Procurador da Lava Jato que elogiou PT diz ter vergonha do PGR bolsonarista

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Foto: Rodolfo Buhrer /Folhapress

Um dos líderes da extinta força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba, hoje advogado e consultor em compliance, Carlos Fernando dos Santos Lima vê um processo intimidatório por parte de políticos contra o Ministério Público.

Para ele, que se aposentou em 2019 do cargo de procurador-regional da República, a tentativa de aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que ampliaria a influência política no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) tem como objetivo impedir denúncias contra pessoas com poder.

“[A ideia é que] se você tentar fazer alguma coisa contra quem tem poder, você pode vir, por motivos absolutamente desproporcionais, a ser punido”, afirma. Para ele, o sistema atual “funciona contra ladrão de galinha, contra negros e pobres, mas não funciona contra poderosos”.

A entrevista à Folha foi feita na tarde desta quarta (20), antes da rejeição de texto da PEC pelo plenário da Câmara dos Deputados. Agora o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e seus aliados vão tentar reorganizar o apoio para ainda tentar aprovar a medida em uma segunda tentativa, na semana que vem.

A PEC é tratada como uma reação à Lava Jato, que tem sido criticada sob o argumento de que cometeu abusos. Carlos Fernando chama essas acusações de “genéricas e inconsequentes”.

Procurado pela reportagem nesta quinta (21), após a votação da Câmara, o procurador aposentado afirmou que “o jogo não acabou”.

“É só lembrar da manobra da lei de improbidade. Vivemos em um momento em que não existe segurança jurídica, mas vontade imperial de certos políticos e poderosos”, disse ele.

Quais as principais consequências para o Ministério Público caso a PEC seja aprovada pelo Congresso? Nos últimos dias nós tivemos uma demonstração clara do que pode acontecer no futuro. Um processo em que se use dos instrumentos administrativos punitivos para, com desvio da finalidade, intimidar o Ministério Público.

O que aconteceu com o dr. Diogo Castor –um dos melhores procuradores da República que eu conheço, que por uma ingenuidade pagou do seu próprio bolso um cartaz em homenagem à Lava Jato— foi uma demissão desproporcional e irrazoável, mas ela tem uma função clara de encaminhar uma mensagem.

Nós vimos também o encaminhamento de procedimento disciplinar contra os procuradores do Rio de Janeiro, dos melhores do Brasil, que estão sendo processados com pedido de pena de demissão por terem emitido uma nota pública e feito uma informação oficial para a população sobre uma denúncia.

Os argumentos do CNMP sobre essa questão da Lava Jato do Rio é que foram informados dados sigilosos. Como o sr. vê isso? Por princípio, as informações são públicas, especialmente se você oferece uma denúncia, a menos que haja uma decisão expressa do juiz a respeito, o que me parece que não existia. De qualquer maneiram me parece haver uma desproporcionalidade muito grande nessas duas movimentações.

O que está acontecendo? Três membros do CNMP –dois do Ministério Público e um do Judiciário— não foram conduzidos ou reconduzidos [ao órgão]. Temos um quórum que subverte a regra constitucional e que dá mais preponderância para os membros de fora do Ministério Público.

É exatamente o que a PEC pretende, consolidar essa desproporção, fazendo o MP ser ainda mais sujeito do que já é ao controle político.

O que nós temos é um processo intimidatório. Não saiam do seu ladrão de galinha, não saiam do seu pobre coitado que atravessa a Ponte da Amizade em Foz do Iguaçu com seu contrabando ou descaminho, porque se você tentar fazer alguma coisa contra quem tem poder, você pode vir, por motivos absolutamente desproporcionais, a ser punido com aquilo que é o único patrimônio que essas pessoas têm, que é uma profissão alcançada através de concurso público.

