Banqueiros já aceitam Lula ou Bolsonaro
Foto: Arquivo O GLOBO
Os dois nomes que atualmente lideram as pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro, já demonstraram em suas trajetórias que estão alinhados ao equilíbrio fiscal e às reformas estruturantes de longo prazo, que devem encabeçar a agenda econômica do próximo mandato presidencial, afirma Caio Megale, economista-chefe da XP.
“O que é importante para o próximo mandato presidencial, na minha visão, é a manutenção de dois nortes: equilíbrio fiscal, especialmente agora que o Brasil está em um nível de endividamento alto, com fragilidade fiscal elevada, e outro é avançar em reformas que aumentem a produtividade e competitividade da economia brasileira”, diz Megale.
Ex-secretário da Indústria e ex-diretor de programas do ministério da Economia, ele aponta para o risco de a crise política gerada pelas investidas antidemocráticas de Jair Bolsonaro interferir na votação do Orçamento no Congresso, já delicada por suas indefinições atuais.
“Quando a temperatura política sobe, os riscos dessas derrapagens fiscais no Congresso aumenta, e isso se traduz na volatilidade na taxa de câmbio, no aumento nas taxas de juros futuros, que, ao fim e ao cabo, determinam as condições de liquidez das empresas”, analisa Megale.
Diante das turbulências políticas que tem se acumulado, o economista avalia que a pasta de Paulo Guedes têm de se concentrar em equacionar as incertezas de curto prazo que podem afetar a atuação dos agentes econômicos, como a votação do Orçamento e a crise hídrica.
Os ataques antidemocráticos de Bolsonaro causaram reação significativamente negativa do mercado. Na visão do sr., como isso deve impactar a economia daqui em diante? Tem um impacto, que é mais direto, desse aumento da temperatura política nas votações do Congresso. O Congresso tem temas importantes a serem votados no curto prazo e acho que o mais importante deles é o Orçamento do ano que vem.
Ele é crítico porque não está equilibrado. A projeção de inflação é antiga, de 6,2%, a inflação que a gente estima hoje pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor) já está em 8,6%. Uma inflação mais alta se traduz em mais despesas em áreas como a Previdência, aquelas todas indexadas. O Orçamento vai ter que ser corrigido para esse fator.
Também não tem no Orçamento a projeção de aumento do Bolsa Família, também não tem as chamadas emendas de relator, um volume de emendas. São R$ 70 bilhões de ajustes que precisam ser feitos, e o mais provável é que o grosso disso seja feito via PEC dos Precatórios ou alguma solução para eles, que estão comprimindo as despesas no teto.
Quando você analisa o tema do Orçamento você vê que terá de ser uma tramitação com muita coordenação envolvendo Legislativo e também Judiciário, para que não resulte em uma derrapada fiscal mais profunda, em uma mudança mais profunda na estrutura do teto de gastos.
Quando a temperatura política sobe, os riscos dessas derrapagens fiscais no Congresso aumenta, e isso se traduz na volatilidade na taxa de câmbio, no aumento nas taxas de juros futuros, que, ao fim e ao cabo, determinam as condições de liquidez das empresas.
Uma incerteza dessas gera volatilidade nos mercados de crédito e isso afeta a capacidade de as empresas investirem, tomarem recursos, etc.. E também tem uma agenda de reformas que exige coordenação dos Poderes.
Tem também um efeito indireto que é a sensação de polarização e debate eleitoral muito tempo antes do esperado. No mundo inteiro, ano de eleição presidencial sugere alguma apreensão nos setores e empresas. Isso normalmente dura quatro ou cinco meses. A sensação é a de que começou muito antes. É um longo período de volatilidade que acaba afetando a economia e os mercados.
Quando se envolve nessas crises políticas, o Brasil pode estar deixando o bonde passar, ou seja, pode estar se descompassando em relação ao ritmo de recuperação econômica do mundo? Os preços de commodities pararam de subir, alguns estão caindo, deve ter uma desaceleração global. Acho que o Brasil demorou um pouco para engatar na retomada global, que começou em maio e junho do ano passado, depois que o pior impacto da pandemia aconteceu no mundo.
A economia passou a se recuperar, as commodities subiram, as taxas de câmbio começaram a se valorizar em vários países, e o Brasil não acompanhou em um primeiro momento. O segundo semestre do ano passado foi de volatilidade, incerteza, o tema da vacina demorou para avançar.
“Quando a temperatura política sobe, os riscos dessas derrapagens fiscais no Congresso aumenta, e isso se traduz na volatilidade na taxa de câmbio, no aumento nas taxas de juros futuros, que, ao fim e ao cabo, determinam as condições de liquidez das empresas.”
Caio Megale
Economista
Na virada do ano, acho que engatou bem, tivemos boa performance da economia no primeiro semestre, mas agora, olhando para frente, de fato as incertezas são maiores dos dois lados. Tanto as domésticas, que têm a ver com essa volatilidade política e fiscal somada à crise hídrica e ao fato de a inflação estar alta, como no mundo, que já não deve contribuir tão positivamente quanto até agora.
