Senado barra projetos bolsonaristas aprovados sem debate na Câmara
Foto: Pablo Valadares
O ambiente amigo encontrado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, com projetos de interesse tramitando a jato, não se estende ao Senado, onde textos controversos passam por um processo de maturação maior para amenizar pontos contestados.
Os senadores têm resistido a colocar em votação sem consenso propostas polêmicas, frustrando aliados do governo. Enquanto alguns projetos ainda são alvo de discussões, outros foram simplesmente parar na gaveta.
Os parlamentares sinalizam que essa discrepância é algo que veio com a troca de comando no Legislativo. A eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara, em fevereiro, representou uma guinada no processo legislativo. As pautas bolsonaristas ou de interesse do centrão, grupo liderado por Lira, avançam em questão de poucas semanas.
Por outro lado, na Casa vizinha, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), embora eleito com apoio do Planalto, tem sido criterioso na elaboração da pauta, o que vem causando irritação no governo e também na Câmara.
Além da resistência pessoal em deixar o Senado atuar como um “carimbador” das propostas da Câmara, Pacheco vem se amparando nas lideranças partidárias para chancelar as decisões. Com exceção de propostas que o próprio presidente do Senado considere prioridade, como medidas econômicas, as demais só vão para votação quando há consenso.
O resultado é que o Senado tem privilegiado os projetos elaborados pelos próprios senadores. Por outro lado, as chamadas “cascas de banana da Câmara” enfrentam uma espécie de limbo.
Tramitam em regime lento, sob duro escrutínio, propostas como a do licenciamento ambiental, o texto que afrouxa a lei de improbidade administrativa e o que torna a educação serviço essencial, proibindo a paralisação durante pandemias. Todos receberam críticas pela votação às pressas na Câmara, sem debate considerado suficiente pelos contrários às matérias.
Outras proposições, como uma patrocinada por Lira e que autoriza a compra de vacinas contra a Covid pela iniciativa privada, permitindo que empresas imunizassem os funcionários sem respeitar os grupos prioritários estabelecidos pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações), foram para o fundo da gaveta do Senado.
Senadores mais próximos do governo minimizam a diferença na tramitação dos textos. Líder do PSD, a segunda maior bancada do Senado, Nelsinho Trad (MS) afirma ser natural o comportamento mais comedido da Casa, quando comparada com a Câmara, em particular por causa da diferença em suas composições —513 deputados contra 81 senadores.
“Então no Senado você tem uma interlocução maior com os líderes, até por ser menor do que na Câmara. Quando você vê uma matéria sensível ser postergada até que possa encontrar meio termo mais sensato, é natural que isso aconteça dentro desse ambiente. Não quer dizer que o Senado é mais ponderado que a Câmara.”
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) também destaca o papel do Senado de revisar temas aprovados na Câmara. Ele menciona especificamente a medida provisória 1.040, que traz propostas para o ambiente de negócios. Na avaliação dele, o texto aprovado pela Câmara traz um prejuízo enorme para os advogados e profissionais liberais, que passam a ser considerados empresários e sujeitos a registro na junta comercial.
“Isso não foi tema nem de emenda na Câmara. Na verdade, foi o próprio texto do relator [Marco Bertaiolli, PSD-SP] que incorporou essa iniciativa errada, do nosso ponto de vista, e que chega ao Senado”, afirmou.
Embora oficialmente senadores evitem criticar a Câmara, em reservado afirmam que Lira e seus aliados vêm “tratorando”, atendendo a interesse de seu grupo e do governo. E se orgulham em afirmar que o Senado está colocando um “freio” nessa situação.
“Fica muito claro e é a intenção do Senado, e aí existe uma unanimidade entre os senadores, tanto governistas, como independentes, a oposição e o próprio presidente do Senado, que nós não podemos ficar carimbando matérias da Câmara”, afirma o líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN).
Prates cita a proposta que flexibiliza a concessão de licenciamento ambiental, que prevê, por exemplo, a dispensa de licenças para algumas obras consideradas de porte insignificante. O senador ainda relata a pressão que existe para que propostas da Câmara avancem rapidamente, que chegam já com caráter de urgência. “Qual é a urgência de fazer mudanças no licenciamento ambiental nesse momento? Zero.”
