Bolsonaro tenta comprar eleitor de Lula no último ano de mandato
Foto: Evaristo Sa/AFP
O Auxílio Brasil perseguido pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) atingirá de modo focalizado boa parte dos eleitores que hoje não querem reeleger o presidente: os mais pobres, os nordestinos e os desempregados.
Esses três grandes grupos representam até metade dos eleitores e estão entre os que pior avaliam o governo Bolsonaro. Em relação ao presidente, eles também sinalizam quase o triplo de intenções de voto em seu maior adversário em 2022, o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Desenhado para pagar em média R$ 400 mensais a 17 milhões de famílias no ano que vem, o Auxílio Brasil com esse valor ainda depende da aprovação, no Senado, da PEC dos Precatórios, que dá calote em dívidas da União reconhecidas pela Justiça.
Mas, nos planos de Bolsonaro, o programa nesse formato já tem data para acabar: dois meses após o segundo turno de 2022.
Os R$ 400 equivalem a mais que o dobro do valor médio do extinto Bolsa Família. Mas, em 2023, o benefício deve despencar para cerca de R$ 224, valor 17,8% maior que o último pagamento médio do Bolsa Família.
O reajuste recente ficou abaixo da inflação da baixa renda (20,5% pelo INPC) desde julho de 2018, quando o benefício foi atualizado. Ao cair para R$ 224, o valor não cobrirá a inflação até o fim do ano que vem.
“O Auxílio Brasil de R$ 400 no ano eleitoral será retrátil, pois encolherá à frente. É algo inédito em se tratando de benefício que pretende substituir o Bolsa Família”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
“O programa foca um público no ano eleitoral que não é o do presidente. A dúvida é se os beneficiários entenderão a ‘pegadinha’ do valor, que cairá pouco depois da eleição.”
Para Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, se o novo Auxílio Brasil chegar aos R$ 400 em 2022, ele deve influenciar os eleitores e pode fazer diferença.
“É provável que uma parcela importante dos eleitores releve muitos dos aspectos negativos do governo Bolsonaro em troca desse benefício”, diz Paulino. “Mas o potencial de recuperação deve ser menor do que o de Lula após a crise do mensalão.”
Esquema de compra de votos de parlamentares pelo governo em 2005, o mensalão ameaçou o mandato de Lula e foi o principal tema de seus adversários na campanha de 2006, na qual o petista se reelegeu.
Embora Bolsonaro vá além com o Auxílio Brasil, de 2005 para 2006, antes da campanha eleitoral, Lula aumentou em 32% o orçamento do Bolsa Família (para um INPC de 5%) e ampliou de 8,7 milhões para 11 milhões (+27%) o número de beneficiários.
Ao contrário de Bolsonaro, o petista não contava com a amarra do teto de gastos para conceder o aumento e tinha uma economia em expansão. O crescimento do PIB foi de 4% em 2006, 6,1% em 2007 e chegaria a 7,5% em 2010; com a inflação sob controle.
Agora, Bolsonaro pode entrar no ano eleitoral com a economia em desaquecimento e a inflação em dois dígitos, sobretudo a de alimentos.
Embora o Auxílio Brasil tenha alcance bem menor que o Auxílio Emergencial pago em 2020 —chegou a 66 milhões de pessoas e fez a aprovação de Bolsonaro disparar para 37%, ante os atuais 22%, segundo o Datafolha—, o programa terá grande penetração entre aqueles descontentes com o presidente.
Mais da metade dos eleitores (51%) vive em famílias com renda mensal inferior a dois salários mínimos (R$ 2.200), segundo estratificação do Datafolha. Entre eles, 54% pretendem votar em Lula no primeiro turno em 2022; e só 20% em Bolsonaro.
Embora o Auxílio Brasil seja dirigido a quem está na pobreza, especialistas afirmam que há grande interseção entre os que vivem de trabalhos instáveis ou temporários —e que ganham menos— e os que estarão no programa.
Outro ponto é que, assim como ocorria com o Bolsa Família, praticamente a metade dos recursos do Auxílio Brasil continuará dirigida ao Nordeste, que concentra um quarto dos eleitores do país.
