Chefe da Anvisa acusa Bolsonaro de incitar crimes

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Foto: Adriano Machado/Reuters

Antes conselheiro do governo na pandemia, o contra-almirante e chefe da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, tem elevado o tom das críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em entrevista à Folha, ele afirmou que a campanha do mandatário para minar a imunização das crianças estimula grupos antivacina e ameaças à vida de funcionários da agência reguladora.

Após a Anvisa aprovar o uso das doses da Pfizer contra a Covid para o grupo de 5 a 11 anos, Bolsonaro prometeu expor nomes de servidores do órgão e disse ser “inacreditável” a decisão.

“Não tenho dúvida que as duas falas contribuíram sobremaneira para o número aproximado de 170 ameaças de morte, agressão física, violência de todo tipo contra servidores e seus familiares que a Anvisa tem recebido”, disse Barra Torres.

Ele também considerou inadequadas a consulta pública e a proposta do ministro Marcelo Queiroga (Saúde) de cobrar prescrição médica para imunizar os mais jovens. “Não guarda precedentes no enfrentamento da pandemia e está levando, inexoravelmente, a um gasto de tempo”, disse Barra Torres.

O chefe da Anvisa afirmou que há sensação de “desamparo” na agência, que ainda aguarda resposta da Polícia Federal sobre o pedido de proteção aos funcionários. Declarou que os servidores trabalham “no limite” e disse temer pela saída de técnicos —de um total de 1.600, 600 têm tempo suficiente para se aposentar, segundo Barra Torres.

No começo da crise sanitária, o militar chegou a ser usado pelo presidente como contraponto ao ex-ministro da Luiz Henrique Mandetta e esteve, sem máscara, em ato de viés golpista e pró-governo. Após as ameaças, Barra Torres disse que se afastou de Bolsonaro, mas mantém o respeito pelo mandatário.

Como o senhor avalia o trabalho da Anvisa em 2021? Foi um ano que começou muito bem, eu diria [com aprovação das vacinas para Covid no Brasil]. No quesito esperança de termos hoje [vacinas], pelo menos para dar algum grau de conforto à imensa população brasileira que aderiu maciçamente a campanha de vacinação. Foi um ano que, diante do cenário difícil, começou com um aceno de esperança e terminou sem que essa esperança fosse abençoada com a concretização [aplicação da vacina em crianças]. Isso vai ficar para 2022.

São cerca de 170 ameaças que a Anvisa recebeu por conta da vacina em crianças. Qual o perfil dessas pessoas? São pessoas que veiculam ameaças, tanto de morte quanto de perseguições, humilhações, violências, agressões com foco em servidores, diretores, terceirizados, empregados, familiares, qualquer pessoa que se relacione com a Anvisa. Bem como as instalações prediais. É nitidamente o perfil do antivacina. Nota-se que são pessoas que querem fazer crer que a Anvisa é a única responsável por uma ação que não é dela, que é vacinar pessoas. Quem efetivamente decide incorporar ao sistema de saúde é o Ministério da Saúde.

A Anvisa reiterou os pedidos de segurança após as ameaças? Esses órgãos [PF, PGR e Ministério da Justiça] já receberam as nossas notificações iniciais, já foram alimentados com informações adicionais. Atingimos um número aproximado de 170 ameaças, número esse que cresce todos os dias. Até o presente momento, não há medida concreta de proteção pelo menos ostensiva e palpável que nós tenhamos conhecimento em relação a Anvisa, em relação aos seus servidores e as instalações prediais.

Isso cria àqueles que trabalham na agência uma sensação de desamparo. É uma sensação preocupante por não haver a proteção policial até o presente momento, preocupante por identificar o cenário potencialmente perigoso [variante ômicron] e preocupante por não ver o foco no enfrentamento de um cenário provavelmente adverso para o ano de 2022.

O sr. considera apropriada a consulta pública aberta pelo Ministério da Saúde sobre a vacinação das crianças? A consulta pública é uma dessas medidas que não foi elencada antes quando tratamos do mesmo fabricante e quando tratamos da vacinação para adultos. Então é uma medida que não guarda precedentes na história recente, não guarda precedentes no enfrentamento da pandemia e que está levando, inexoravelmente, a um gasto de tempo, tendo em vista que a nossa análise já foi concluída.

Então, como entender a motivação e o que de útil trará uma consulta que, sendo pública, obviamente, permite a participação de todos aqueles que têm conhecimento técnico sobre o assunto e aqueles que não têm. Será uma análise muito complexa desses resultados e tenho dúvidas quanto à utilidade prática dessa ferramenta.

