De onde vem a impunidade de Bolsonaro?

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Foto: Paulo Lopes/AFP/Trip

As conclusões dos últimos inquéritos da Polícia Federal sobre os atos de Jair Bolsonaro deixaram a impressão de que ele conta com salvo-conduto para cometer a barbaridade que quiser sem ser incomodado.

A primeira investigação buscava saber se o presidente da República prevaricou — ou seja, deixou de cumprir seu dever como servidor público — ao não tomar providência sobre as denúncias dos irmãos Miranda, que o procuraram para relatar irregularidades na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.

A segunda apuração investigou Bolsonaro por usar sua live para vazar um inquérito sigiloso da própria PF sobre uma invasão de hackers ao sistema do TSE, em 2018. Além de violar o sigilo do inquérito e divulgar a íntegra em suas redes sociais, o presidente ainda sugeriu que o papelório comprovava fraudes nas urnas eletrônicas, o que nunca aconteceu.

Nos dois casos, os delegados concluíram que Bolsonaro fez mesmo tudo aquilo de que era acusado. Mas não propuseram nenhum tipo de punição.

William Tito, que passou seis meses apurando a denúncia de prevaricação, construiu uma argumentação tortuosa. Segundo ele, Bolsonaro não está sujeito ao artigo do Código Penal que define a prevaricação.

Isso porque, embora o texto diga que é dever de todo servidor público comunicar um malfeito sempre que tiver notícia dele, esse dever especificamente não está escrito no capítulo da Constituição sobre as obrigações do presidente da República.

Por essa lógica, Bolsonaro poderia testemunhar impassível uma série de crimes, uma vez que eles não estão listados nesse capítulo específico da Constituição. O que o presidente fez, segundo o delegado, “se aproximaria mais de uma ausência do cumprimento de um dever cívico, mas não de um desvio de um dever funcional”.

Denisse Ribeiro, que cuidou da apuração sobre a live, fez diferente: afirmou que houve crime, mas disse que não pedia o indiciamento do presidente porque uma parte do Supremo Tribunal Federal entende que a PF não pode indiciar por conta própria autoridades com foro privilegiado.

É verdade, mas também há outra parte que entende que pode. No último episódio do gênero, em 2018, a PF pediu o indiciamento de Michel Temer por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, no inquérito que apurava favorecimento a empresas do setor portuário. E o ministro Luís Roberto Barroso autorizou, dizendo que, por lei, qualquer pessoa pode ser indiciada — e ninguém, nem mesmo o presidente da República, deve ter privilégios.

Hoje no comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o mesmo Barroso atribuiu a Bolsonaro “a atitude deliberada de facilitar a exposição do processo eleitoral brasileiro a ataques de criminosos”. O indiciamento, porém, não veio — e talvez não venha nunca.

As duas investigações vão passar pelo crivo do protetor… ops, procurador-geral da República, Augusto Aras — ou seja, serão enterradas. Se o STF não se mexer, dificilmente haverá consequências.

Pode-se dizer que Jair Bolsonaro é um fenômeno. Tem um dos menores índices de popularidade da história da República, vive em conflito com o STF e pratica delitos em áudio e vídeo sem esconder nada de ninguém. Ainda assim, continua ileso, avançando firme em sua missão de avacalhar as instituições.

E não dá para atribuir a responsabilidade só à Polícia Federal, hoje uma sombra do que já foi, na apuração dos crimes cometidos por autoridades com foro privilegiado. Assim como não é possível culpar só Augusto Aras, apesar de sua participação decisiva na blindagem de Bolsonaro.

Com a CPI da Covid no retrovisor, ninguém parece mais muito empenhado em tirar o presidente de sua zona de conforto. Como ilustrou outro dia um ex-chefe da Polícia Federal: “se fosse na minha gestão, já haveria uma pilha de convocações para eu ir ao Congresso dar satisfação sobre esses inquéritos”.

Hoje, com exceção do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que pediu a convocação do ministro da Justiça e do diretor-geral da PF, a oposição anda calada, como se fosse conveniente manter Bolsonaro onde está: mal nas pesquisas, pagando por apoio com o orçamento secreto e o fundo eleitoral, até que a eleição o coloque automaticamente no passado.

A questão é que faltam oito meses para o pleito, e o roteirista do Brasil é caprichoso. Se a classe política não se ligar, periga Bolsonaro continuar onde está simplesmente porque esqueceram de fazer o básico: impor a ele os limites da lei. Talvez seja demais esperar que isso aconteça. Vai ver quem está certo é o delegado, e o dever cívico não vale mesmo muita coisa.

O Globo 

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