Especialistas duvidam que discurso moralista de Moro emplaque em 2022
“Precisamos falar sobre corrupção”, disse o ex-juiz Sergio Moro, em discurso em novembro recheado de expressões que perderam pouco a pouco espaço no debate político nos últimos dois anos.
“Pixuleco”, “contas na Suíça” e “saque na Petrobras” foram alguns dos termos usados pelo magistrado da Lava Jato em evento em Brasília que sacramentou sua filiação ao partido Podemos, de olho na eleição presidencial do próximo ano.
Moro, na ocasião, procurou abordar outros problemas, como a situação da economia, a educação e a pobreza, mas priorizou a bandeira pela qual se tornou conhecido nacionalmente a partir de 2014.
Esse enfoque e a dificuldade de encontrar espaço para quebrar a polarização das candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) geram incerteza sobre a viabilidade de lançar uma candidatura à Presidência ancorada em um tema que dá sinais de já não estar mais na pauta prioritária do eleitorado.
Especialistas ouvidos pela Folha duvidam do potencial que o assunto corrupção tem para atrair parcelas mais amplas de eleitores, diante da urgência das crises econômica e sanitária.
“Os temas são cíclicos. Existe de fato uma oscilação, e certos temas assumem um protagonismo em certas eleições e perdem protagonismo em outras”, diz a professora de ciência política Nara Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco, que pesquisa a área.
A eleição presidencial de 2018 representou o auge do efeito político da operação deflagrada em Curitiba, com uma onda antipolítica que fez encolher partidos tradicionais.
À época, o então candidato Bolsonaro se aproveitou do clamor e se posicionou como uma alternativa “contra o sistema”. Um dos motes de campanha era o “Acabou a mamata”, difundido pelos seus apoiadores.
Para Nara Pavão, é uma temática que costuma unir o eleitorado, mas que hoje representa uma “pauta ultrapassada”, diante do ostracismo em que caiu a operação.
“É um tema de muito fácil mobilização do eleitor, comparado com outros. Ninguém é contra o combate à corrupção. Em geral é um tema que mobiliza pessoas para além de bandeiras políticas.”
O fator Lava Jato, porém, diz ela, se perdeu com a identificação da operação como uma investigação política, com alvos direcionados.
Um dos marcos do declínio da Lava Jato foi a decisão de Moro, em novembro de 2018, de deixar a magistratura para ingressar no governo Bolsonaro.
O histórico de pesquisas do Datafolha mostra tendência de forte baixa da corrupção no ranking de maior preocupação do eleitorado —chegou a ser citada por 37% dos entrevistados em pesquisa em junho de 2017, no auge de crise política do governo Michel Temer.
Na história brasileira, além de Bolsonaro, outros dois presidentes foram eleitos com o mote da ética —e deixaram o cargo antes de completarem seus mandatos. Jânio Quadros, em 1960, foi um dos precursores, ao adotar uma vassoura como símbolo da moralização. Vitorioso, ficou apenas sete meses no posto e renunciou.
Nos anos 1980, Fernando Collor despontou no cenário nacional como governador em Alagoas que combatia “marajás” —servidores públicos que recebiam altos salários sem trabalhar. Venceu uma acirrada primeira eleição após a ditadura militar e foi afastado em processo de impeachment em 1992.
Apesar de ser um tema hoje mais identificado com a direita, a primeira eleição de Lula, em 2002, também foi influenciada pela bandeira de moralidade, diante de um desgastado governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O lema do PT naquele ano foi “Quero um Brasil decente”.
Em eventual candidatura em 2022, pesará contra Moro o rótulo de parcial dado ao ex-juiz pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento encerrado em junho. A corte considerou que o magistrado não agiu com a devida equidistância ao conduzir investigações e processo contra Lula no Paraná.
Embora formalmente não tenha sido a motivação principal para a decisão, as mensagens no aplicativo Telegram que mostraram colaboração e proximidade com os procuradores da Lava Jato foram o pano de fundo desse julgamento.
O professor emérito de ciência política da Universidade de Brasília David Fleischer acredita que esses episódios serão rememorados caso Moro insista em explorar vidraças de seus dois potenciais adversários. Em manifestações públicas, além dos desvios da Petrobras, o ex-juiz tem feito menção à prática de “rachadinhas”, como forma de atacar Bolsonaro.
“Ele vai obrigar outros candidatos a tratar do assunto [corrupção]. Vai ser uma cobrança moralizadora. Tem zero de chances de se eleger, mas pode influenciar o rumo e o conteúdo da campanha, levantar a questão. É algo que muitos candidatos não querem discutir”, diz Fleischer.
Contra Moro também haverá o saldo de sua passagem pelo Ministério da Justiça, marcada por poucas realizações e vários atritos com Bolsonaro e o Congresso.
Na defesa do legado da Lava Jato na campanha de 2022, o ex-ministro provavelmente terá a companhia do agora ex-procurador Deltan Dallagnol, que também foi para o Podemos.
Pesará, porém, o possível cansaço do tema Lava Jato na opinião pública. Depois de anos de operações, com prisões de dois ex-presidentes e delações bombásticas, o ritmo se esvaiu. Hoje, a antiga força-tarefa já não opera mais sob essa estrutura, e apenas um líder político de peso permanece preso —o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Já na eleição municipal de 2020, o tema foi pouco mencionado nas campanhas de grandes cidades. O pleito, aliás, foi marcado pela vitória de siglas e candidatos tradicionais, como o PSDB em São Paulo, o DEM no Rio e o MDB em Porto Alegre, sinalizando um refluxo da onda antipolítica de 2018.
Para o professor Bruno Bolognesi, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, a falta de apelo dessa discussão hoje também é reflexo da complexidade dos esquemas de corrupção revelados, com suas múltiplas frentes, personagens e desdobramentos que se espalharam pelo país.
“O público cansa das notícias, de debater o mesmo tema. Outras coisas vão surgindo.”
O acadêmico vê a candidatura de Moro menos como uma defesa da operação deflagrada no Paraná e mais como “uma vaidade” pessoal.
“Talvez tenha um elemento coordenado deles [Moro e Deltan] de recuperar a própria imagem”, diz.
O professor da USP José Álvaro Moisés, coordenador do grupo de estudos da democracia, acha que, mesmo que não seja o grande assunto eleitoral como em 2018, o debate sobre corrupção vai continuar sendo relevante no próximo ano, no grupo de prioridades da campanha.
Cita a pontuação de Moro nas pesquisas como um indicativo disso. No mais recente Datafolha, o ex-juiz teve 9% das intenções de voto —numericamente em terceiro, atrás de Lula e Bolsonaro.
Moisés menciona também o impacto político que as revelações da CPI da Covid teve no mundo político neste ano e que pode se estender para a campanha.
Meses atrás, manifestações de rua promovidas lembraram em faixas e cartazes as suspeitas de irregularidades na compra de vacinas pelo governo Bolsonaro —mostrando que a temática também pode servir munição da esquerda.
“Vai depender de como vai ser a resposta dos atores políticos. Vai ser como em 2018, quando os democratas e a esquerda silenciaram sobre o tema? Se fizerem isso, acho que vai ser um tiro no pé”, diz o professor.
Folha