O ministro Queiroga sugere prescrição médica para vacinar crianças. Qual sua opinião? Não há ação também do regulador ou da agência reguladora dessa ferramenta adicional que o ministro Queiroga pontuou que seria de um receituário médico para a vacina. Quando uma vacina é incorporada no Programa Nacional de Imunizações, o prescritor é o Ministério da Saúde, como assim foi em todas as outras vacinas na história da vacinação no Brasil. Estamos agora diante de uma ferramenta nova, que vem recebendo críticas de todas as sociedades médicas brasileiras.

Eu entendo que seja necessário por parte do ministério o posicionamento mais claro quanto a essa necessidade ou explicar como o SUS vai se preparar para fornecer essas receitas porque uma parcela mínima da nossa população tem acesso a medicina particular. Uma outra parcela, um pouco maior, mas ainda pequena, têm acesso aos convênios, aos planos de saúde, e a imensa maioria dependerá do SUS. E agora, qual será o plano do SUS para o atendimento de pais, mães responsáveis que estarão lá nos organismos do SUS, nos hospitais, nas UPAS, solicitando a receita para a vacina? Como será isso? Será seguro? Serão unidades focadas somente nisso?

Bolsonaro disse recentemente que não vai vacinar a filha de 11 anos e chamou a vacina de experimental. O que o sr. acha dessas declarações? Eu não comento nenhuma declaração de agente político ou gestor público. Eu digo que no Brasil a vacina segue até hoje em modo de voluntariado. A decisão é de cada cidadão no caso dos adultos e é dos familiares ou responsáveis no caso das crianças.

As falas do presidente estimulam ataques à Anvisa e desestimulam a vacinação das crianças? Entendo sim que a primeira fala possa ter soado como incentivo àqueles que são não só antivacina, porque aí é uma decisão de questão pessoal de cada um, mas aqueles que resolvem transcender a posição antivacina e entrar na seara do crime, que é o crime de ameaça. Eu, particularmente, não tenho dúvida que as duas falas contribuíram sobremaneira para o número aproximado de 170 ameaças. Entendo que isso somou um novo problema gravíssimo, gravíssimo, à questão vacinal no país.

Até porque temos de considerar que em meio a uma série de pessoas que sabem que estão cometendo crime ao fazer a ameaça, existem outras pessoas que não têm o domínio completo de suas faculdades mentais. Que podem ser inimputáveis, à luz da lei, mesmo se cometerem atos violentos. Vamos lembrar o próprio atentado que o senhor presidente sofreu, salvo melhor juízo, praticado por alguém que acabou tendo diagnóstico de doença mental excludente ou atenuante de culpabilidade. Então o estímulo à violência, por menor que seja, é capaz de colocar em movimento forças incontroláveis, para as quais é muito difícil prevenir.

O governo tem responsabilidade pelo saldo da pandemia, poderia ter sido melhor se as orientações da Anvisa fossem seguidas? As agências reguladoras regulam o mercado e oferecem opções aos governos para que tomem suas decisões. Entendo que em algumas questões referentes a fronteiras, e nessa questão sobre vacinação infantil, uma celeridade maior poderia ter trazido benefícios maiores, agora não é papel da agência efetuar análise da ação governamental, seja brasileira ou de qualquer outro país, em face da pandemia. É muito importante, para que nosso trabalho siga tendo credibilidade, resistir às tentativas que sejamos arrastados para discussões políticas, ideológicas, partidárias, que nada têm a ver com ciência.

A Anvisa recebeu críticas de alinhamento ao governo, no começo da pandemia, até por sua amizade com o presidente. O sr. se afastou do presidente? As pessoas podem entender que a amizade obrigatoriamente influencia o trabalho, coisa que repilo veementemente. Da nossa parte sempre houve essa separação. O senhor presidente nunca, nunca efetuou nenhum tipo de pressão ou pedido sobre minha pessoa em relação à Anvisa.

Essa fala [ameaçando expor nomes de funcionários] trouxe dificuldade desnecessária, criou ambiente de insegurança, dificultou o trabalho de enfrentamento da pandemia de sobremaneira. Essa ação acaba por influenciar a relação pessoal.

Respeito sempre será mantido. Agora, evidentemente, em face dos últimos acontecimentos, há um distanciamento sim, não poderia ser diferente. Mas nunca houve por parte do presidente nenhum tipo de ação, insinuação, influência, sobre nenhuma das decisões da Anvisa. E ainda que houvesse não teria efeito. Não é assim que trabalhei durante 32 anos na Marinha.

Folha

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