O mundo começa a desacelerar, algumas commodities estão caindo, os bancos centrais na Europa vão começar a pisar no freio. Torna-se mais importante agora focar nos temas que tiram as incertezas de curto prazo. Por isso que eu acho que o tema do Orçamento é tão importante.
De que maneira a crise política influencia nessa nova rodada de revisões, que já traz o PIB abaixo de 1% em 2022? A alta temperatura política é um ingrediente a mais em um conjunto de fatores que tornam 2022 mais desafiador. Você tem uma política econômica diferente do que foi até agora, já que até agora foi política monetária acelerando, e gastos e juros daqui para frente têm que ser mais equilibrados. Tem também crise hídrica, e aí se soma a questão fiscal não muito clara, não se sabe como vão evoluir as votações no Congresso e isso afeta as expectativas dos agentes.
O ministro Paulo Guedes e a pasta da Economia deveriam ser mais incisivos ao apontar os prejuízos econômicos das investidas antidemocráticas de Bolsonaro? Acho que a equipe econômica tem que focar em tirar as incertezas econômicas de curto prazo. E eles têm trabalhado nessa tentativa de equacionar a questão do Orçamento, na tentativa de compensar os efeitos da crise hídrica, embora isso seja muito difícil, já que não sabemos a intensidade do impacto.
O que fica mais difícil em um momento como esse é debater reformas mais profundas, mais amplas. Nos momentos delicados de interlocução com Congresso, é melhor focar nas questões de curto prazo, que tiram as incertezas, do que fazer reformas estruturais muito complexas que podem não ter o desenho final desejado.
Um exemplo é essa reforma do Imposto de Renda, que tinha lá a intenção positiva do governo, acho que foi na direção correta, mas ao longo do tempo teve que acomodar interesses e agora a gente não tem certeza de que terá efeito positivo sobre a economia.
O que a pasta da Economia deve fazer é manter o leme do barco firme e focar nesses riscos de curto prazo que estão preocupando os mercados, especialmente a questão do Orçamento.
Essa crise atual e a gestão do governo federal diante dela podem colocar em risco o legado do Plano Real? Acho que não. Estamos muito distantes de colocar em risco o legado do plano Real. Ele trouxe a estabilidade da economia brasileira, a inflação baixa, e o atual governo acho que contribuiu para isso com pelo menos duas reformas. Primeiro, a da Previdência, que é muito importante para diminuir a pressão fiscal que atrapalhava a incerteza econômica.
Segundo, a independência do Banco Central, que coroou um processo que começou lá no Plano Real, teve uma segunda etapa quando foram implementadas as metas para inflação e agora finalmente a independência.
A inflação está alta, mas por uma sequência de choques nacionais e internacionais, uma verdadeira tempestade perfeita. Como alguém disse, uma tempestade sem água, o que é ainda pior, por causa da crise hídrica.
Em qualquer governo no mundo é natural sentir pressão quando o BC começa a subir os juros. No Brasil, em governos passados, sempre tinha alguém que reclamava. Desta vez, o BC está subindo de maneira independente.
Não tenho dúvida de que com ação do BC, e com o mundo se equilibrando, as commodities caindo um pouco, as cadeias produtivas voltando a funcionar, a inflação vai se acomodar.
O sr. já disse que o Brasil parece ter adiantado a discussão eleitoral. Queria saber sua expectativa de médio prazo de reações dos mercados à polarização entre Bolsonaro e Lula (PT). Polarização política não é por si só um problema. É um problema à medida que o debate toma tamanha proporção que temas importantes de curto prazo, como reformas, ajustes, medidas, o endereçamento da crise hídrica, fiquem prejudicados.
Se o debate e a evolução rumo à eleição ficar em nível que não atrapalhe a gestão de curto prazo, como parece ser o caso até agora, acho que tudo bem, é do jogo. A volatilidade do mercado não está ligada ao fato de um ou outro ganhar a eleição, na minha visão, mas sim à incerteza de como vai ser a gestão de temas de curto prazo. Se ela volta a ficar menos atrapalhada pelo debate político, aí acho que as coisas tendem a se acalmar.
Não reputo essa volatilidade às eleições em si, e sim a quanto a temperatura política pode atrapalhar uma coisa que é superimportante agora que é, por exemplo, a gestão da crise hídrica.
O economista Edmar Bacha disse à Folha que Bolsonaro é risco à democracia, e Lula é risco à economia. O sr. concorda? O que é importante para o próximo mandato presidencial, na minha visão, é a manutenção de dois nortes: equilíbrio fiscal, especialmente agora que o Brasil está em um nível de endividamento alto, com fragilidade fiscal elevada, e outro é avançar em reformas que aumentem a produtividade e competitividade da economia brasileira.
Tanto Lula como Bolsonaro já demonstraram em momentos de seu governo aderência a essa agenda. Os inícios dos governos Lula e Bolsonaro foram momentos em que essa agenda ficou muito presente.
Acho que a questão não está muito personalizada na pessoa que vai ganhar a eleição, e sim na agenda de equilíbrio macroeconômico de curto prazo e reformas estruturantes de longo prazo.
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