Lula e França vão se encontrar para azeitar federação
Em meio aos desentendimentos entre PT e PSB para a formação de uma federação, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá ter um encontro com o ex-governador Márcio França (PSB) na tentativa de resolver um dos principais entraves na negociação entre os partidos: a eleição de São Paulo.
O PT está decidido a lançar o ex-prefeito Fernando Haddad (SP) na disputa pelo governo paulista. Já França não abre mão de se candidatar ao Palácio dos Bandeirantes pelo PSB.
Sem resolver essa questão, tanto petistas como integrantes do PSB avaliam que a federação, que prevê a união formal dos partidos ao longo de quatro anos, tende a não sair do papel.
Além desse, há outros imbróglios que travam o acordo entre as siglas, que também conversam com PV e PC do B para formar a união de partidos.
Entre eles, estão a disputa aos governos do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo, preocupações sobre o cenário nas eleições municipais em 2024 e divergências a respeito da composição do órgão que comandará a federação.
Irritado com os rumos das negociações, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, chegou a afirmar a aliados na semana passada que, se o PT não ceder em algumas demandas, são difíceis as chances de a união ser concretizada.
Lula, por sua vez, tem dito a pessoas próximas querer muito a federação e ainda haver a possibilidade de ela ser realizada.
A expectativa de aliados do petista é que o ex-presidente tenha uma reunião com França quando retornar do Rio de Janeiro. Lula viaja neste fim de semana para a capital fluminense para uma série de agendas e tem a volta para São Paulo prevista para o meio da semana.
Além disso, uma nova rodada de conversas entre PT, PSB, PV e PC do B ocorrerá durante a semana.
Depois de as desavenças se tornarem públicas com troca de farpas em entrevistas à Folha, tanto PT quanto PSB decidiram empurrar a questão da federação para a frente —o STF (Supremo Tribunal Federal) deu prazo até 31 de maio para a formalização das alianças.
O PT estabeleceu que só baterá martelo a respeito da federação depois da janela partidária, que se encerra em 1º de abril. No PSB, porém, a expectativa é que antes do período aberto para trocas de siglas já exista um sinal claro se haverá ou não a união.
A pressão pela definição do cenário parte principalmente da bancada do PSB no Congresso, que quer uma resolução antes do fim da janela para que deputados possam se movimentar caso necessário. Cerca de dez deputados estariam inclinados a deixar o partido se a federação não for concretizada.
Além de eventualmente brecar saídas, a definição a respeito da união com o PT também pode facilitar migrações ao PSB. Isso porque o instrumento seria importante para possibilitar a criação de chapas em estados onde há dificuldades para a sigla.
Na prática, a federação pode facilitar a eleição de quadros a cargos proporcionais, como é o caso dos deputados federais.
Majoritariamente a favor da aliança, a bancada do partido fez sugestões que foram levadas à mesa de discussões com as demais legendas. As demandas são no sentido de garantir mais autonomia e identidade ao partido.
Por exemplo, o PSB defende que todas as decisões sejam tomadas por ao menos 4/5 dos membros do órgão diretor da federação, que terá 50 integrantes.
A proposta de composição atual foi feita com base no tamanho das bancadas dos partidos no Congresso e prevê que 27 membros da assembleia sejam do PT, 15 do PSB, 4 do PV e 4 do PC do B.
O PSB tenta mudar essa composição para ter mais membros e sugeriu que os partidos levem em conta a quantidade de prefeitos de cada sigla —critério em que os pessebistas se saem melhor—, mas a proposta deve ser rejeitada.
Segundo o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), líder da bancada na Câmara, há a preocupação que exista um equilíbrio entre as forças das legendas que irão compor a aliança.
“A federação é uma coisa nova, nunca existiu antes, é natural que a gente discuta as propostas. Haverá algumas que concordamos e outras que não. Estamos na expectativa de que haja um entendimento entre os partidos. Há um desejo enorme na bancada de que a federação seja viabilizada”, diz o deputado.
