Colunista chama BBB de “máquina de moer gente preta”

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Foto: Reprodução

É chegada a hora do reality show de maior sucesso da televisão e da internet do país: o “Big Brother Brasil”, que estreia na próxima segunda-feira (17). A essa altura, após 21 edições, mesmo que você considere o “BBB” um programa medíocre ou até um retrato da realidade brasileira, é preciso admitir que mobiliza paixões, debates, e claro, memes, GIFs, mutirões, hashtags e os temidos haters.

Particularmente, vejo o “BBB” como uma máquina de moer gente preta. Apesar das campeãs Gleici Damasceno, do “BBB 18”, e Thelma Assis, do “BBB 20”, de modo geral, para os participantes negros do programa, essa tem sido uma experiência marcada pelo racismo. Dentro e fora da casa. As duas, aliás, também sentiram na pele essa violência, muitas vezes sendo subestimadas pelos seus companheiros de confinamento, até se consagrarem campeãs.

A edição de 2021 deixou isso ainda mais evidente. A rapper Karol Conká e a psicóloga Lumena Aleluia foram duas das participantes mais odiadas do programa, eliminadas com 99,17% e 61,31%, respectivamente, em paredões triplos. No caso de Conká, restaurantes, lanchonetes e lojas ofereciam desconto para clientes que acertassem o percentual de eliminação da rapper.

Parceiras de jogo e amigas fora do confinamento, ao longo de 2021 ambas percorreram inúmeros programas de televisão, deram entrevistas, participaram de um documentário sobre a trajetória de Karol no reality e, inúmeras vezes, pediram desculpas pelos seus “erros”.

Ainda assim, o perdão para uma mulher negra vem com mais dificuldade (quando vem), e ambas seguem buscando reconstruir suas imagens diante do público.

Não podemos esquecer também o caso da jornalista Nayara de Deus, do “BBB 18”, que em sua eliminação ouviu do ex-apresentador Tiago Leifert que “representatividade não leva a nada”. Leifert criticava a postura ativa de Nayara ao abordar a questão racial dentro da casa, deslegitimando a trajetória da participante e ignorando que para muitos de nós, negros, a luta contra o racismo é a luta pela nossa própria sobrevivência. Não há nada mais valioso do que a vida.

O mesmo apresentador elogiou Paula Sperling pela “audácia de ser imperfeita”. O que Leifert define como a “imperfeição” da campeã do “BBB 19”, a Polícia Civil do Rio de Janeiro qualificou como crime de injúria por preconceito relacionado à intolerância religiosa.

Paula desferiu ofensas à orixá Oxum, cultuada pelas religiões de matriz afro-brasileira, além de outras frases racistas ao longo do programa. Ainda assim, saiu com o prêmio de R$ 1,5 milhão, e a denúncia foi arquivada pelo Ministério Público.

Há também o caso de Ronan Oliveira, que se deparou com uma esponja de lavar louça em formato de um homem negro com o cabelo crespo, no “BBB 16”. Ronan, também um homem negro, prontamente vetou que os outros membros da casa usassem o objeto com essa finalidade.

Babu Santana, participante lembrado até hoje, foi tratado como “monstro” pelas brancas “fadas sensatas” (ou seria fadas senzalas?) durante grande parte do jogo do BBB 20, sendo o recordista de paredões de todas as edições: foram dez berlindas ao todo.

Para Rodolffo (“BBB 21”), que comparou o cabelo crespo do também participante João Pedrosa à uma peruca desleixada de uma fantasia do Castigo Monstro, e que demonstrou traços de homofobia ao se incomodar com as danças, gritos e o bom humor de Gil do Vigor, o perdão do público veio com bem mais facilidade.

Rodolffo, homem branco de 33 anos, como todo o acesso à informação, alegou desconhecimento sobre o racismo e disse estar em “evolução”. Foi o suficiente para que público relevasse a atitude. O cantor sertanejo, junto com seu companheiro de dupla, Israel, foram agraciados com o prêmio de melhor música de 2021 no “Melhores do Ano” do “Domingão do Huck”.

De novo: por que o perdão vem fácil para alguns, enquanto outros seguem precisando se justificar?

Muitos dirão que todos os episódios de racismo vivido por participantes negros dentro do programa são apenas “mimimi”. Eu prefiro nomeá-los como expressões do racismo estrutural, ideia que tem sido bastante citada nos últimos anos, principalmente a partir dos debates do professor, filósofo e jurista Silvio de Almeida.

Almeida diz que o racismo é sempre estrutural, ou seja, está em tudo e tem origem em um processo histórico e social que produziu formas sistemáticas de discriminação de pessoas negras no Brasil. O racismo se manifesta nas relações interpessoais, nas dinâmicas institucionais, no cotidiano, no ‘BBB’.

Por isso, dentro da lógica racista a qual todos nós estamos imersos, não causa comoção a dor que pessoas negras vivenciam em seus corpos. Quando ousamos falar desta violência, somos taxados como chatos, “mimizentos”, “raivosos”.

O “BBB 22” vem aí, e não é preciso ter o dom de prever o futuro para saber que os brothers e sisters dessa edição cometerão equívocos ao longo do jogo, mas é provável que o peso de suas ações seja maior para os participantes negros. Sabemos também que novos episódios de racismo acontecerão, provocando debates acalorados nas redes sociais. Alguns seguirão fechando os olhos para o óbvio, outros seguirão colocando o dedo nesta ferida chamada racismo, que está bem longe de ser cicatrizada.

Aos participantes negros desta edição, minha admiração pela coragem de entrarem na máquina de moer gente preta.

Uol  

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