Nos bastidores, alguns senadores ironizam que a nova lei do licenciamento ambiental é polêmica a ponto de provocar a resistência de Kátia Abreu (PP-TO), representante do agronegócio e relatora do texto no Senado.
A interlocutores, a senadora, que vem realizando audiências para ouvir ambientalistas e setores envolvidos na questão, tem dito que deve promover alterações substanciais no texto.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), da bancada ambientalista da Câmara, disse ter sugerido à relatora reduzir o alcance das licenças autodeclaratórias, emitidas automaticamente e sem que órgãos ambientais verifiquem se os estabelecimentos estão cumprindo a lei.
Ele antevê outros temas espinhosos para os senadores no pós-recesso, como o projeto de regularização fundiária —chamado por ambientalistas de PL da grilagem. “O agronegócio está percebendo que não terá outra oportunidade tão grande como neste governo de passar suas maldades, que incluem reduzir terras indígenas e se apropriar de terras públicas”, afirma Agostinho.
Líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) compara a gestão de Lira com a de seu antecessor no cargo, o deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ). “No biênio 2019-2020, coube à Câmara agir com mais prudência e responsabilidade”, diz.
“Em 2021, até o presente momento, é o Senado que vem cumprindo esse papel, evitando a votação apressada e descuidada de matérias importantes. São projetos de lei graves, que representam enormes retrocessos, que foram aprovados de afogadilho na Câmara e que o Senado tem examinado com mais calma e cuidado.”
A líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ), também critica as votações a jato na Câmara. “Não à toa, no Senado o governo não tem tido força para aprovar matérias como o licenciamento ambiental. A força atropelada com que Lira tem tocado os trabalhos na Casa, inclusive a partir de uma mudança absurda do regimento, precisa ser freada já.”
Arthur Lira tem afirmado, em linhas gerais, que um dos principais compromissos da campanha que o levou à presidência da Câmara é não se furtar a debates nem ter preconceito com qualquer pauta, independentemente do campo ideológico. Assim como projetos defendidos por bolsonaristas, ele ressalta ter levado à votação vários temas defendidos por outras correntes políticas, incluindo a oposição.
Lei de improbidade administrativa
Aprovado na Câmara em 16 de junho, o texto é visto por críticos como um afrouxamento da lei por prever que a improbidade só será considerada quando ficar “comprovado o fim de obter um proveito ou benefício indevido para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade”.
Pela lei atual, o gestor pode ser punido por ato culposo, sem intenção, mas que prejudique a administração pública. Segundo o projeto, o Ministério Público terá exclusividade para propor ações de improbidade.
Licenciamento ambiental
Texto da Câmara, aprovado em 13 de maio, foi muito criticado por dispensar de licença ambiental obras de distribuição de energia elétrica e atividade de pecuária extensiva e semi-intensiva de pequeno porte; também estabeleceu licença por autodeclaração sem análise prévia de órgão ambiental. Além disso, projeto permite a construção do Linhão de energia em Roraima, que passa por terras indígenas.
Educação como serviço essencial
A votação do projeto foi concluída na Câmara na madrugada de 21 de abril. O texto considera aulas presenciais de educação básica e superior como serviços e atividades essenciais, inclusive durante a pandemia, e que cria diretrizes para o retorno às escolas.
Além disso, proíbe a suspensão das atividades educacionais em formato presencial, exceto quando as condições sanitárias de estados e municípios não permitirem –isso deverá estar fundamentado em critérios técnicos e científicos. A oposição viu no projeto uma maneira de forçar governadores e prefeitos a retomarem as aulas nessa modalidade, mesmo em caso de agravamento da crise sanitária.
Vacinação por empresas
O texto, aprovado na Câmara em 7 de abril, abre mais possibilidades para empresas que querem comprar vacinas contra Covid-19 para imunizar funcionários, sócios e outros prestadores de serviço e que permite a aquisição de vacinas que não tenham autorização ou registro da Anvisa.
As empresas poderiam doar doses integralmente ao SUS para uso no PNI, como na lei atual, ou vacinar gratuitamente funcionários, cooperados, sócios, prestadores de serviço e terceirizados, mesmo que o governo ainda não tenha concluído a vacinação de grupos prioritários, o que foi criticado como uma forma de furar a fila da imunização.
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