Apesar das divergências, políticos de ambas as siglas manifestam que o tempo pode ajudar a diluir os entraves ao acerto. De acordo com Márcio França, o foco no momento deve ser o esforço de união pela democracia –ou seja, a construção do apoio de um leque de partidos a Lula.
“O mais importante é a construção de uma frente pela democracia. O que falamos e estamos reafirmando é que queremos caminhar juntos e vamos tentar caminhar juntos”, diz o ex-governador à Folha.
Entre petistas próximos a Haddad, por outro lado, a avaliação é a de que a federação pode ter sido inviabilizada de vez pelo jogo duro de Siqueira e França na negociação.
As pontes entre Haddad e França estão desgastadas –o ex-governador não participou de jantar com Lula e Geraldo Alckmin na casa do petista na semana passada.
Os atritos na relação podem, inclusive, atrapalhar a formação de uma chapa conjunta em São Paulo, em que um ou outro possivelmente teria que ocupar a vaga para concorrer ao Senado.
A equipe de Haddad e o entorno de França já admitem um cenário em que ambos concorram –o primeiro com apoio de Lula e Alckmin, e o segundo com apoio de Alckmin.
A análise entre petistas é que a candidatura de França em SP poderia beneficiar o nome de Haddad, uma vez que o pessebista disputaria votos do centro, atrapalhando Rodrigo Garcia (PSDB), escolhido pelo governador João Doria (PSDB) para a sucessão no estado.
Como informou a coluna Mônica Bergamo, pesquisas internas do PT mostram que, quando França sai da disputa, seus votos vão em grande parte para o vice-governador. Com isso, Haddad correria pela esquerda e teria maiores chances de chegar ao segundo turno.
Aliados do ex-prefeito acreditam que a disputa no estado irá refletir o cenário nacional, com um possível embate em segundo turno com o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), que conta com apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na semana passada, o diretório estadual do PT em SP divulgou dois documentos: um de apoio à federação e outro com endosso à candidatura de Haddad.
Além de ressaltar que a federação é uma importante ferramenta para a eleição de Lula, o diretório afirmou que ela também assegura a governabilidade e pregou a necessidade de que esse processo esteja ligado ao “respeito à expressão de cada partido no cenário nacional e sua capilaridade política”.
O presidente estadual da sigla, Luiz Marinho, defende a federação, mas afirma que o PSB “precisa definir se quer estar nela ou não”.
“E a gente [vai] construir com as possibilidades que estão colocadas à mesa. Acredito sinceramente que é possível. Tem tempo hábil para as coisas se afunilarem e estarmos juntos nessa empreitada”, diz Marinho, ressaltando que não fala em nome da direção nacional do PT.
Interlocutores de Haddad e de França afirmam que ambos têm esperança na unidade e que mantêm a disposição de encontrar uma solução para a aliança. Mesmo que a federação não prospere, a coligação ou ao menos o apoio do PSB a Lula já estariam garantidos.
França defende usar o resultado de pesquisas como critério para determinar o candidato ao Palácio dos Bandeirantes. Ele diz que a direção do PT concordou em usar pesquisas, apesar de o próprio presidente do PSB ser um crítico a esse método.
O que faltaria acertar é justamente qual pesquisa, em qual mês e baseada em qual pergunta, já que França chega a empatar com o petista dependendo da formulação.
O ex-governador aposta que herdará a maior parcela de votos de Alckmin. Já aliados de Haddad avaliam que França joga sem ter cartas —está em segundo nas pesquisas, foi alvo de uma operação policial e não tem o apoio integral do seu partido, pois líderes do PSB do Nordeste pressionam pela federação.
Até pela leitura de que a candidatura de França não é um interesse pelo qual valha o PSB desistir da federação, alguns petistas apostam que as resistências serão quebradas com o tempo e a aliança de quatro anos deve se concretizar.
Folha de SP