Militares usaram Bolsonaro como “cavalo de Tróia”

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Foto: Lola Ferreira/UOL

Em meio a atos em defesa do voto impresso, devidamente endossados pelo presidente Jair Bolsonaro, já começa a se naturalizar a discussão se teremos um golpe ou não no Brasil. Nas últimas semanas, declarações do presidente contestando a segurança das urnas eletrônicas e uma suposta fala do ministro da Defesa, general Braga Netto, afirmando que as eleições de 2022 não ocorreriam sem o voto impresso acenderam mais um alerta de ameaças à democracia no país.

No entanto, há chances reais de sofrermos um golpe? Em caso afirmativo, seriam os militares os seus protagonistas?

Estudiosos dos militares afirmam que há poucas ou nenhuma chance disso ocorrer pelas mãos das Forças Armadas. Em entrevista a esta coluna, o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Sousa afirmou que Bolsonaro teria sido um “cavalo de tróia” dos militares para tomarem o poder. Segundo ele, agora, interessaria aos militares manter esse poder, mesmo que às custas do presidente, que seria uma “peça descartável” no jogo político. Para essa análise, Bolsonaro serviria aos interesses do chamado “Partido Militar”, cuja cúpula seria formada por oficiais da “Geração de 70” da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras).

Com o objetivo de permanecerem no poder, os militares estariam atuando tanto pela “situação”, com o vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão, quanto pela “oposição”, com o ex-ministro e general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz. Seguindo essa visão, seria interessante para os fardados fomentar o medo de golpe por parte de Bolsonaro, pois, tornando-o cada vez mais radical, assim seriam tolerados ou até “aplaudidos” caso o presidente seja afastado ou neutralizado politicamente por eles na caminhada até a reeleição.

Enquanto Braga Netto realizaria falas contra a democracia, supostamente alinhado a Bolsonaro, ao mesmo tempo outros representantes do “Partido Militar” atuariam para defendê-la. Fato é que, logo após a veiculação da suposta fala do ministro da Defesa condicionando as eleições ao voto impresso, tanto o vice-presidente quanto o ex-ministro deram entrevistas contestando essa postura.

Em conversa com jornalistas, Mourão afirmou: “Lógico (que haverá eleição mesmo que não passe o voto impresso). Quem é que vai proibir eleição no Brasil, pô? Nós não somos uma República de bananas”.

Durante entrevista para o UOL, Santos Cruz defendeu que aqueles que ameaçam a democracia devem ser punidos. “A Justiça tem que exigir dessas pessoas a responsabilização legal para o que elas estão fazendo. O problema é que nós não estamos aplicando a lei”, opinou. “Tem que ser contundente, tem que ser forte nas respostas, e tem que aplicar a lei”, completou.

O militar da reserva destacou também o risco dessas atitudes resultarem em “violência lá na frente” já que, segundo ele, a intenção da discussão sobre o processo eleitoral é de “causar tumulto”.

Essas duas falas parecem confirmar a dinâmica apontada pelo coronel Pimentel, já que deixam evidentes a postura do “Partido Militar” de atuar em diversas frentes. Enquanto Braga Netto atua como um “incendiário” alinhado ao presidente, que por sua vez cada vez mais radicaliza o seu discurso antidemocrático teoricamente a pedido do “Partido”, Mourão e Santos Cruz adotam uma postura apaziguadora de defesa das instituições como se fossem aqueles que conseguirão controlar o ímpeto golpista de Bolsonaro.

Duas semanas atrás, Bolsonaro declarou que poderia desistir da candidatura à reeleição, caso o Congresso Nacional não aprove o sistema de voto impresso. Esse parece ser um indicativo de que, seguindo o raciocínio de que o presidente é comandado pelos militares e, portanto, dispensável, a presença de Bolsonaro no próximo pleito não estaria garantida, deixando espaço aberto para os militares da “situação” e da “oposição”.

Em uma rede social, o especialista em antropologia militar Piero Leirner defendeu que Bolsonaro não pode ser visto como um “novo epicentro da extrema direita mundial”, sustentando que, em vez disso, a radicalização integraria um projeto militar para “dar um jeito na criatura” e se afirmar enquanto força política moderadora. “Quanto mais se espreme o consórcio militar, mais ele vai forçar Bolsonaro a esticar a corda, parecendo que é uma ação ‘genuína’ e ‘espontânea’ de quem tem o poder e quer mais. E assim também mais vai se produzir a sensação de que ele vai fazer algo para se tornar um ditador extremista […]. Nem o Brasil é epicentro de coisa nenhuma hoje em dia, nem Bolsonaro é centro real do poder. Tudo isso é terceirização”, afirmou.

De acordo com a interpretação desses especialistas, o discurso de “golpe” que ocupa a imprensa serviria aos militares para que o medo de sua realização por parte do presidente gerasse a necessidade do setor “salvar” o país dos ímpetos golpistas de Bolsonaro. A narrativa golpista, portanto, faria parte do jogo político estimulado pelo “Partido Militar” e a chance de um golpe de fato ocorrer seria mínima ou nula.

