Judiciário decide que é preciso parar Bolsonaro
Foto: Credito Valter Campanato/Agência Brasil
A live do presidente Jair Bolsonaro com uma série de ataques e acusações sem provas de fraudes nas eleições provocou indignação em ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Integrantes da Corte eleitoral avaliam que o chefe do Executivo pode ser processado, caso apresente formalmente as mesmas alegações que usou na transmissão realizada pelas redes sociais na quinta-feira. O mandatário, por sinal, tem até esta primeira semana de agosto para responder ao ministro Luís Felipe Salomão sobre o motivo pelo qual acusa o pleito de 2018 de ter sido fraudado. O magistrado é o corregedor do TSE.
Bolsonaro anunciou que, na transmissão, apresentaria prova de fraude nas eleições de 2018. Ele convidou jornalistas a comparecerem, sem direito a fazer perguntas. Mas o que fez foi apresentar vídeos antigos, postados na internet e já desmentidos. O chefe do Executivo estava acompanhado de um suposto técnico de tecnologia da informação para mostrar como ocorreriam as supostas irregularidades. No entanto, o convidado não se debruçou sobre o código fonte utilizado no equipamento e se resumiu a exibir uma animação simulando como poderia ocorrer uma fraude eleitoral, sem apresentar fundamento para o que dizia.
Além de não cumprir o que prometeu, Bolsonaro tentou jogar para o TSE a responsabilidade de provar que não há fraude — o que é chamado de inverter o ônus da prova. “Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Um crime se desvenda com vários indícios”, argumentou, na live. “E digo mais: não temos prova, (quero) deixar bem claro, mas indícios de que nas eleições para senadores, deputados, pode ocorrer a mesma coisa. Por que não? Os que me acusam de não apresentar provas, eu devolvo a acusação. Apresente provas que não é fraudável.”
A avaliação de ministros do TSE é de que Bolsonaro está colocando a segurança nacional em risco. O presidente do STF, Luiz Fux, prepara para a próxima semana um discurso, na reabertura do ano judiciário, no qual enfatizará como cada instituição e ator institucional precisa atuar dentro dos seus limites, sem extrapolar, para que a democracia se mantenha firme.
O discurso de Fux em defesa da democracia se tornou rotina na abertura dos trabalhos desde que ele assumiu a gestão da Corte, no ano passado. No entanto, agora, diante do acirramento dos ânimos, que envolvem, inclusive, as Forças Armadas, o magistrado deve mandar o recado de que não admitirá qualquer insurgência contra as eleições e de que o Supremo vai atuar para impedir toda tentativa de subverter o exercício do voto ou a democracia.
Ministros da Corte também comentaram a atitude de Bolsonaro de buscar inverter o ônus da prova e chamaram a ação toda de absurda e “patética”. Para alguns magistrados, o fato de a TV Brasil também ter feito a transmissão potencializa a eventual ilegalidade. Pode caracterizar uso indevido da máquina pública e, até mesmo, campanha eleitoral antecipada.
Uma das questões apresentadas pelo chefe do Executivo é de que, em 2018, eleitores tentaram votar 17, número que ele usou como candidato, mas aparecia apenas o 13, do postulante do PT, Fernando Haddad. Na época das eleições, um vídeo que sustentava a informação circulou nas redes sociais, mas foi desmentido pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais.
Há tempos, Bolsonaro defende o que chama de “voto impresso auditável”, questionando o sistema eleitoral usado por ele nos 24 anos em que ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados e pelo qual foi conduzido ao Planalto.
O presidente sustenta que, se não houver voto impresso em 2022, as eleições correm o risco de ser fraudadas. Ele também chegou a ameaçar a realização do pleito, caso a proposta de emenda à Constituição (PEC) que muda o sistema eleitoral não seja aprovada. O texto, de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), será votado em 5 de agosto, na comissão especial da Câmara, e deve ser rejeitado.
Enquanto Bolsonaro disparava inverdades na live, a Secretaria de Comunicação do TSE o desmentia em tempo real, repassando à imprensa informações sobre acusações antigas que já foram refutadas. A Corte destacou que “a integridade, segurança e auditabilidade da urna eletrônica são testadas e comprovadas publicamente em todas as eleições gerais e municipais do Brasil e acompanhadas por representantes da sociedade por meio do teste de integridade”.
