FHC, Temer e Sarney se unem em projeto eleitoral
Foto: Alex Silva, Daniel Teixeira e Dida Sampaio/Estadão
Diante de uma crise que só se avoluma, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney entraram em cena com um extintor na mão e uma aliança na cabeça. Os três vão participar da abertura de um ciclo de debates intitulado “Um novo rumo para o Brasil”, em 15 de setembro. Mais do que um seminário, no entanto, a iniciativa aponta para uma convergência entre PSDB, MDB, DEM e Cidadania nas eleições presidenciais de 2022. A ideia em discussão nos quatro partidos organizadores da conferência é apresentar uma chapa única ao Palácio do Planalto, logo após o carnaval.
Sob o mote “Crise Institucional e a Democracia”, o painel que terá a presença dos três decanos da política será mediado pelo ex-ministro da Defesa e da Justiça Nelson Jobim. Em maio, Jobim foi anfitrião de um almoço entre Fernando Henrique e o também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estiveram em lados opostos nas últimas sete eleições presidenciais. FHC chegou a dizer que, se o segundo turno de 2022 ficar entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro, votará no petista.
A declaração provocou irritação na cúpula do PSDB, que viu um incentivo à traição naquele movimento. Na tentativa de amenizar o mal-estar, Fernando Henrique afirmou, no mês passado, que o governador de São Paulo, João Doria, terá o seu voto. Doria vai disputar prévias no PSDB, em novembro, para a escolha do pré-candidato do partido à sucessão de Bolsonaro. Seus adversários nas fileiras tucanas são o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; o senador Tasso Jereissatti (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.
Em campanha, Doria jantou nesta quarta-feira, 11, com a bancada do PSDB na Câmara e no Senado, em um hotel de Brasília. Circulou com desenvoltura entre as mesas e, com microfone em punho, fez um discurso para recuperar a auto-estima do partido. Exibiu para os convidados um vídeo mostrando sua trajetória, que cada um pôde levar como recordação, em forma de pen drive. Não citou FHC, mas, em mais um aceno para a aliança que vem sendo construída com o MDB, elogiou Temer, dizendo que ele foi um presidente “injustiçado”.
De posse de pesquisas indicando que o PSDB vem perdendo cada vez mais sua identidade, além de votos, Doria – que se apresenta na campanha como “João” – adotou o slogan “Um candidato a presidente vencedor”. No convescote da noite de quarta, o painel que decorava o ambiente já trazia a inscrição “Para o PSDB voltar a vencer”.
A pergunta, agora, é como os quatro partidos de centro que estão na organização dos debates virtuais poderão adotar ações práticas para 2022. O DEM, por exemplo, tem como pré-candidato o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, mas o presidente do partido, ACM Neto, também negocia com Ciro Gomes (PDT), de quem é próximo. Além disso, Neto rompeu com Doria depois que ele filiou Rodrigo Garcia ao PSDB, tirando do DEM o vice-governador de São Paulo, agora candidato ao Palácio dos Bandeirantes.
“É uma convergência em torno de ideias, e não de nomes”, disse o ex-deputado Marcus Pestana (PSDB), presidente do Conselho Curador do Instituto Teotônio Vilela. “Mas, como diz Fernando Henrique, uma hora teremos de fulanizar”, emendou, rindo.
Integrante da comissão que organiza as prévias do PSDB, Pestana tem se reunido com Moreira Franco (MDB), autor do programa “Uma Ponte para o Futuro”, em 2015; José Mendonça Filho (DEM) e Luciano Rezende (Cidadania), curadores do seminário “Um novo rumo para o Brasil”.
O ponto alto será a participação de FHC, Temer e Sarney na abertura, mas todos os painéis vão abordar a democracia, ao longo de oito dias, enfocando, ainda, crise fiscal, desigualdade social, segurança pública, meio ambiente, mercado de trabalho, pandemia e identidade de gênero.
Em junho de 2018, Pestana foi um dos articuladores do manifesto “Por um Polo Democrático e Reformista”, que tinha Fernando Henrique como um dos signatários e também pregava a união do centro para enfrentar posicionamentos “extremistas”. “Tudo o que Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade”, dizia o documento. À época, Geraldo Alckmin foi o candidato do PSDB à Presidência e protagonizou o pior desempenho do partido em eleições para o Palácio do Planalto, amargando o quarto lugar na disputa, com menos de 5% dos votos. Alckmin, agora, está de saída do PSDB e a um passo de se filiar ao PSD de Gilberto Kassab.
O capítulo da intolerância, radicalismo e instabilidade contido naquele manifesto do “Polo Democrático”, no entanto, continua na ordem do dia, hoje com maior gravidade. Na terça-feira, 10, blindados desfilaram na Praça dos Três Poderes, o governo foi derrotado nas votações da Lei de Segurança Nacional e do voto impresso, mas Bolsonaro não recuou em suas ameaças. O presidente continua na ofensiva contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), dizendo que as eleições de 2022 estão “sob desconfiança” sem voto impresso, embora nunca tenha apresentado provas de fraude em urnas eletrônicas. Ao contrário: além de ter sido eleito por esse sistema, nos anos 1990 Bolsonaro defendia a informatização da apuração, sob o argumento de que, sem isso, os militares teriam votos surrupiados.
“Todos nós estamos com as barbas de molho com o que está acontecendo. Aquele documento do Polo Democrático foi um aprendizado e sabemos que não há mais chance de o centro se dividir”, afirmou Pestana. “Depois das prévias do PSDB, quando tivermos nosso candidato, vamos sentar à mesa com os potenciais aliados porque precisamos entrar em fevereiro de 2022 com uma chapa definida”. A ideia é verificar qual nome terá mais apoio e alinhavar um programa de governo conjunto. Nesta temporada de crises diárias, porém, até o nome “terceira via” parece desatualizado.
Há racha no PSDB, no MDB, no DEM e até mesmo no Centrão. Na tentativa de acalmar os ânimos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) tem dito que, nesse confronto dos Poderes com o governo, não pode haver “nem vencidos nem vencedores”. Acuado pela CPI da Covid e com popularidade em queda, Bolsonaro já avisou, porém, que essa máxima não vale para ele e empinou novamente o discurso de que é vítima do sistema, a ser reforçado na campanha de 2022. A temporada de crises parece longe de terminar.
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