Bolsonaro quer ganhar a eleição, desistiu do golpe

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Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Não há golpe nem impeachment no horizonte.

Para Brasilio Sallum Jr., professor titular aposentado de sociologia da USP, as instituições democráticas, especialmente o STF, reagiram com firmeza aos discursos de tom autoritário de Jair Bolsonaro (sem partido) no 7 de Setembro, demonstrando ao presidente que não existem condições para um golpe.

“O objetivo de Bolsonaro é ganhar a eleição no ano que vem, golpe já não dá mais”, afirma o autor de livros como “Labirintos – dos Generais à Nova República” e “Impeachment de Fernando Collor”.

Tampouco existe um cenário armado para impedimento do presidente. De acordo com o sociólogo, as circunstâncias são bem diferentes das verificadas em 1992, ano da queda de Collor, e 2016, quando Dilma sofreu impeachment.

O professor de 75 anos faz suas análises e, em seguida, deixa a ressalva, com uma ponta de humor: “É o que eu acho, mas você sabe que, em política, a gente pode errar”.

O sr. estudou longamente o processo de impeachment de Fernando Collor. Identifica mais semelhanças ou diferenças daquelas circunstâncias, no início da década de 1990, com o que vivemos hoje com Bolsonaro? Vejo muitas diferenças. Estávamos saindo de enormes mobilizações dos anos 1980 e existia uma demanda imensa, especialmente da classe média, por democracia. Quando Collor assumiu e passou a agir de maneira autoritária, desconhecendo o Congresso, governando de modo isolado, deu-se um choque imediato. Havia uma unificação na sociedade na demanda por democracia.

Agora é completamente diferente. Existe hoje um movimento de defesa da democracia muito ancorado nas instituições, mas não há uma unificação. Embora a população, em geral, tenha simpatia pela democracia, não ocorreu uma conversão para um movimento coletivo. As manifestações do último dia 12 mostraram que há uma diferença grande entre a boa vontade em torno da democracia e a mobilização coletiva.

Impeachment lhe parece, então, um cenário improvável? Bolsonaro foi esperto ao perceber que o 7 de Setembro tinha desencadeado uma mobilização multipartidária em direção ao impeachment. Claro que isso dependeria de outras coisas, mas, de toda maneira, houve esse impulso. Com a carta [escrita com a ajuda do ex-presidente Michel Temer], Bolsonaro reduziu a força desse movimento.

Como não há uma mobilização grande pró-impeachmet, a maioria dos deputados atua de acordo com a lógica eleitoral. E essa lógica diz: “Deixem esses caras do governo quietos e saímos na hora H. Enquanto isso, vamos aproveitando o orçamento e outras coisas mais”.

É importante também lembrar que o PT não está focado no impeachment, prefere que não aconteça. É bom para o PT ter na disputa um Bolsonaro fraco. O fato de o principal partido da esquerda não fazer pressão nesse sentido praticamente o inviabiliza.

A lógica eleitoral basicamente mantém a polarização. Não quero dizer que eles sejam polos efetivos porque o Lula é um democrata, sempre foi e não vai deixar de ser. Mas a situação é vista como uma polarização.

Isso tudo que eu digo não nega que existam motivos, no sentido legal da palavra, para o impeachment. Pelo contrário. Mas não vai acontecer enquanto não houver interesse das forças em jogo.

Chega a ser ridículo comparar a situação do Bolsonaro com a da Dilma. A acusação contra ela era, digamos, menor do que as que pesam sobre ele. No entanto havia um movimento político para sustentar o processo contra ela. Agora existem muitas possibilidades legais de impeachment, mas não tem um movimento.

Esse aparente apaziguamento com a divulgação da carta, a “declaração à nação”, terá efeito duradouro? Não, é um recuo provisório por medo das consequências. Mas, se prestar atenção, verá que continuam [as ações autoritárias]. Por exemplo, o deputado Major Vitor Hugo [PSL-GO] tem essa proposta contra ações terroristas, que concentra poderes nas mãos do presidente da República. No entanto essas ações do Bolsonaro serão cada vez menos efetivas.

Considera positiva a atuação do STF nessa crise entre poderes? Luiz Fux [presidente do STF] agiu muito bem. Ao falar em crime de responsabilidade [após os discursos de Bolsonaro no 7 de Setembro], Fux sublinhou as consequências de alguém desobedecer o Supremo.

O professor Marcos Nobre disse à Folha que “o objetivo de Bolsonaro, desde que se apresentou como candidato, é dar o golpe”. O senhor concorda? Não diria isso, é muito forte. Quanto mais as consequências do governo se mostram negativas, mais ele vai perdendo as chances de ganhar a eleição. E aí surgem esses impulsos autoritários.

Mas tenho a impressão de que Bolsonaro já sabe que não tem condições de dar o golpe. É o que, de fato, parecia querer no 7 de Setembro, mas tenho impressão que a reação foi suficientemente forte e legalista. Hoje em dia, ele não tem a chance de conseguir dar um golpe. O objetivo de Bolsonaro é ganhar a eleição no ano que vem, golpe já não dá mais. Ele faz cálculos e percebe que não há condições de dar um golpe, não tem chance.

