Falta de confiança na economia pode trazer recessão neste ano
O pessimismo está de volta à economia brasileira. Após reação esboçada em meados do ano passado, na esteira do avanço da vacinação contra covid-19, a confiança de empresas e consumidores no futuro da economia voltou a diminuir. Para economistas ouvidos pelo UOL, isso coloca em xeque o investimento produtivo, o consumo de mercadorias e o próprio crescimento do PIB (Produto Interno Bruno).
Dados da FGV (Fundação Getulio Vargas) mostram que os índices de confiança de empresários e consumidores cederam nos últimos meses, depois de terem apresentado reação no ano passado.
O ICE (Índice de Confiança Empresarial), por exemplo, recuou de 101,6 pontos em julho do ano passado para 91,6 pontos em janeiro de 2022. Este indicador é uma espécie de síntese da visão dos empresários dos diferentes setores sobre a situação atual e o futuro da economia brasileira.
Quando está nos 100 pontos, o indicador fica em situação de equilíbrio. Abaixo disso, a mensagem em linhas gerais é de que os empresários estão insatisfeitos com a situação atual e pessimistas quanto ao futuro.
Esta avaliação negativa também é percebida nos índices de confiança específicos, que abarcam indústria, serviços, comércio e construção civil.
Entre os consumidores, o pessimismo é ainda maior. O ICC (Índice de Confiança do Consumidor), também da FGV, cedeu de 82,2 pontos em julho de 2021 para 74,1 pontos em janeiro deste ano.
Sem confiança não há investimento, nem consumo
Uma das consequências diretas da baixa confiança dos empresários é a redução dos investimentos. Sem ter a segurança de que o futuro será melhor, ele pisa no freio dos gastos.
Se o empresário acha que a economia não está muito bem, ele tende a investir menos, contratar menos, e isso acaba retroalimentando o pessimismo. A confiança baixa tem influência na redução do PIB
Aloisio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas do FGV Ibre
Do lado do consumidor, o pessimismo é ainda maior. O superintendente de Estatísticas Públicas do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Aloisio Campelo Jr., lembra que o consumidor brasileiro médio hoje está endividado, pressionado pela inflação e com medo do desemprego. Com a taxa de desemprego em 11,6% atualmente, o receio faz sentido.
“Ele não sabe se vai conseguir manter seu emprego”, afirma Campelo Jr. “As empresas, bem ou mal, conseguiram repassar para os preços parte da inflação. Mas as famílias sofreram e estão inseguras.”
Esta insegurança, refletida no ICC, acaba por reduzir o consumo.
Ministro da Fazenda durante o governo de José Sarney, no fim da década de 1980, o economista e sócio da consultoria Tendências, Maílson da Nóbrega, cita a deterioração das condições financeiras e a falta de confiança de que o Brasil está sendo conduzido para a prosperidade.
O aumento da taxa de juros reduz o apetite. Assim, as pessoas adiam a compra da casa própria, por exemplo, porque a prestação ficou incompatível. E o empresário vê sua empresa sufocada por um sistema financeiro caótico, uma taxa de juros caótica. Ele vai perdendo a confiança no futuro.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda
Para José Faria Júnior, sócio da consultoria Wagner Investimentos, o pessimismo entre empresários e consumidores está muito ligado ao avanço da Selic (a taxa básica de juros da economia).
Para conter a escalada da inflação, hoje acima de 10%, o Banco Central começou em março do ano passado a elevar a Selic. Desde então, a taxa passou de 2% ao ano para 10,75% ao ano. A expectativa do mercado financeiro, conforme o boletim Focus do BC, é de que o juro básico atinja 12,25% no fim deste ano.
Na prática, uma Selic mais alta encarece o custo das empresas e o acesso das famílias a financiamentos. Se antes a referência financeira era de 2%, agora o juro básico caminha para ficar cinco vezes maior. Uma das consequências é o pessimismo entre empresários e consumidores.
“De certa forma, os índices de confiança são reflexos da Selic mais alta e das dúvidas em relação à corrida presidencial”, avalia Faria Júnior. O consultor afirma ainda que é de se esperar um impacto negativo sobre o PIB.
Já começo a ficar mais pessimista em relação ao PIB. Isso porque o BC não está preocupado com a atividade econômica. Pelo contrário, parece disposto a elevar mais os juros, a colocá-lo em 12,25% para segurar a inflação.
José Faria Júnior, da consultoria Wagner Investimentos
No mercado financeiro, a projeção atual é de que o PIB fechará 2022 com alta de apenas 0,30%. Porém, há instituições que já calculam retração da economia este ano (PIB negativo).
O que deu errado na recuperação?
Além da Selic mais alta, fatores econômicos específicos acabaram por prejudicar a recuperação da confiança de empresas e famílias.
Na indústria, um dos problemas foi a quebra das cadeias globais de insumos. O ICI (Índice de Confiança da Indústria) da FGV chegou a atingir um pico de 108,4 pontos em julho do ano passado —patamar que indica otimismo dos empresários do setor. Depois, ele foi recuando até os 98,4 pontos de janeiro deste ano.
“A economia estava rodando mal no ano passado. Depois da segunda onda da covid, tivemos ainda vários meses difíceis”, afirma Campelo Jr., do FGV Ibre. “A indústria entrou nesta espiral de enfraquecimento por conta dos problemas nas cadeias de insumos, da inflação, da alta dos preços de commodities.”
Um dos exemplos é a produção de veículos. Em função da falta de semicondutores, a fabricação de alguns carros chegou a ser paralisada. Com menor oferta, os preços subiram. E a confiança dos empresários caiu. “Houve um esgotamento da fase em que o setor de bens puxava a expansão da economia”, resume Campelo Jr.
No caso do comércio e dos serviços, o surgimento da variante ômicron ajudou a frear a recuperação.
O ICS (Índice de Confiança de Serviços) da FGV traduz o movimento: após atingir 99,3 pontos em agosto do ano passado —nível de quase estabilidade— o indicador caiu para 91,2 pontos em janeiro de 2022. Como pano de fundo está o cancelamento do réveillon e do carnaval em diversas cidades brasileiras, um golpe para o turismo.
Para Campelo Jr., a tendência é de que, passado o efeito negativo da ômicron, a confiança na economia volte a subir. “Mas dificilmente volta para os níveis lá de trás, ainda mais que teremos eleições e Selic alta”, acrescenta.