CPI quer indiciar também o governador do Amazonas

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Aliado do relator Renan Calheiros (MDB-AL), o senador Eduardo Braga (MDB-AM) elaborou um complemento de voto ao documento final da CPI da Covid no qual trata da crise no estado do Amazonas durante a segunda onda da pandemia do coronavírus.

Braga pede o indiciamento do governador Wilson Lima (PSC) e do ex-secretário estadual Marcellus Campêlo (Saúde) por uma série de crimes.

O relatório final da CPI será votado na próxima terça-feira (26).

A Folha teve acesso ao complemento de voto, que será apresentado na sessão em que o relatório será votado. Braga tem dito a interlocutores que vai votar contra o relatório final de Renan, casos suas sugestões não sejam aceitas pelo relator.

A apresentação do complemento de voto é mais um capítulo das divergências internas dentro do grupo majoritário que comanda as ações da CPI da Covid.

Às vésperas da sessão de leitura do relatório, os membros do chamado G7 precisaram realizar uma reunião para acertar os ponteiros e debelar a crise que isolou Renan.

Os membros do grupo reclamaram de alguns pontos do relatório e também do vazamento do documento.

O relator se viu obrigado a recuar, retirando da proposta de indiciamento do presidente Jair Bolsonaro os crimes de genocídio da população indígena e homicídio. Também foi retirada a tipificação de advocacia administrativa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

No entanto, após a leitura do relatório, outros membros do grupo pressionam pela inclusão de novas propostas de indiciamento. Braga chegou a reclamar na sessão de leitura do relatório a não inclusão no documento de responsabilização aos gestores locais do Amazonas.

“É inaceitável que o relatório final não peça a punição de nenhum dos responsáveis pelo caos vivido no estado do Amazonas. Nosso estado foi transformado em um verdadeiro campo de teste, com experimentos com remédios ineficazes, falta de oxigênio, de leitos de internação e até de covas para enterrar os nossos conterrâneos”, afirma na abertura do adendo ao relatório.

“Não há nenhuma dúvida de que houve uma série de crimes e de criminosos que precisam ser punidos. Por isso, o Amazonas continua se sentindo injustiçado”, completou.

Em seu complemento de voto, Braga pede que seja incluído no relatório a proposta de indiciamento do governador Wilson Lima pelos crimes de epidemia resultando em morte, prevaricação, crimes de responsabilidade e improbidade administrativa.

Também pede denúncia ao Tribunal Penal Internacional do governador por crimes contra a humanidade —a mesma denúncia foi adotada no relatório em relação ao presidente Bolsonaro e outros agentes públicos.

Em relação ao ex-secretário Marcellus Campêlo, solicita o indiciamento pelos crimes de prevaricação, improbidade administrativa e também a denúncia ao tribunal internacional por crimes contra a humanidade.

Braga ainda incluiu a tipificação de falso testemunho, argumentando que o ex-secretário mentiu em depoimento à CPI da Covid.

A proposta de Braga pode provocar uma nova crise dentro do G7, uma vez que senadores do grupo defendem apenas a inclusão de referências mais substanciosas ao caso do Amazonas no relatório final, mas sem indiciamentos.

Argumentam que tanto Lima como Campêlo já são réus por suas ações durante a pandemia.

No entanto o senador amazonense argumenta que as acusações são referentes basicamente a fraudes em licitações e outras compras, mas ignoram omissões no combate à pandemia.

O Ministério Público Federal acusa o governador de diversas infrações penais, entre as quais dispensa irregular de licitação, fraude a procedimento licitatório, peculato, liderança em organização criminosa e embaraço às investigações.

“A responsabilidade do governador do Amazonas, todavia, vai além. A situação do estado do Amazonas exigia atenção e providências não só do governo federal, como também do governo estadual. As ações do governador e do secretário de Saúde daquele estado, contudo, não se mostraram adequadas, tampouco tempestivas”, afirma no complemento de voto.

