TSE quer evitar que fundão atrase para mulheres e negros

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A Justiça Eleitoral aprovou uma regra que dá mais um passo na tentativa de ampliar a participação de mulheres e negros na política. A partir da disputa deste ano, os partidos terão que repassar de forma antecipada a verba de campanha relativa às cotas racial e de gênero.

A medida, que consta de resolução aprovada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em dezembro, estabelece que as legendas terão que destinar o dinheiro a esses candidatos até 13 de setembro, a 19 dias da disputa e data final para que as campanhas apresentem a prestação de contas parcial.

O objetivo do tribunal foi o de tentar evitar uma situação que se mostrou comum em 2020, quando a cota racial entrou em vigor por decisão da própria Justiça Eleitoral. Na ocasião, conforme revelou reportagem da Folha, os partidos atrasaram o repasse da verba das cotas.

Apesar de pretos e pardos somarem 50% do total de candidatos na ocasião, eles haviam sido destinatários de cerca de 40% da verba dos fundos eleitoral e partidário até cerca de 15 dias antes da disputa municipal.

Os autodeclarados brancos reuniam 60% do dinheiro, apesar de representarem 48% dos candidatos. Homens também ficaram, até esse período, com 73% dos recursos.

Relator da decisão no TSE, o ministro Edson Fachin escreveu em seu voto que “a fixação de uma data limite para o repasse desses recursos públicos traz efetividade e concretude à proposta normativa de igualar as condições de disputa eleitoral dessas candidatas e desses candidatos, agasalhando compreensão material do princípio da isonomia, que deve ser preservado por este Tribunal Superior Eleitoral”.

As políticas afirmativas nas eleições tiveram início no fim dos anos 1990. Em 1998 começou a valer a cota de gênero, introduzida pela Lei das Eleições, de 1997, que obrigou os partidos a lançarem ao menos 25% de mulheres na disputa proporcionais (naquele ano, à Câmara dos Deputados e às Assembleias estaduais). Dois anos depois, a cota de gênero subiu para 30%.

Apesar disso, os partidos não eram obrigados a distribuir de forma equânime as verbas de campanha. Somente em 2018 o STF (Supremo Tribunal Federal) definiu que as legendas tinham que repassar a verba de campanha às mulheres proporcionalmente ao número de candidatas —ou seja, ao menos 30%.

Isso levou algumas siglas a recorrerem ao expediente das candidaturas laranjas, entre elas o PSL, como revelou a Folha. O esquema consistia no lançamento de candidaturas femininas de fachada, com o único intuito de simular o cumprimento da cota.

A verba destinada oficialmente a essas mulheres, que não tinham nenhum indicativo real de terem feito campanha, acabava desviado para outros candidatos ou outros fins.

Na disputa municipal de 2020, o STF estendeu a política de cotas, estabelecendo a divisão das verbas na proporção de candidatos brancos e negros lançados pelos partidos.

“Fico muito feliz com o esforço do TSE de tentar dar efetividade à medida de caráter de justiça e igualdade do ponto de partida. Assim, a sociedade e as candidaturas terão parâmetros mais concretos de controle da atuação dos partidos, evitando o esvaziamento dessa política pública”, afirmou Irapuã Santana, doutor em direito processual pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e procurador de Mauá (SP).

Para Romero Rocha, um dos coordenadores do Igualdade 23 (núcleo afro do Cidadania), o repasse deveria ocorrer bem antes do dia 13 de setembro, mas a decisão do TSE já representa um caminho.

“Antes não tinha nem essa previsão para ter esse recurso. O tempo está curto, vamos trabalhar para aumentar esse tempo, e vamos trabalhando até o dia que a gente não precise mais disso, até que chegue o tempo ideal que não precise ter essa distinção.”

De acordo com ele, é preciso compreender, porém, a decisão dos partidos de selecionar os candidatos que irão receber mais recursos.

