Brasil volta a ter surtos de doenças evitáveis com vacinas

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Foto: Aline Massuca/Metrópoles

Retrocesso. Essa é a palavra utilizada por especialistas para definir a situação das coberturas vacinais contra uma série de doenças no Brasil e no mundo. Dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) apontam que, em 2021, o Brasil liderou a lista de casos positivos de doenças evitáveis por vacinas nas Américas.

Além disso, o país foi um dos únicos no ranking de casos positivos dessas doenças em 2021, ao lado apenas dos Estados Unidos e da Guiana Francesa, segundo os dados disponíveis até março deste ano. De acordo com a Opas, todos os casos de doenças evitáveis por vacinas registrados no Brasil em 2021 foram de sarampo: 668 registros.

O ranking mostra 49 ocorrências de sarampo nos Estados Unidos. O terceiro lugar da lista é ocupado pela Guiana Francesa, com cinco registros da mesma doença em 2021.

Além do sarampo, entre as enfermidades preveníveis por imunizantes, estão poliomielite, meningite meningocócica, rubéola e a febre amarela.

Os casos de sarampo geram imensa preocupação no Brasil. O governo federal divulgou, nesta semana, as datas da Campanha Nacional de Seguimento da Vacinação contra o Sarampo. A ação ocorrerá simultaneamente com a vacinação contra a gripe, entre 4 de abril e 3 de junho, com público-alvo formado por crianças e profissionais de saúde.

Segundo dados do Ministério da Saúde, desde 2018, o Brasil registrou 39,3 mil casos de sarampo. A doença havia sido eliminada do território nacional em 2016. No entanto, devido a baixas coberturas vacinais e à entrada de não vacinados no país, os índices voltaram a subir e, dois anos depois, o vírus foi reintroduzido no país.

Entre 2018 e 2021, a cobertura vacinal da vacina Tríplice Viral (Sarampo, Caxumba e Rubéola) sofreu queda significativa, especialmente na aplicação da segunda dose. A cobertura da D1 passou de 92,6% em 2018 para 71,4% em 2021. Os números da D2 mostram redução de 76,8%, em 2018, para 50%, em 2021.

Ao Metrópoles, Lely Guzmán, assessora em Imunização da Opas e da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que, atualmente, o Brasil é o único país endêmico para sarampo em toda a região das Américas.

“Enquanto houver população suscetível e não vacinada, sempre haverá risco para todos os países. O sarampo foi eliminado da região das Américas em 2016, mas não de outras regiões do mundo, como a Europa. Devido a isso, sempre houve o risco de casos importados da doença de outras regiões para as Américas”, explica a especialista.

A assessora da OMS pontua que a região das Américas tem um dos níveis mais altos de cobertura vacinal no mundo. No entanto, nos últimos anos, as taxas têm sofrido quedas — o que se agravou após o início da pandemia de Covid-19.

“A vacina tríplice bacteriana – contra difteria, tétano e coqueluche –, por exemplo, caiu significativamente em 2020, resultando em 22,7 milhões de crianças vulneráveis a essas doenças. E esse declínio foi exacerbado pela pandemia de Covid”, explica a especialista da Opas.

Assim como a assessora internacional, a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabela Ballalai, também chama atenção para casos de doenças como a difteria e a poliomielite.

Ballalai também é uma das coordenadoras do programa Confianza en Las Vacunas Latinoamerica (ConfíaLa), parceria realizada entre a SBIm e a Sociedade Argentina de Vacinologia e Epidemiologia. As organizações criaram um grupo de trabalho internacional, com representantes de 14 países da América Latina, para incentivar a confiança nas vacinas e trocar conhecimento sobre o tema.

“A gente teve casos recentes de difteria no Peru e na Venezuela. Não é uma doença tão facilmente transmissível quanto o sarampo, mas já foi uma doença bastante comum nas Américas e matou muitas crianças. Também temos a situação da pólio. Hoje, são 28 países em situação de surto de pólio, todo mundo com coberturas baixas. Sem dúvida nenhuma é um risco para o retorno dessa doença”, ressalta a doutora.

Ela alerta que é importante reverter o cenário para evitar tragédias. “A gente pode ter um retrocesso muito grande. Vai ter um impacto na saúde da nossa população, principalmente para as crianças. Não é só a pólio ou o sarampo. Essas duas são símbolos de duas doenças eliminadas. Temos outras doenças infecciosas que não foram eliminadas, mas, graças à vacinação, tiveram uma redução de mais de 70% nos casos, como a meningite. Sem vacinação adequada, a gente pode voltar a ter surtos”, conclui.

Segundo Ballalai, pesquisas apontam que, na América Latina, os fatores que mais contribuem para a adesão às vacinas são a confiança nas autoridades públicas, a percepção de risco das doenças, e a confiança nos profissionais de saúde.

“No Brasil, quando tivemos o surto de febre amarela, 40% da população estava vacinada. Com o aumento dos casos, toda a população foi buscar vacina com medo do surto. A gente viu isso na epidemia de influenza, que começou a sair na TV, nos jornais. A população percebe o risco e a gente tem 100% de cobertura”, explica.

Para a especialista, é preciso que as campanhas de comunicação do governo melhorem a memória da população sobre o risco das doenças. “Não dá só pra chamar pra vacinar, é preciso explicar o motivo de se vacinar”, pontua a vice-presidente da SBIm.

A assessora da Opas Lely Guzmán ressalta que o papel não é somente das autoridades federais, mas de todos. Segundo a especialista, a Opas e a OMS atuam na realização de treinamentos, análises de situação de saúde e na troca de experiências entre países, além de auxiliar na aquisição de vacinas e outros insumos de saúde.

“As famílias, as comunidades, têm responsabilidade de tomar a vacina e levar seus entes queridos para se vacinar também. Os meios de comunicação têm um papel fundamental de informar que as vacinas estão disponíveis, que elas funcionam e que elas são seguras. Nós, dos organismos internacionais, temos o papel de cooperar tecnicamente com os países para garantir a vacinação e fortalecimento de capacidades, com treinamentos, com insumos de saúde como vacinas e seringas, com evidências, com apoio técnico ao desenvolvimento de estratégias”, conclui.

O que diz o Ministério da Saúde:

Questionado pelo Metrópoles sobre a realização de campanhas de vacinação, o Ministério da Saúde informou:

O Ministério da Saúde monitora atentamente as coberturas vacinais e tem trabalhado para intensificar as estratégias necessárias para reverter o cenário de baixas coberturas. Nos últimos três anos, além de campanhas de vacinação contra influenza, poliomielite, sarampo, entre outras, a pasta tem promovido as campanhas de multivacinação para a atualização da carteira de vacinação da população. Em 2021, mais de 23,1 milhões de doses foram aplicadas durante a campanha. Mais de 6,7 milhões de pessoas entre o público-alvo atualizaram a caderneta de vacinação.

A pasta mantém diálogo constante com a Organização Pan-Americana de Saúde para traçar estratégias de alcance das metas de coberturas vacinais, especialmente entre os países que fazem fronteira com o Brasil, com o intuito de fortalecer os programas de imunizações, além de intensificar as ações de vigilância.

A pasta também tem reforçado, junto aos estados e municípios, a importância da manutenção das ações de vacinação de rotina, mesmo durante a pandemia da Covid-19. A Campanha Nacional de Multivacinação para atualização da caderneta de vacinação da criança e do adolescente deste ano está prevista para o mês de setembro.

Metrópoles