É justamente nos estados nordestinos que Lula abre a maior vantagem sobre Bolsonaro: 61% a 16%, respectivamente. A liderança do petista também é grande entre os desempregados (10% dos eleitores): 55% querem votar em Lula; 19%, no presidente.
Vários trabalhos acadêmicos sobre o impacto do Bolsa Família em eleições encontraram correlação positiva a favor do candidato que oferecia o benefício.
Estudo da FGV em 2014 mostrou que cada ponto percentual de cobertura do programa em um município rendeu, em média, 0,32 ponto percentual na votação de Dilma Rousseff naquele ano.
Outro, da Universidade de Brasília sobre a vitória do PT em 2006, constatou que “os beneficiários do programa tendem a votar mais em Lula, além de avaliar o governo federal e o trabalho do presidente de uma forma mais positiva do que os não beneficiários”.
No fim de julho, Bolsonaro reconheceu em entrevista à rede Nordeste de rádio a influência eleitoral que programas de assistência têm no Brasil. “Acredito que o Bolsa Família foi o grande sustentáculo por ocasião das eleições”, disse, sobre vitórias petistas.
Para o cientista político Carlos Pereira, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, embora esse tipo de benefício dê frutos eleitorais, é difícil determinar o impacto do Auxílio Brasil desta vez, sobretudo por conta do alto desemprego e da inflação. “Bolsonaro está jogando com o que pode e tem nos estratos que hoje preferem Lula”, afirma.
Além de menos potente que o Auxílio Emergencial pago em 2020, cujo valor no ápice chegou a R$ 600 mensais, o Auxílio Brasil deve ter alcance limitado porque Bolsonaro terá de dividir parte do dinheiro levantado com a PEC dos Precatórios (cerca de R$ 91,6 bilhões) com emendas de parlamentares.
“É o preço que o presidente paga por não gerenciar de forma eficiente sua coalizão política. Na ausência disso, o jogo acaba se tornando predatório”, afirma Pereira.
Como Bolsonaro não consegue fazer avançar no Congresso políticas de interesse geral que beneficiem o país como um todo, aumentando as chances de reeleição dos parlamentares, eles acabariam tomando o máximo de recursos para si a fim de tentar garantir sua sobrevivência política.
Para a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (Progresistas-AL), e o governo Bolsonaro patrocinaram a distribuição de pelo menos R$ 1,4 bilhão em emendas parlamentares nas últimas semanas.
Outros bilhões de reais ainda a serem definidos após a aprovação da PEC devem irrigar mais emendas e podem turbinar o fundo eleitoral no ano que vem.
Pereira avalia, porém, que será difícil para Bolsonaro eliminar o “recall” de Lula entre os eleitores mais pobres, que sentiram a vida melhorar nos anos em que o petista governou o país.
Outro problema para Bolsonaro, segundo Vinícius Botelho, ex-secretário nos ministérios de Desenvolvimento Social e da Cidadania (2016-2020), é que alcance menor do Auxílio Brasil, mesmo com os R$ 400 em 2022, não apaga a percepção de piora de vida que 66 milhões de brasileiros tiveram a partir do fim do Auxílio Emergencial de R$ 600 —seguido pelo aumento da inflação.
Botelho considera que o governo poderia ter desenhado melhor o programa para o ano que vem, alcançando mais famílias. “Será um valor até muito alto para um número reduzido de pessoas”, afirma.
Isso ocorreu porque Bolsonaro elevou o teto de renda permitido para ingresso no programa a um patamar que não repõe a perda inflacionária dos últimos anos e ignora critério internacional de pobreza usado por organismos como a ONU —o que limitou o público.
Na avaliação de Naercio Menezes, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância e professor do Insper, apesar de não ter expandido de forma significativa os beneficiários, o Auxílio Brasil difere pouco do Bolsa Família, mas traz mudanças positivas para as famílias com filhos pequenos.
Ele destaca o Benefício Primeira Infância (R$ 130), para famílias com crianças até três anos (por integrante); e o Auxílio Criança Cidadã (R$ 200 para período parcial ou R$ 300 no integral), para pagamento de mensalidades em creches privadas.
“A mudança de nome para Auxílio Brasil é claramente estratégia eleitoral, mas o novo benefício não piorou o Bolsa Família”, afirma.
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