Bolsonaro sustentou, também, que somente três países usam urna eletrônica. No entanto, o TSE esclareceu que 23 nações utilizam o mesmo sistema e que estados de 18 nações também adotaram o modelo. “Entre os países, estão Canadá, Índia e França, além dos Estados Unidos, que têm urnas eletrônicas em alguns estados”, diz trecho do texto publicado pela Justiça Eleitoral.
O partido Rede Sustentabilidade pediu, ontem, ao ministro do Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), a “imediata aplicação” de multa de R$ 500 mil a cada vez que o presidente Jair Bolsonaro, seus ministros ou familiares se manifestem sobre a “inverídica existência” de fraudes nas eleições. A solicitação da Rede se deu no âmbito de mandado de segurança que a legenda havia impetrado no STF para que Bolsonaro apresentasse evidências sobre seus ataques à urna eletrônica.
Foi no âmbito de tal ação que Gilmar havia determinado, em junho, que o presidente prestasse informações sobre as declarações recorrentes de que houve fraudes nas eleições. O partido classificou a live de quinta-feira, de Bolsonaro, como um “absurdo”, argumentando que Bolsonaro “não respeita os demais Poderes da República” e frisando ser “imperativo que se coloque um freio nos anseios autoritários” dele. A solicitação da legenda é a de que as multas eventualmente impostas a Bolsonaro sejam cobradas do patrimônio pessoal do presidente, com o valor revertido ao controle da pandemia, especialmente em relação às pessoas em situação de vulnerabilidade.
O prazo dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o presidente Jair Bolsonaro apresentar provas das acusações de que houve fraude nas eleições de 2018 termina na primeira semana de agosto.
O chefe do Executivo foi notificado em 22 de junho e recebeu prazo de 15 dias para dar a resposta, conforme despacho do ministro Luís Felipe Salomão, do TSE. O presidente deveria apresentar as provas em 7 de julho, mas, em razão do recesso do Judiciário, a contagem do prazo foi suspensa e será retomada em agosto.
Luís Felipe Salomão tomou a decisão depois que Bolsonaro, ao apontar fraudes nas urnas eletrônicas, disse que “há uma articulação de três ministros do Supremo para não ter o voto auditável no Brasil”. O chefe do Planalto afirmou, também, que se o voto impresso não for adotado, “eles terão de apresentar outra forma de promovermos eleições limpas em 2022 — caso contrário, enfrentaremos problemas”.
A advogada constitucionalista e mestre em direito público Vera Chemin disse que o despacho do magistrado do TSE é um procedimento administrativo e que Bolsonaro pode ser processado caso não apresente as provas solicitadas. “O TSE pode pedir para o Supremo incluir o presidente no inquérito que investiga fake news”, destacou, referindo-se à investigação comandada pelo ministro Alexandre de Moraes. Uma outra opção, segundo ela, é o ministro Luís Salomão pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR) que investigue o presidente.
Chemin afirmou que Bolsonaro, ao ameaçar a realização das eleições e pressionar pela adoção do voto impresso, também está incorrendo em crime de responsabilidade, previsto no artigo 7º da Lei do Impeachment (1.079/1950), que prevê punição para quem “impedir, mediante violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto”.
“Essa atitude dele tem um potencial bastante significativo para ser enquadrado aqui. O ministro (Luís Roberto) Barroso (presidente do TSE) condenou ‘qualquer atuação’ no sentido de impedir a ocorrência de eleições, o que viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”, enfatizou.
O analista político Melillo Dinis, por sua vez, ressaltou que Bolsonaro “atira na tradicional desconfiança que o cidadão brasileiro tem da coisa pública”. “Você junta isso com a falta de compreensão de todos os passos em uma votação eletrônica, é um caldo para proliferar o micróbio da insegurança democrática. Essas idas e vindas do Bolsonaro fazem parte de um processo de corrosão homeopática que ele vem fazendo, ao longo do tempo, com a democracia como nós conhecemos, e isso acaba colocando uma responsabilidade sobre as instituições para que elas enfrentem isso”, avaliou. “O autoritarismo mora dentro da democracia, e as instituições são as barras que impedem que o autoritarismo transborde. Bolsonaro faz um trabalho muito eficiente em elevar o grau dessa corrosão para vários setores.”
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