“Tem gente que não tem base, nunca fez base, nunca trabalhou no município, nunca fez nada, aí quer se lançar candidato e quer que o partido lhe dê R$ 500 mil. Isso não vai acontecer nunca. Isso é dinheiro jogado no lixo. Isso é dinheiro público.”

Após a decisão do STF de proibir em 2015 que empresas financiassem os candidatos, as campanhas políticas passaram a ser bancadas, majoritariamente, por verbas públicas. E elas vêm crescendo em ritmo acelerado. Neste ano, somarão R$ 6 bilhões, juntando o fundo eleitoral (R$ 5 bilhões) e o partidário (R$ 1 bilhão).

Cabe aos partidos decidir quem vai receber a verba e quando irá receber, respeitadas as cotas racial e de gênero. Eventuais descumprimentos são passíveis de punição na análise da prestação de contas de candidatos e partidos.

Um indicativo de que pode haver mais rigor contra eventuais desvios está no fato de que o TSE também fez prever expressamente em suas resoluções das eleições que uso de “candidaturas femininas fictícias” acarretará a cassação de diplomas ou mandatos de todos os candidatos da chapa partidária, “independentemente de prova de sua participação, ciência ou anuência.”

Punições desse tipo —a cassação de toda a chapa partidária— já vêm sendo aplicadas por tribunais do país, embora ainda não haja uniformidade nas decisões.

O tribunal também aprovou a adoção de uma linguagem inclusiva de gênero em suas resoluções. Em vez de se referir, por exemplo, a “candidatos”, os documentos usam agora a expressão “candidatas e candidatos”

As decisões tomadas pelo TSE na aprovação das resoluções da eleição de outubro somam-se a outra medida pró-cotas, essa adotada pelo Congresso no ano passado. Deputados e senadores aprovaram mudança na lei para estabelecer que o voto dado em mulheres e negros irá contar em dobro no cálculo de divisão das verbas públicas às legendas.

As políticas afirmativas no âmbito eleitoral visam a tentar corrigir um cenário em que mulheres e negros, embora sejam maioria na sociedade, são minorias na política, em especial nos cargos de maior relevância.

O Congresso chegou a ensaiar no ano passado a aprovação de cota de cadeiras no Legislativo para as mulheres —que se somaria à cota de candidaturas e de verbas de campanha—, mas a medida não prosperou.

O TSE aprovou em dezembro todas as resoluções relativas às eleições de outubro, em que serão escolhidos presidente da República, governadores, deputados federais, estaduais e um terço do Senado.

Entre as novidades desta eleição está a possibilidade de as siglas se unirem em federações. Diferentemente das coligações, que estão proibidas para a disputa de cargos proporcionais (deputados), as legendas que se unirem em federações têm que atuar de forma conjunta pelos quatro anos seguinte.

Alguns partidos negociam essa união, em especial siglas de esquerda. O objetivo é se fortalecer para a eleição para a Câmara dos Deputados, em que o total de votos dados a todos os candidatos da sigla ou da federação pesa na divisão das cadeiras.

Outro ponto observado nas resoluções do TSE é a tentativa de, após as experiências de 2018 e 2020, endurecer as regras contra fake news, embora ainda haja muita discrepância na análise de casos específicos pelos tribunais.

Há previsão de pena de prisão para quem divulgar notícias falsas com intuito eleitoral ou contra o sistema de votação. O disparo em massa de mensagens para pessoas que não se inscreveram para recebê-las está proibido.

Outra novidade diz respeito às candidaturas coletivas. Elas continuam sem previsão legal, mas a candidata ou candidato poderá fazer menção ao grupo no nome que usará na urna eletrônica.

Por fim, o TSE decidiu que em outubro o fuso horário para a votação será um só em todo o país, o de Brasília, das 8h às 17h. Com isso, os eleitores do Acre, por exemplo, terão que ir às urnas das 6h às 15h.

Isso irá acabar com a espera de duas horas para a divulgação dos primeiros números da apuração presidencial, que até então só começavam a sair às 19h, no horário de Brasília.

Folha de SP