Tragédias climáticas são cada vez piores

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Foto: Caio Gomez

Todo repórter passa por várias editorias bem antes de chegar àquela na qual se encontra profissionalmente, o que é o objetivo de qualquer jornalista. A melhor escola de reportagem de uma redação, porém, é a editoria de Cidade, que cuida do dia a dia dos seus leitores.

Em 1975, após passar pelos jornais O Dia, A Notícia, Última Hora, O Fluminense e A Tribuna, de Niterói, fui trabalhar no Diário de Petrópolis, cujo dono, José Antonio Dias Carneiro, delegara a tarefa de dirigir o jornal ao seu filho, Paulo Antônio Carneiro, então um jovem idealista, alguns anos apenas mais velho do que eu. Fui contratado para fazer reportagens especiais sobre a Cidade Imperial e a Região Serrana do Rio de Janeiro, que estava em pleno processo de fusão. Os jornais diários do interior fluminense lutavam para não desaparecer, diante da força dos concorrentes da antiga Guanabara.

Nessa época, morava em Niterói e estudava Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense (UFF), o que me obrigava a pegar o primeiro ônibus do dia que ligava as duas cidades, para chegar bem cedo à redação e voltar no final da tarde, a tempo de assistir as aulas. Certa vez, o ônibus em que viajava foi assaltado por um bandido armado. Acabou cercado na antiga barreira de fiscalização que havia próximo ao Hotel Quitandinha. Depois de longa e tensa negociação, o assaltante se rendeu. Naquele dia, voltei para a redação para contar a história como testemunha ocular e dormi na Cidade Imperial.

Choveu muito naquela noite. Na manhã seguinte, a notícia havia chegado à redação primeiro do que eu: um leitor telefonou para o jornal e avisou que uma família havia sido soterrada num deslizamento de encosta. Morreram o casal e quatro crianças. Ao fazer a cobertura da tragédia, observei que a casa onde eles moravam fora construída em condições completamente irregulares, a começar pelo loteamento do terreno, um dos primeiros nas encostas íngremes da cidade.

Após o funeral das vítimas, sugeri ao então editor-chefe do jornal a publicação de uma série de reportagens sobre a especulação imobiliária e a ocupação irregular das encostas de Petrópolis. O jornalista Diógenes Dagoberto Costa, meu chefe, era um ex-sargento da Aeronáutica, expulso da caserna após o golpe militar de 1964, por suspeitas de ligações com o antigo PCB. Pautou 10 reportagens.

A 68km do Rio de Janeiro, Petrópolis localiza-se no topo da Serra da Estrela, no conjunto montanhoso da Serra dos Órgãos, com verões úmidos e quentes e invernos secos e relativamente frios, que podem chegar a 2° centígrados. As montanhas concentram a massa de ar quente e úmido, que sobe a 2 mil metros de altitude. O contato com o ar frio dessas altitudes provoca chuvas catastróficas.

Somente após a descoberta de ouro e diamante na região de Minas Gerais, a cidade passou a ser ocupada pelos portugueses. Em 1822, D. Pedro I se encantou com a região e comprou a Fazenda do Córrego Seco, com propósito de construir um palácio.

Em 1843, Dom Pedro II decidiu criar um povoado para assentar os primeiros imigrantes alemães e construir o palácio idealizado por seu pai, que ficou pronto quatro anos depois.

Petrópolis nasce projetada pelo major Júlio Frederico Koeler, com um núcleo urbano belíssimo, com ares europeus, bem de acordo com a vontade de um imperador descendente da Casa dos Habsburgo. Dom Pedro II passou 40 verões em Petrópolis, temporadas que, às vezes, duravam cinco meses.

Em 1861, a cidade foi servida pela primeira rodovia macadamizada do Brasil, a Estrada União e Indústria, que ligava o Rio a Juiz de Fora (MG). A Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará (Leopoldina) chegou à cidade em 1883, por iniciativa do Barão de Mauá. Todos os presidentes, de Floriano a Costa e Silva, frequentaram Petrópolis.

A série de reportagens sobre a ocupação das encostas denunciou a especulação imobiliária, a grilagem de terras, a exploração da população mais miserável da cidade. Com ampla repercussão, aumentou o prestígio e a circulação do jornal, mas provocou forte reação do mercado imobiliário e da extrema-direita local, que acusava Paulo Antônio e Diógenes de serem comunistas.

Àquela época, oficiais do antigo Batalhão de Caçadores do Exército monitoravam o Diário. O resultado foi o enquadramento dos dois na Lei de Segurança Nacional (LSN) e a adoção de censura prévia no jornal. O que não sabíamos é que a “Casa Morte”, um aparelho do DOI-Codi do Exército utilizado para torturar e assassinar oposicionistas, estava localizada no município.

Desde então, as tragédias se repetem em Petrópolis, aumentando de escala. O contraste entre o notável conjunto arquitetônico do seu centro histórico e os loteamentos nas encostas tomadas por construções em áreas de risco é gritante. Os “arquitetos” da periferia, ao longo de quase 50 anos, saíram da taipa para a alvenaria, não têm uma cultura de construção civil tecida ao longo dos séculos, como os antigos mestres de obras e artífices europeus que, com trabalho escravo, construíram o centro histórico.

Além disso, as mudanças climáticas provocam eventos mais extremos, com chuvas cada vez mais catastróficas para as encostas da cidade. É uma situação muito mais grave do que a das favelas do Rio de Janeiro, onde há muita contenção de encostas. O saldo parcial de 117 mortos e 116 desaparecidos mostra isso.

Correio Braziliense  

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