O sr. acha que o promotor ou o procurador vai se sentir intimidado a apresentar uma ação contra um político? Se alguém que paga do bolso próprio um outdoor pode ser demitido, você pode tentar demitir qualquer procurador que tente processar um figurão, alguém poderoso, na política. Então, ninguém vai fazer nada. Vamos trabalhar só com o feijão com arroz, fazer número de denúncias inúteis e pronto. É isso o que vai acontecer, é isso o que eles pretendem.

No caso de Diogo [Castor], muito se discutiu sobre a pena aplicada. O que aconteceu? Ele errou, mas não era para ter sido uma pena severa como foi? Essa é uma questão discutível. Se houve um erro da parte dele, eu acredito que foi uma ingenuidade, mas ele não tentou esconder de maneira alguma. Ele pagou do seu próprio bolso e afirmou sem nenhum tipo de problema que fez esse pagamento a pedido de um movimento social.

A demissão é a última das penas, não se tem aplicado em casos de corrupção dentro do Ministério Público. Foi absolutamente desproporcional para um procurador que foi responsável pela investigação de [Eduardo] Cunha e dos pedágios do Paraná, que retornou milhões ou bilhões aos cofres públicos. É inadmissível.

O que se diz é que essa PEC é uma reação à Lava Jato. De um lado se fala que é uma reação às investigações sobre políticos e, de outro, a eventuais exageros ou abusos. Quem está certo? Veja bem. Essa afirmação dos abusos, quem faz usa aquele tipo de informação genérica ou inconsequente. Eu só posso me defender ou defender meus colegas ou a atuação do Ministério Público ou do Judiciário se houver um fato concreto que você me apresentar. Isso é o tipo de generalidade típica que enfrentamos hoje e não tem conteúdo algum.

A questão, o sr. sabe, é a proximidade entre juiz e acusador, são as conversas que foram divulgadas… Eu conheço advogados que vão ao STF de bermuda. Não existe isso que as pessoas inventam, que parece filme americano. Procuradores, advogados e juízes conversam. Não existe nenhum tipo de problema nisso. O que eu vejo é uma manipulação de informação conveniente.

Quem é o procurador que me diga que nunca foi na porta do juiz conversar com ele sobre um despacho ou sobre uma decisão? Quero ver um advogado que não tenha feito isso. Se nunca tiver visitado o juiz, ele é um péssimo advogado. Isso tudo é manipulação de informação para uma população que desconhece como as coisas funcionam.

E as questões que foram divulgadas nos últimos anos, principalmente nas mensagens, sobre sugestão de inserção de prova ou então sobre discussão de interferência em eleição do Senado? O sr. não vê como problemas o que houve na operação? Eu não vou admitir nem vou discutir o uso de prova ilícita nem sequer de origem comprovada, mesmo porque não se tratavam de minhas mensagens. Nem sei se as mensagens são verdadeiras ou não. De qualquer maneira, o que é que tem ali dentro que seja alguma coisa grave?

Eu me pergunto: nesse Congresso que quer intimidar o Ministério Público, quantos casos no Comitê de Ética foram processados em virtude dos fatos revelados pela Operação Lava Jato? Me desculpe, comparar qualquer uma daquelas fofocas das mensagens com atos de corrupção parece muito equivocado. Fica parecendo que a Lava Jato inventou crimes, fez uma vaquinha, juntou R$ 6 bilhões e devolveu para o governo. Isso aí é aquele tipo de discussão não se pondera a realidade.

Para mim o que nós temos hoje é uma vingança, sim. Querem a punição de procuradores, sim. Querem intimidar o Ministério Público. Tudo isso é inconstitucional. A independência é cláusula pétrea e há paridade com o Conselho Nacional de Justiça. Fica óbvio que nós estamos vivendo uma subversão da Constituição no sentido do Ministério Público que o Ulysses Guimarães queria: que não deixe roubar e que se coloque na cadeia quem roube.

