Encurralado, Bolsonaro troca apoio a Pútin por críticas

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Jair Bolsonaro tropeçou no limite para erros no jogo político que ensaiou com Vladimir Putin, na crise com os Estados Unidos e a Europa.

No espaço de 24 horas, depois da invasão da Ucrânia, o governo brasileiro mudou da explícita “solidariedade” para a crítica à Rússia no Conselho de Segurança da ONU.

“Uma linha vermelha foi cruzada: o uso de força contra a integridade do território de um país da ONU”, disse o embaixador brasileiro Ronaldo Costa Filho. Prosseguiu: “Nenhum líder, eleito ou não eleito, com direito a veto ou não [no conselho, como a Rússia], tem o direito de invadir outro país.”

A reconstituição do que aconteceu nos dez dias entre o apoio de Bolsonaro no Kremlin, às vésperas da invasão, e o voto de condenação na ONU, ontem em Nova York, vai ocupar por muito tempo pesquisadores da história da política externa.

Foi grande a pressão dos Estados Unidos e da União Europeia.

Não se conhece o teor da conversa telefônica, na quinta-feira, entre Anthony Blinken, secretário de estado americano, e Carlos França, chanceler brasileiro. Mas sabe-se que, a partir dela, Bolsonaro, mesmo relutante, recuou para a sincronia com a diplomacia profissional.

O arremate foi dado numa inusual reunião no Itamaraty, ontem, pedida coletivamente por representantes de países integrantes da Otan, a aliança militar atlântica. Na ambiguidade que costuma perfumar esses encontros, sugeriram um cenário de perdas com a “neutralidade” brasileira, ou seja, se mantido o apoio à guerra expansionista de Putin.

A pressão doméstica, também, foi relevante. Moldada de maneira desorganizada por parlamentares, oficiais militares e embaixadores, acabou convergindo para um consenso tradicional da política externa nacional — o da “linha vermelha”, resumido pelo embaixador Costa Filho no Conselho de Segurança.

O conceito é de óbvia racionalidade. Serviu para distinguir a razão de Estado dos planos de reeleição do presidente-candidato.

Foi resumido mais ou menos assim no Palácio do Planalto: a “solidariedade” à ação militar na Ucrânia legitima a ideia de invasão de qualquer país. Assim, é inadmissível para o Brasil — dono de 60% do despovoado território da bacia amazônica —, que atravessou o último século resolvendo seus conflitos de fronteira pela negociação diplomática ou arbitragem.

Bolsonaro cruzou a “linha vermelha”, e obrigado a recuar. A mudança de rumo — correção, prefere-se no Itamaraty — foi observada com cautela por diplomatas estrangeiros, profissionais treinados para jamais descartar aquilo que não sabem ou conhecem.

A incerteza tem nome: Bolsonaro. Além disso, lembrou um experiente parlamentar, Brasília é lugar para se desconfiar até de corda enrolada — pode ser cobra disfarçada.

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