Afirma que, atualmente, estuda o Estado de São Paulo para formular um programa –e que no ano passado fez o mesmo esforço focado no país todo.

“É cedo para lançar nomes. A eleição presidencial foi precipitada pelo próprio Bolsolnaro. Ele não sai da campanha. Fica difícil [não falar sobre a disputa pelo Planalto]”, declarou o ex-ministro.

O principal foco de oposição ao atual governo é no campo da esquerda, mas grupos de direita, como o MBL, também passaram a pedir o impeachment. Há uma manifestação desse movimento marcada para setembro.

O Poder360 perguntou a Fernando Haddad se há diálogo possível entre quem prega o impeachment nesses 2 campos políticos.

Segundo o ex-ministro, há dificuldade porque em 2018 esses grupos deram votos e apoiaram Jair Bolsonaro.

“Quando você reúne na rua os 2 grupos, aqueles que resistiram ao fascismo e aqueles que são responsáveis pela chegada do fascismo ao poder, você tem um estranhamento inicial”, declarou Haddad.

O ex-ministro disse que “uma aproximação em nome da democracia pode acontecer”, mas que isso levaria tempo.

Grupos bolsonaristas promovem no Congresso Nacional projetos em favor do homeschooling, prática na qual as famílias dão educação formal para os filhos em casa, não na escola.

O ex-chefe do MEC disse que “gente que não entende absolutamente nada de educação que está propondo isso”.

“As pessoas não têm sequer home, quanto mais schooling”, declarou Haddad.

Segundo ele, frequentar o ambiente escolar é necessário “para ter contato com o professor, para se socializar, conhecer as diferenças da cultura brasileira, do povo brasileiro”.

“Tem um processo complexo de formação de personalidade que não pode ser feito dentro de casa apenas, embora a família e a casa sejam ingredientes sem os quais não se constitui a personalidade da pessoa”, disse Haddad.

“É [uma medida] para meia dúzia de pessoas fanáticas que imaginam que o contato com outro ser humano vai fazer mal para alguém”, declarou o ex-ministro da educação.

“É um equívoco muito grande esse projeto e não deveria ocupar um minuto da cabeça de um ministro da Educação”, disse, referindo-se ao atual chefe da pasta, Milton Ribeiro, sem citá-lo.

Poder 360

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