Nas periferias, já falta até o mais básico

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Foto: Bruno Santos/Folhapress

Na casa em que mora com os quatro filhos e o marido na Favela do Pullman, na zona sul de São Paulo, a autônoma Fernanda Cristina Beccare, 38, deixou de comer coisas simples que gostava como cuscuz e sardinhas enlatadas.

A dieta dela está restrita ao básico, como arroz e feijão. Mesmo assim, só consegue comida por conta das doações que recebe de organizações sociais.

Apesar de contar com ajuda, ainda faltam itens essenciais, como produtos de higiene pessoal e roupas, ainda mais com o clima mais frio do inverno. “Se já estava difícil para arrumar serviço antes da pandemia, agora piorou”, afirma. “Como se não bastasse, as coisas estão absurdamente caras. E como comprar sem trabalhar?”

Na família, a única renda vem do trabalho como jardineiro do marido de Fernanda. Com filhos entre 7 e 18 anos, ela diz que “graças a Deus não tem problemas com energia”, mas isso só é possível com a ajuda que recebe. “Sem isso, não sei o que seria da gente”.

Além da perda de renda causada pelo aumento do desemprego na pandemia do coronavírus, a inflação pressiona o poder de compra, principalmente dos mais pobres.

Em junho, a inflação chegou a 8,35% no acumulado dos últimos 12 meses. Moradores de periferias têm até substituído o gás de cozinha por lenha, devido ao custo do botijão, e a alimentação tem sido cada vez mais restrita.

“O miojo [macarrão instantâneo] e o ovo estão salvando os moradores”, comenta Cleberson da Silva Pereira, economista do CEP (Centro de Estudos Periféricos).

Pés de frango, língua, músculos, peixes mais baratos e cortes suínos também entraram na dieta dos mais pobres, diz Pereira.

Essa tem sido a rotina da auxiliar de escritório Tomásia Aparecida, 57, do Grajaú, zona sul de São Paulo.

“Vamos ao mercado e compramos o mais barato. No açougue são sempre as carnes mais baratas, quando não é ovo”, comenta. “Ultimamente tenho comprado itens de feijoada. E só o que resta e sai mais barato, como fígado, peixe e pé de frango”.

Na mesma região, Leia Santos, 45, se define como mãe e pai dos quatro filhos. Com renda de R$ 398 do Bolsa Família, gasta R$ 350 de aluguel. Os R$ 48 que restam é o que ela tem para comida. “Hoje o que mais temos em casa é arroz, feijão e ovos. Mistura não tem porque só dá a cartela de ovo mesmo”, diz.

Nos grupos de mensagens do bairro, desabafos de situações como a falta de luz em casa ou não conseguir dar comida aos filhos são comuns. “Já não aguento mais tanto sofrimento, minha bebê sem leite desde ontem. Consegui colocar ela agora pra cochilar depois de muita luta porque ela só chora com falta da mamadeira. Só tem 9 meses”, escreveu uma mãe em uma das publicações.

Outras pessoas pedem indicações de locais onde há doações de alimentos.

Responsável por um projeto com sede no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, Jedderson Johny dos Santos, 29, confirma que a pandemia escancarou uma realidade já existente na periferia.

“Alimentos faltaram para famílias que há tempos não sabiam o que era sentir esta sensação”, comenta. “Junto a isso foi perceptível a exclusão digital e a dificuldade do poder público de dialogar com as periferias da cidade para ouvir delas o que de fato faz falta”, acrescenta.

Ele diz que o grupo pretende discutir o assunto com autoridades. “Não é justo estas iniciativas partirem somente das favelas”.

Uma das beneficiadas pelo trabalho é a diarista Evelyn Gomes do Nascimento, 31, que se diz atingida de todas as formas pela pandemia. Moradora do Jardim Record, em Taboão da Serra (região metropolitana de São Paulo), ela e o marido estão desempregados. “Venho comprando só o básico, como pão, leite e fralda”.

Ela cita que carne e feijão são luxos que só são comprados quando há promoção. No lugar do feijão, entra a lentilha. A única renda que a família pode contar mensalmente é a de R$ 275 do Bolsa Família.

Para economizar, o casal reduziu o tempo do banho e desligou a TV. “A gente focou na economia porque não tem de onde tirar”.

O projeto, diz, garante a alimentação dos dois filhos. “O que consigo a mais, supro outras necessidades.”

A crise se repete na casa da autônoma Taciana Silva Mattos, 31, em Curucutu, bairro de São Bernardo do Campo (ABC Paulista), onde vive com o marido. “Compro só o básico quando tenho dinheiro”, diz.

Ela vende maquiagens, mas nem sempre rende o suficiente para pagar as contas e bancar a casa. O marido, mecânico, não é registrado e só recebe quando tem serviço. Com a pandemia, ele trabalha cada vez menos.

Entre as mudanças na casa, têm trocado o arroz pelo macarrão. O óleo aparece cada vez menos no armário da casa; como alternativa, Taciana usa toucinho. “Assim economizo”.

A compra do mês por lá deixou de ter vários itens que eram ela considerava simples e essenciais, como carnes, legumes e frutas. Mas o problema vai além. “Tive várias crises de ansiedade resultando em depressão. Me afetou, não só financeiramente, mas mentalmente”.

Uma pesquisa do Procon-SP aponta que, entre fevereiro e março, 70% dos entrevistados tiveram diminuição em sua renda individual. Além disso, 87% disseram que os gastos habituais tiveram aumento na pandemia, principalmente na alimentação (71,47%).

No ano passado, a cesta básica subiu 31% em São Paulo, segundo levantamento do Procon-SP/Dieese. Também pesam contas de consumo, como, água, luz e gás.

Além das dificuldades cotidianas, Pereira, do CEP, diz que o adiamento dos sonhos têm sido a realidade nos bairros mais pobres. “A compra de um carro ou a reforma da casa são coisas que ficam em segundo plano neste momento”.

O auxílio emergencial, criado para apoiar famílias na pandemia, tem pago entre R$ 150 e R$ 375. O recurso criado ano passado por conta da pandemia foi retomado em abril e estendido até outubro.

Folha  

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