Reinaldo: Bolsonaro resgata bobagem de 2013 em prol do golpe

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Foto: Getty Images/Reprodução

A cada vez que leio ou ouço que, ao fazer acordo com o centrão, Jair Bolsonaro aderiu à “política tradicional”, vejo-me tentado a indagar ao autor da afirmação o que seria, então, uma política “não tradicional”. A expressão é antônima daquela bobagem que começou a frequentar o debate de maneira tímida em 2013 e foi se adensando com viés crescentemente à direita: “nova política”, de que a Lava Jato passou a ser o braço policial. Assim, por “política tradicional’ se entenda governar o país por intermédio de partidos, segundo o modelo representativo, respeitando-se a independência dos Poderes e, numa federação, as esferas de governança. A chamada “velha política” é, em suma, o melhor ponto a que chegou a política: o regime democrático.

“Ah, devemos, então, abençoar o centrão?” Bem, abençoe quem quiser, eu não! Nem mesmo dá para saber direito a pauta das legendas que integram o grupo. Endosso boa parte das críticas que se fazem a seus mais destacados representantes. Mas, nesse caso, estamos falando de uma divergência de conteúdo. E, pois, isso não é sinônimo de uma crítica à “política tradicional”.

O que se deve lastimar em Bolsonaro é justamente a sua falta de tradicionalismo no sentido, aqui, em que todos os pré-candidatos à Presidência da República — incluindo, obviamente, o ex-presidente Lula — são, felizmente, herdeiros da tradição. O Brasil vive o flagelo do bolsonarismo porque ele soube capitalizar essa esfera de sensações avessa à política, incentivada, muitas vezes, de maneira asquerosamente oportunista, por… políticos! Especialmente aqueles que passaram a usar as redes sociais como palanques.

Com raras exceções, consideram-se acima dos partidos, julgam dever fidelidade apenas à sua grei de seguidores e não precisam ter compromissos institucionais, vivendo de insuflar as suas bases. Vale dizer: a “nova política” virou a cloaca do neopopulismo. E com um prejuízo adicional: conseguem driblar todas as regras de transparência e não se conhecem seus financiadores.

Releiam o parágrafo anterior se for o caso. Perceberam como ele define Jair Bolsonaro e alguns de seus entusiastas. Se o presidente realmente firmasse um acordo com o centrão digno do nome, não estaria aderindo à “política tradicional”. Estaria, isto sim, aderindo apenas à política.

E, no caso, cumpriria a quem não gostasse desse grupo de partidos — ou dos políticos das várias legendas que integram esse amálgama — apontar as suas falhas, os seus erros, a sua agenda errada. Em vez disso, opta-se por criticar a adesão do presidente à tal “política tradicional”. A expressão, a exemplo de sua antípoda “nova política”, é só um abstração, uma vacuidade, um grande nada.

QUEM DERA!
Quem dera Bolsonaro tivesse mesmo aderido à “política tradicional”, e seu acordo com o centrão fosse para valer! Nesse caso, não estaria ameaçando o país com golpe de Estado, o que voltou a fazer neste domingo em mensagens enviadas a seus seguidores, que foram às ruas pedir o voto impresso. A reivindicação, note-se, é uma espécie de símbolo estúpido de repulsa ao tradicionalismo político, já que o sistema de votação é tomado por essas pessoas como expressão da vontade de elites supostamente avessas aos interesses daquilo que eles acreditam ser o povo: eles próprios.

Como a aversão à chamada “política tradicional” é só um conceito reacionário, sua aplicação prática não haveria de ser um progresso: para aqueles patriotas, fiéis à pauta de seu ídolo, o novo jeito de fazer política seria voltando ao,,, voto impresso! Só assim, então, não seriam enganados. Vivemos um momento formidável em que o “novo” seria representado por um velho que foi substituído justamente porque não funcionava e permitia toda sorte de fraude. Pessoas mobilizadas pela Internet, pelas redes sociais, estão indo às ruas para pedir o voto em papel! Ainda chegará a hora do carro com carburador, do orelhão com ficha e da Maria Fumaça.

Ocorre que esse não é o único reacionarismo do Bolsonaro não tradicionalista, certo? Há muitos outros. O seu Ministério da Saúde, por exemplo, conta mais militares do que médicos. Havia à frente do Meio Ambiente um ministro que era inimigo aberto e declarado do ambientalismo — Ricardo Salles, diga-se, compareceu à manifestação golpista neste domingo. O mesmo fez Ernesto Araújo, o outro “antitradicionalista” que, à frente do Ministério das Relações Exteriores, jactou-se de o Brasil ter-se transformado num pária — vale dizer: ele admitiu que, como chanceler, fez o contrário do que exigia a sua função. Até a semana retrasada, a Casa Civil era comandada por um general, que havia substituído um outro. E, santo Deus!, quanto um civil assume a pasta, diz-se, então, em tom entre jocoso e crítico que Bolsonaro aderiu à “política tradicional”! O antitradicionalismo, nesse último caso, vestia farda.

Não é mera coincidência que o termo “nova política” seja tão íntimo, por exemplo, da Lava Jato. Ali também houve um desprezo à tradição: ignoraram-se estado de direito, devido processo legal e Constituição. Em nome do novo. E deu no que deu.

Antes Bolsonaro tivesse aderido para valer à política tradicional! Mas ainda não aconteceu.

Escrevi na minha coluna de sexta na Folha que o perigo maior, à diferença do que berra por aí certo moralismo estridente, não é o centrão tomar o governo de Bolsonaro e pronto. O perigo ainda é o centrão perder para o golpismo. Ainda que o ministro Ciro Nogueira vá tentar fazer algum esforço em favor do voto impresso, sabe que a pauta não vai prosperar, como deixa claro Arthur Lira, presidente da Câmara. Não obstante, o “Mito” reincide:: mantido o atual sistema, não haverá eleição. E não pode haver nada tão pouco tradicionalista como essa ameaça, não é mesmo?

TORCIDA
Só para que não reste dúvida: Bolsonaro não quer voto impresso coisa nenhuma! Ele quer golpe. De preferência, antes das eleições. Se não der, que seja depois. Na segunda hipótese, caso vencesse, prepararia o terreno, num eventual mandato, para um regime de força. Ele sabe o que não quer: a continuidade da democracia.

A pauta do voto impresso é apenas a antessala do que ele imagina uma insurreição armada. Digamos que Bolsonaro vá ao segundo turno e que as pesquisas apontem a sua derrota. Digamos ainda que, como quer o presidente, houvesse a reprodução física do voto e que o próprio eleitor pudesse depositá-lo na urna. Bastaria a um vagabundo de má-fé digitar o 13 de Lula (caso esteja na etapa final) e berrar na sessão eleitoral que, na verdade, digitou o XX de Bolsonaro — nem número ele tem porque não tem partido. E logo eles chamariam de “prova da fraude”.

Não! Bolsonaro ainda não aderiu à política tradicional. E exibe sinais de que pretende dar um truque também no centrão.

Não! Bolsonaro não quer voto impresso. Ele quer golpe.

Pense bem, deputado Arthur Lira! O impeachment é mais barato.

Uol  

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