Em texto para sua coluna na Folha, publicado em 2012, o filósofo Vladimir Safatle descreveu a postura dos intelectuais antes do nazismo ascender ao poder na Alemanha, fazendo uma comparação com as eleições francesas de 2002 e 2012.

“‘Uma das lições que Hitler deixou é como, às vezes, é estúpido ser inteligente.’ Eis uma frase de Adorno e Horkheimer que os franceses deveriam meditar. Os filósofos de Frankfurt aludiam a essas explicações articuladas e cheias de dados que provavam, de maneira absolutamente convincente, a impossibilidade dos nazistas chegarem ao poder na Alemanha”, reflete. E finaliza: “Com isso, os intelectuais de esquerda só serviram para desmobilizar e fazer vista grossa diante de uma catástrofe anunciada. Prova de que a inteligência é sempre a última a ver o abismo.”

A lição que Safatle deixa é a de que, mesmo diante de algo aparentemente óbvio, muitas vezes são criados argumentos complexos para justificar a sua impossibilidade. Ou seja, às vezes, o óbvio é a realidade e aquilo que tudo indica que irá ocorrer é o que de fato acontecerá.

Sendo assim, diante de uma conjuntura de escalada autoritária, fazem-se necessários a cautela e a atenção para os sinais que são dados pela realidade. Pode-se buscar estudá-los, analisá-los, obviamente, porém às vezes as análises não conseguem prever o que ocorrerá.

Ainda que não seja um propósito deste texto endossar por completo o exposto pelos especialistas citados acima, é preciso alertar para o fato de que, eventualmente, aquilo que parece é, e que, portanto, apesar de análises e explicações complexas, é preciso que a sociedade esteja atenta para impedir aventuras autoritárias.

Golpe branco, semipresidencialismo e polícias militares
Há ainda aqueles que argumentam que, embora não haja a possibilidade de um golpe militar clássico, existiriam sinais daquilo que se convencionou chamar de “golpe branco”, ou seja, uma trama que tem por objetivo derrubar um governante ou manter um indivíduo ou grupo no poder sem o uso da violência, empregando meios parciais ou integralmente legais, conferindo uma aparência de legalidade ao ato.

Para quem defende a ideia de que podemos estar diante de um processo golpista dessa natureza, a discussão de “semipresidencialismo”, levantada pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), parece caminhar nessa direção. O modelo, adotado em países como França e Portugal, cria a figura do primeiro-ministro aumentando o poder do Congresso. Ao mesmo tempo em que mantém o presidente da República, eleito pelo voto direto, delega a chefia de governo para o primeiro-ministro.

Políticos de oposição ao governo argumentam que a população já rejeitou o parlamentarismo em duas ocasiões, no referendo de 1963 e no plebiscito de 1993, e que isso seria uma manobra para prejudicar setores da esquerda em um momento em que as pesquisas apontam queda da popularidade de Bolsonaro e o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas próximas eleições.

“O impeachment sem crime, a fraude eleitoral de 2018 e o semipresidencialismo são três atos da mesma peça de teatro. A vítima é a mesma: a soberania popular. Imagine o Congresso escolher o chefe de governo”, disse o ex-candidato a presidente Fernando Haddad (PT) em uma rede social.

O impeachment sem crime, a fraude eleitoral de 2018 e o semipresidencialismo são três atos da mesma peça de teatro. A vítima é a mesma: a soberania popular. Imagine o Congresso escolher o chefe de governo.

— Fernando Haddad (@Haddad_Fernando) July 19, 2021
Outro fator de preocupação para os que acreditam na possibilidade de um golpe é o papel que as polícias militares poderiam ter em uma eventual tomada de poder. Em agosto de 2020, pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 41% dos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) das PMs no Brasil são militantes bolsonaristas.

O levantamento revelou inclusive que parte dos policiais militares (12%) apoia pautas radicais do bolsonarismo, como o fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal). O resultado foi fruto da análise de perfis de redes sociais de policiais, o que significa que pode existir um grau de adesão ao bolsonarismo ainda maior dentro da corporação.

Independentemente se teremos ou não um golpe no país, seja ele “clássico” ou “branco”, o próprio fato de essa discussão existir e de estarmos convivendo periodicamente com ameaças à democracia vindas inclusive de integrantes do próprio governo federal, especialmente o presidente da República, já é um sinal da fragilidade da democracia brasileira e do quanto ela ainda tem muito por avançar.

A atual conjuntura é fruto, em grande medida, da falta de solução de alguns “esqueletos no armário” históricos do país, como a ausência de punição a militares e indivíduos que participaram de violações a direitos humanos durante a ditadura militar. Não à toa, vemos ressurgir o fantasma do autoritarismo, seja ele real ou imaginário.

Uol

 

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