Lei das fake news pode barrar táticas de Bolsonaro
Um projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados pode enquadrar o Telegram e o presidente Jair Bolsonaro, impedindo o chefe do Executivo de fazer uma de suas atividades preferidas nas redes sociais: bloquear a conta de usuários críticos ao seu governo. A prática é adotada pelos filhos de Bolsonaro e outras autoridades da administração federal, como o secretário Mário Frias, mas pode estar com os dias contados, dependendo do avanço das discussões do PL das Fake News. A aprovação da proposta é defendida por ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas sofre resistência de parlamentares bolsonaristas.
De relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o texto disciplina as contas de redes sociais utilizadas por órgãos da administração pública – e também dos agentes públicos que as comandam, como é o caso do presidente da República. De acordo com o projeto, os titulares dessas contas “sujeitam-se aos princípios que regem a administração pública, e não poderão restringir a visualização de suas publicações por outras contas e têm suas informações sujeitas às garantias de acesso à informação”. Silva diz que não gosta de fulanizar o debate, mas os dispositivos atingem diretamente a rotina do de Jair Bolsonaro.
“Nós prevemos no texto que o titular de uma conta de interesse público não pode, por exemplo, bloquear um jornalista, porque o jornalista é crítico à conduta dele. Não é um projeto de lei contra o Bolsonaro”, afirma Silva a VEJA. “Uma autoridade, da dimensão do presidente da República, seja dos Estados Unidos, seja do Brasil, a minha tese é que eles devem ser responsabilizados por aquilo que escrevem. O certo é você dar aqui uma camada até adicional de proteção para essas figuras públicas, que que o que eles falam é de interesse público, mas eles têm de ter uma responsabilização proporcional à liberdade que eles possuem.”
O projeto de lei vai na contramão da posição adotada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que já defendeu o direito de o presidente bloquear seguidores nas redes sociais. A controvérsia aguarda até hoje uma definição do Supremo Tribunal Federal (STF). “Apesar de a conta pessoal do presidente da República veicular informações de interesse social, as publicações efetuadas na rede social não geram direitos ou obrigações para a administração pública, tampouco podem ser enquadradas como atos administrativos”, justificou Aras. O caso foi herdado pelo ministro André Mendonça, indicado à Corte por Bolsonaro.
Já o Telegram, presente em 53% dos smartphones em funcionamento no País, se tornou o porto seguro da militância bolsonarista, após Facebook, Instagram e Twitter enquadrarem o chefe do Executivo e seus aliados nas redes, removendo postagens e lives. O texto de Orlando Silva obriga que empresas de tecnologia com mais de 10 milhões de usuários tenham representação no Brasil, o que facilitaria a notificação de decisões judiciais, por exemplo.
Até hoje o TSE não conseguiu notificar a plataforma de um ofício assinado pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, A empresa russa também ficou de fora das parcerias firmadas entre o tribunal e empresas de tecnologia para combater fake news. “A censura nunca é bem vinda num sistema democrático”, diz Karina Kufa, advogada do presidente da República, ao defender o funcionamento do Telegram.
O projeto também proíbe que um juiz de primeira instância suspenda com uma canetada o funcionamento de uma plataforma, o que só seria permitido a partir de decisões colegiadas em tribunais. O objetivo é impedir o que ocorreu em maio de 2016, quando um juiz do Sergipe mandou bloquear o funcionamento do WhatsApp por 72 horas em todo o território nacional.