O sr. mesmo falou que o CNMP deixou de punir inclusive casos de corrupção dentro do Ministério Público. Ou seja, existe uma fiscalização que hoje em dia é deficiente sobre o órgão. De que forma se poderia melhorar isso sem a PEC? Temos que depurar realmente maus procuradores, maus juízes, e para isso nós precisamos de um procedimento justo e correto e com uma formatação paritária. Como a Constituição determinou. Precisamos punir maus procuradores. Aqueles que não trabalham, e têm muitos, esses sim devem ser demitidos. Essas investigações existem hoje em dia e, quando chegam ao seu final, é passada a mão na cabeça dessas pessoas. Por quê? Porque não existe interesse político na punição.

O Ministério Público deve fazer sua lição de casa e realmente punir casos de corrupção e casos de desídia para que não se abra espaço para essa falsa argumentação, que é usar desses casos como justificativa para atingir outro objetivo. O objetivo de atingir a Lava Jato. O objetivo é atingir procuradores que trabalham em investigações contra políticos. [Contra procuradores] Preguiçosos eu duvido que seja o objetivo deles fazer qualquer coisa.

Se houvesse essas punições e um controle mais rígido, o modelo atual é o adequado? Eu creio que o modelo atual é adequado. Creio que as corregedorias estão se aperfeiçoando. Nós temos que investir é numa mudança da forma de pensar dentro do Ministério Público. Um procurador que não faz nada quando recebe uma investigação é muito mais grave do que esses que tentam fazer alguma coisa e por um detalhezinho, que depois é manipulado para a sociedade, acabam sendo objeto de vingança.

Nós precisamos que o Conselho Nacional do Ministério Público evolua, mas para isso não é o caminho atual da PEC 5. Não é pelo aumento da influência dos políticos, mas sim por uma cobrança social sobre o que acontece lá.

A PEC 5 é mais uma da série de reveses que os pilares da Lava Jato sofrem. Recentemente houve o fim das forças-tarefas, a anulação de processos —os mais famosos são os contra o ex-presidente Lula— e também a votação da nova lei de improbidade. A que o sr. atribui essas situações? O sistema jurídico não foi feito para punir poderosos. É simples assim. É só lembrarmos das acusações contra Collor de Mello que não resultaram em absolutamente nada, foram anuladas também na Justiça, além de fatos envolvendo criminosos das diversas espécies. Não temos punições contra criminosos.

Por causa do foro privilegiado, agora por conta da diminuição da possibilidade de punir alguém por improbidade administrativa. Tudo isso mostra que o sistema foi feito para não funcionar. Funciona contra ladrão de galinha, contra negros e pobres, mas não funciona contra poderosos.

O procurador-geral da República foi reconduzido com um discurso de que o Ministério Público estava politizado e que ele não aceita isso. O sr. vê que isso existia e que não é assim hoje em dia? Ou será que é o contrário? Quem é que não faz nada por conta de interesse de subir ao Supremo e de ter sido colocado lá fora da lista tríplice justamente por interferência política? Eu acho que é o contrário. A gestão de Augusto Aras é uma gestão desastrosa e eu tenho vergonha do que acontece hoje na Procuradoria-Geral da República, inclusive em relação a um voto do vice-procurador-geral [Humberto Jacques, que votou pela demissão] na decisão do Diogo Castor. É uma coisa inadmissível para quem é do Ministério Público Federal.

Folha  

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No alvorecer de 2017, o blogueiro Eduardo Guimarães foi alvo de operação da Polícia Federal não por ter cometido qualquer tipo de crime, mas por ter feito jornalismo publicando neste Blog matéria sobre a 24a fase da Operação Lava Jato, que focava no ex-presidente Lula.

O Blog da Cidadania representou contra grandes grupos de mídia na Justiça e no Ministério Público por práticas abusivas contra o consumidor, representou contra autoridades do judiciário e do Legislativo, como o ministro Gilmar Mendes, o juiz Sergio Moro e o ex-deputado Eduardo Cunha.

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