Não é factível então? Não é. Duvido que, a essa altura, depois do 7 de Setembro, isso seja um objetivo que ele tente alcançar. Entre a vontade e as possibilidades dele, há uma grande diferença. Quanto mais ele tem clareza de que vai perder a eleição, maior é a vontade de manter o poder irregularmente. Mas ele pode? Acho que não.

O grande drama dos admiradores do Bolsonaro é que se trata de um apoio simplesmente ao exercício da autoridade porque não há um objetivo nem uma estratégia. A maior parte do empresariado mais bem-sucedido já o abandonou. As Forças Armadas e as forças policiais se deram conta de que o apoio ao presidente não pode se converter em um movimento que rompa com a Constituição, especialmente porque não há um objetivo. Vai fazer o que quando assumir o poder [depois de uma ruptura]?

Em 1964, havia um objetivo, um programa. Castello Branco fez muita gente sofrer com as cassações e outras medidas, mas era alguém com algo na cabeça. Agora não há. A desqualificação pessoal do Bolsonaro é uma das dificuldades.

Uma coisa é dar o golpe, outra é que ele seja bem-sucedido. Bolsonaro não seria capaz nem de dar esse primeiro passo? Acho que não. Depois do 7 de Setembro, não tem mais essa chance.

Eu ainda tenho dúvidas sobre o que foi esse 7 de Setembro, afinal. O que ele esperava ao dizer que desobedeceria o Supremo? Houve uma preparação de dois meses, será que ele esperava algum tipo de ação militar? Não sei. Ainda não fechei minha interpretação sobre o que aconteceu, mas certamente [a mobilização] foi menor do que ele imaginava.

Depois Bolsonaro teve que recuar, o que significa que não deu certo, que ultrapassou um limite que a sociedade impôs a ele. Agora não há mais possibilidade de golpe. É o que eu acho, mas você sabe que, em política, a gente pode errar.

Vê alguma chance de Bolsonaro retomar os índices de popularidade de quando foi eleito? É difícil, mas o Estado tem recursos. Se parcelar os precatórios previstos na PEC, terá uma economia de R$ 33,5 bilhões, o que poderia permitir expansão de políticas públicas.

Isso mostra, aliás, que nossa democratização não avançou tanto quanto deveria. O fato de ainda haver cálculos que vinculam concessões materiais (bolsa-isso, bolsa-aquilo) a voto significa que a gente ainda não escapou do velho coronelismo, que ligava favores pessoais a votos. Houve evolução, mas cálculos desse tipo ainda são feitos na política.

Ainda assim, retomar a popularidade seria difícil para Bolsonaro. Essas concessões teriam que ser eficazes no Nordeste, onde ele precisaria vencer a lealdade da população pobre ao Lula. No Sul e no Sudeste, por outro lado, é possível que uma terceira via tire muitos votos dele.

O sr. acredita no sucesso de uma terceira via? Seria preciso alguém com carisma e não vejo hoje essa pessoa. Pode ser que surja.

Ciro Gomes [PDT] não parece forte o suficiente diante do Lula. Tem o Luiz Henrique Mandetta [DEM], que foi bem como ministro da Saúde, Simone Tebet [MDB], que parece uma parlamentar qualificada… Mas não sei se teriam chama suficiente para uma eleição presidencial.

Dentro do PSDB, João Doria [PSDB] é quem tem mais chances. Mas tenho dúvidas se faria frente ao carisma do Lula. Ele gosta de dizer que é um gestor. Não sei se é isso que interessa aos eleitores.

Enfim, a terceira via é difícil de ser percorrida e costurada.

O sr. elogiou a Lava Jato em entrevistas e artigos em meados da última década. Desde então, surgiram as revelações da Vaza Jato, que colocaram em xeque os métodos da operação, e houve a ida do ex-juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro. Passados alguns anos, considera que o saldo foi positivo? É difícil dizer. Embora tenha cometido injustiças, exageros principalmente, nas investigações e nos julgamentos, a Lava Jato teve a qualidade de colocar o dedo num dos problemas-chave da democracia a partir de 1988 [a corrupção recorrente com o financiamento privado das campanhas eleitorais], o que nos permitiu fazer algumas mudanças na legislação. Tenho impressão que houve uma melhora nesse sentido.

A operação prejudicou algumas pessoas, Lula foi o principal prejudicado. Os ônus foram muito desiguais. Mas, no cômputo geral, ela teve um efeito positivo.

BRASILIO SALLUM JR., 75
Nascido em Porto Alegre, mudou-se para São Paulo e formou-se em ciências sociais pela USP, onde fez doutorado e livre docência. Tornou-se professor titular de sociologia na universidade e se aposentou em 2016. É autor de livros como “Labirintos: dos Generais à Nova República” (ed. Hucitec, 1996) e “O Impeachment de Fernando Collor: Sociologia de uma Crise (ed. 34, 2015). Organizou a coletânea “Brasil e Argentina Hoje: Política e Economia” (Edusc, 2004).

Folha de S. Paulo

 

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