Mendonça será enquadrado pelo STF
Foto: Reprodução
O nome de André Mendonça para a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) agrada apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, mas uma atuação independente do indicado, caso confirmado para o posto, pode frustrá-los.
A avaliação é de juízes, procuradores e advogados que atuam nas cortes superiores. Para eles, a persistir o clima conflagrado na relação entre o chefe do Executivo e integrantes do tribunal, essa frustração poderá ocorrer muito em breve.
Se for aprovado pelo Senado, o atual advogado-geral da União encontrará “um Supremo fechado em copas” em torno de uma pauta legalista atualmente em curso no tribunal. Ela inclui a defesa de temas que têm alimentado os atritos, como as urnas eletrônicas e o Estado democrático de Direito.
Essa agenda do STF, disse à Folha um observador da corte, passa também pela defesa do tribunal e de seus integrantes. O que significa dizer que, uma vez no Supremo, o indicado será rapidamente confrontado com temas desagradáveis ao bolsonarismo.
Tão logo a indicação foi confirmada, adversários do governo intensificaram as críticas ao advogado-geral, levantando dúvidas sobre sua independência. Mendonça é acusado de ter extrapolado suas atribuições funcionais ao fazer a defesa política do Palácio do Planalto.
Na condição de ministro da Justiça, cargo que ocupou de abril de 2020 a março deste ano, ele apresentou habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, alvo do inquérito das fake news, aberto para apurar ataques na internet a integrantes do Supremo.
Foi dele também a iniciativa de uma série de pedidos à Polícia Federal para investigar críticos de Bolsonaro com base na Lei de Segurança Nacional, editada em 1983, no final da ditadura militar.
A Folha procurou o chefe da AGU, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar o assunto, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
O mundo jurídico aposta na desvinculação política de Mendonça em sua atuação na corte. O prognóstico vem de dentro do próprio STF, onde parte dos integrantes apoia o nome do advogado-geral da União. Agora ministro aposentado, Marco Aurélio Mello disse torcer por ele.
A história recente do tribunal mostra que, em geral, a lealdade do indicado a quem o escolheu perde força tão logo o eleito vista a toga.
“É a tendência. É inegável a gratidão, mas o tempo de estada é longo. Ministros [do STF] convivem com quatro, cinco presidentes [da República]”, disse o presidente da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República), Ubiratan Cazetta.
O representante do Ministério Público Federal afirmou que o aspecto mais importante a se observar é menos o fato de quem fez a indicação e mais a integridade do indicado. Mendonça é apontado como um quadro técnico.
Advogado de integrantes da Operação Lava Jato perante o Supremo, Alexandre Vitorino acredita também que o vínculo político se desfaça com o tempo. “Posso estar sendo otimista, mas acompanhamos a história do tribunal. Indicações frustraram diversas expectativas nos últimos tempos”, disse Vitorino.
Para Eduardo André Brandão, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), a partir do momento da nomeação, “as discussões de cunho ideológico ou pessoal cedem espaço para o dever de guardar e proteger os preceitos constitucionais”.
“Todo ministro do Supremo sabe que a sociedade está em constante observação e sempre vai cobrar a coerência de suas decisões”, disse Brandão.
Ao sair de uma reunião com o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, no último dia 12, Bolsonaro confirmou a indicação de Mendonça, cumprindo a promessa que fizera a seu eleitorado de indicar alguém “terrivelmente evangélico”.
“Ele é, sim, extremamente evangélico” disse o presidente. “O público evangélico, que está na casa de 40% do Brasil, merece uma pessoa aqui dentro. Além de ser evangélico e pastor, ele tem um profundo conhecimento das questões jurídicas.”
Crítico do presidente da República e advogado de políticos que respondem a crimes de corrupção no Supremo, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, classificou de “lamentável” que a indicação tenha ocorrido sob o pretexto do “terrivelmente evangélico”.
“É ruim para o Supremo e para ele [Mendonça]. Ele não precisa disso. Acho que, ao colocar a toga nos ombros, ele julgará de acordo com a Constituição e não de acordo com a Bíblia.”
Ubiratan Cazetta, da ANPR, diz não acreditar na “captura” do tribunal por pautas religiosas. Ele lembrou do ex-ministro Menezes Direito, um católico praticante, como um juiz que soube separar convicções religiosas de temas em julgamento na corte. Direito morreu em 2009.
“No exercício de nossas atividades, em um Estado laico, as convicções pessoais devem ceder espaço a um olhar também laico”, afirmou Cazetta.
Mendonça foi a segunda indicação do chefe do Executivo para o Supremo. A primeira foi Kassio Nunes Marques, que assumiu a cadeira de Celso de Mello em novembro do ano passado.
Conforme a Folha mostrou, Kassio já se posicionou ao menos 20 vezes a favor do governo desde que chegou ao tribunal.
Além de ter dado decisões que beneficiaram o Planalto, ele votou de acordo com os interesses do chefe do Executivo na maioria dos julgamentos importantes dos quais participou.
O alinhamento ocorreu em questões políticas, como na análise das ações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e no veto à reeleição do deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ) para o comando da Câmara, e econômicas, como no caso bilionário da inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e do Cofins.
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