Mais uma vez STF não deixa Fux sozinho no recesso

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Foto: Reprodução

Historicamente, uma das ocasiões em que um presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) mais pode exercer sua autoridade é durante o recesso do Poder Judiciário. É quando compensa o ônus de ser o único a trabalhar enquanto os demais tiram férias, diante do bônus de alterar os rumos da República a uma só canetada, inclusive em processos de outros colegas.

Mas essa tradição parece ter acabado. A presidência da Corte nunca teve tão pouco poder quanto nos últimos dois janeiros, sob a gestão do ministro Luiz Fux. Em um movimento inédito em pelo menos 15 anos, inaugurado em 2021 e repetido neste ano, boa parte dos ministros abriu mão do mês de descanso para continuar despachando em seus acervos.

A sobrecarga é o motivo oficial a dar à decisão ares de nobreza. Mas há outra variável em jogo: um ministro que abdica das férias não dá chance para que o plantonista solitário eventualmente profira uma liminar que mude diametralmente a rota que ele buscava dar para seu processo – uma preocupação crescente em um tribunal com evidentes alas opostas.

Os ministros do grupo garantista, por exemplo, consideram arriscado deixar petições urgentes relativas à Operação Lava-Jato nas mãos de um juiz que ainda simpatiza com a investigação. Outra inquietação é quanto à visão peculiar de Fux sobre direito econômico – um viés consequencialista, que poderia afetar eventuais liminares de impacto fiscal.

Do mesmo modo, o alto grau de impenetrabilidade nos pensamentos jurídicos da ministra Rosa Weber, vice-presidente do Supremo que assumiu o plantão na segunda metade do recesso (está no cargo neste momento), também gera dúvidas quanto à postura que ela pode adotar em casos considerados delicados. O que a salva é a pouca afeição à polêmica.

Um quórum maior durante o recesso também põe freio em um expediente habitualmente adotado por advogados para buscar, junto ao presidente, decisões favoráveis a seus clientes, depois de negativas dos relatores originais. Se antes eles tinham certeza de que só havia um ministro em atividade, hoje a tentativa tem menos chance de prosperar.

As estatísticas do tribunal demonstram a redução de força do presidente, que assinou 515 decisões monocráticas em janeiro de 2021 – o menor número para o mês desde 2018, quando o STF sacramentou sua importância na correlação de forças entre os Poderes.

A moda do “mutirão de férias” foi inaugurada às vésperas do recesso de 2021, quando os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes, além do então decano Marco Aurélio Mello, comunicaram a Fux que continuariam trabalhando. O presidente do STF tinha assumido o cargo havia dois meses e já vinha colecionando desgastes com os colegas.

Um dos atritos teve justamente a ver com o que Marco Aurélio considerou um abuso de poder de Fux. Mesmo fora do período de férias, o presidente cassou a liminar que o hoje ministro aposentado havia proferido para libertar um traficante. O ex-decano disse que Fux tinha “tendência a ser totalitário”.

“Está em jogo definir se o presidente é ou não um censor, um tutor, um curador de seus pares”, reclamou Marco Aurélio, na ocasião. Com a proximidade do período de recesso, fez um comunicado à presidência: “Continuarei apreciando os pedidos de tutela de urgência formulados em processos de minha relatoria.”

Se para o então decano esse era um hábito (ele já havia trabalhado nas férias durante a presidência do ministro Dias Toffoli), para os demais serviu como uma espécie de gatilho. Lewandowski, cujo gabinete estava abarrotado de processos sobre a covid-19, disse não se sentir no direito de descansar.

Gilmar e Moraes foram na mesma toada. Nos bastidores, contudo, a percepção foi a de uma retaliação – sentindo-se traídos por Fux devido ao seu voto decisivo para barrar as reeleições sucessivas às presidências da Câmara e do Senado, eles também teriam decidido esvaziá-lo de poder.

Lewandowski, que já não é presidente do STF desde 2016, foi o grande protagonista daquele recesso. Com a decisão inédita de trabalhar nas férias, apagou Fux do noticiário ao concentrar as decisões judiciais relacionadas ao tema político, econômico e social que até hoje é o mais importante no Brasil: a pandemia de covid-19.

Moraes também não quis delegar ao plantonista decisões referentes ao inquérito das “fake news” e ao que apura a existência de milícias digitais, duas das investigações mais movimentadas do acervo do Supremo – e que implicam diretamente o presidente Jair Bolsonaro e sua furiosa base de apoio nas redes sociais.

Ciente da perda de força, Fux fez um gesto para tentar uma virada de jogo. Antes do recesso de julho de 2021 e do de janeiro deste ano, ele se antecipou: enviou ofícios a todos os ministros, questionando-os sobre suas disponibilidades para renunciar às férias. A ideia era puxar para si a responsabilidade de promover um tribunal com maior apreço à colegialidade.

Mas nem todos os magistrados da Corte pensam assim. Segundo a interpretação de um ministro, o regimento do STF é claro ao dizer que, durante o plantão do Judiciário, quem decide casos prioritários é o presidente, mais ninguém. Como ele ainda não ocupou este posto, a coletividade pode voltar a ser exceção em um recesso futuro.

Agora, além de Gilmar, Lewandowski e Moraes, a ministra Cármen Lúcia também está despachando normalmente. Enquanto isso, o novato André Mendonça tem aproveitado o mês de folga para organizar e decorar os 400 metros quadrados de seu gabinete, localizado no quinto andar. Ele será vizinho de Rosa e de Moraes.

Os demais ministros descansam pela segunda vez em 12 meses, graças aos 60 dias de férias anuais a que têm direito. Aliás, a disputa por poder no Supremo virou munição para os muitos críticos da regalia. Ao renunciarem ao recesso, os quatros ministros deram indícios de que, quem sabe um dia, talvez seja possível cortar essa consagrada benesse da carreira da magistratura.

Valor Econômico

 

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