O senador argumenta em seu documento que o governo local ignorou alertas da companhia White Martins sobre o aumento no consumo de oxigênio e a possibilidade de escassez (que depois resultou na morte de pacientes de Covid-19 por asfixia); cedeu às pressões para relaxar medidas de distanciamento, sem embasamento técnico-científico; apoiou o tratamento precoce com o chamado Kit Covid.

Além disso, cita que o governo estadual se posicionou contra pedido de intervenção federal no estado durante a crise da segunda onda da pandemia.

“Ficou evidente que o caos no sistema de saúde do Amazonas era previsível, assim como as consequências da não adoção de medidas preventivas relacionadas ao controle de novos casos da doença e prescrição de tratamento precoce com remédios ineficazes, além da não aquisição tempestiva de oxigênio. Fatos que caracterizam crime de epidemia com resultado de morte por parte de autoridades estaduais”, afirma no documento.

O governo estadual chegou a publicar um decreto no dia 27 de dezembro do ano passado prevendo medidas mais rígidas de distanciamento social por causa do recrudescimento da pandemia.

No entanto, por pressão de segmentos da população e políticos de projeção nacional, houve um recuo da medida. Parlamentares bolsonaristas, como Carla Zambelli (PSD-SP), comemoraram nas redes sociais o recuo, dias antes do colapso do sistema de saúde do Amazonas.

O documento ainda cita que uma missão do Ministério da Saúde enviada a Manaus, chefiada pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, teve uma forte ênfase no tratamento precoce e na divulgação do aplicativo TrateCov. Braga argumenta que o governo local corroborou a ação do ministério, defendendo os medicamentos do Kit Covid.

“Essa responsabilidade, contudo, deve ser compartilhada com o governo estadual, que, de igual modo, aderiu e incentivou o uso do tratamento precoce. A propaganda desses medicamentos e a defesa de uma autonomia médica sem limites motivaram a realização de procedimentos que violaram princípios éticos basilares da pesquisa científica e da humanidade”, afirma o texto.

Braga chega mencionar em seu documento o Código de Nuremberg, elaborado em 1947 em resposta aos crimes praticados por médicos em experimentos com seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial.

O senador do AM também argumenta que o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco disse em depoimento à CPI que o estado do Amazonas tinha R$ 478 milhões em caixa em dezembro de 2020. Portanto, detinha recursos suficientes para se preparar para o enfrentamento da segunda onda.

Em relação à falta de oxigênio, o voto complementar mostra documentos da empresa White Martins que apontam para o início do problema de oxigênio em julho de 2020, seis meses antes do desabastecimento.

O ex-secretário Campêlo respondeu à CPI que não havia indícios de problemas no fornecimento até o dia 4 de janeiro. Por essa afirmação, Braga requer a proposta de indiciamento por falso testemunho.

O senador também cita depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo que afirma ter pedido especificações ao governo estadual para viabilizar ajuda internacional. As autoridades estaduais não teriam respondido com as informações.

Além disso, aponta a desmobilização dos hospitais de campanha em um momento ainda delicado da pandemia.

PRÓXIMOS PASSOS DA CPI
Previsão de votação do texto Terça (26)

O QUE ACONTECE APÓS A VOTAÇÃO DO RELATÓRIO

A CPI ainda tem algum poder após a apresentação o relatório final? Não, pois a aprovação e o encaminhamento do relatório constituem a etapa final da CPI.

Como estratégia para acompanhar os desdobramentos das investigações da comissão, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que preside a CPI, e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentaram a proposta de criação de um grupo permanente, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia.

A iniciativa, porém, depende de aprovação no Senado

A quem o relatório é enviado? Cada uma das conclusões do relatório pode implicar no envio para órgãos distintos. No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.

No caso de autoridades com foro, caso do presidente, esse papel é desempenhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR)

Folha de SP