Receita promoveu devassa interna por Flavio Bolsonaro

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Partiu do atual subsecretário de Gestão Corporativa da Receita Federal, Juliano Neves, a solicitação para a devassa feita nos sistemas do órgão para identificar investigações em dados fiscais de todo o entorno do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo documento da Receita, Neves pediu ao Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) uma apuração especial sobre os acessos a dados fiscais de nove pessoas: além de Jair Bolsonaro, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres e da primeira-dama, Michelle, de Fabrício Queiroz e de Fernanda Bolsonaro, mulher do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Flávio Bolsonaro durante evento no Palácio do Planalto – Adriano Machado-2.fev.22/Reuters
A pesquisa foi muito mais ampla do que apontado meses atrás como um movimento apenas da defesa de Flávio contra a investigação da “rachadinha” tocada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Atingiu, na verdade, todo o entorno familiar do presidente, incluindo suas duas ex-mulheres com quem dividiu seu patrimônio e que não eram alvos da investigação contra o senador. O rastreamento abrangeu 22 sistemas de dados da Receita no período de janeiro de 2015 a setembro de 2020.

O levantamento identifica os “logs”, como são chamados os arquivos sobre as consultas aos sistemas do Fisco. Eles indicam a data e o nome do auditor responsável pela consulta aos dados fiscais dos contribuintes.

Caso não haja justificativa para a atuação, o servidor pode ser punido pelo acesso imotivado. O resultado da apuração especial, porém, também permite identificar investigações legais ainda em sigilo contra o dono do CPF analisado.

Procurada, a Receita não comentou a amplitude do levantamento. Disse apenas que instaurou procedimento para analisar denúncia publicada na imprensa sobre uma organização criminosa instalada na instituição, sem que as informações tenham se confirmado.

A ação do governo começou após a defesa de Flávio alegar que teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Coaf (órgão federal de inteligência financeira), o que deu origem ao caso das “rachadinhas”.

A Folha mostrou que a Receita mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apurar o caso. A conclusão do grupo foi de que não havia evidências de que as acusações do filho do presidente fossem reais.

Documento do Serpro, revelado pela Folha ​em junho do ano passado, e da própria Receita mostram, porém, que a pesquisa do Fisco foi mais ampla do que a necessária para apurar as denúncias de Flávio. Os novos papéis obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação mostram a origem do levantamento.

O nome de Neves aparece num email dele enviado ao então corregedor da Receita, José Barros. Nele, o subsecretário encaminha o resultado da apuração especial feita pelo Serpro.

“Barros, segue o resultado daquela apuração especial sigilosa que eu fiz junto com a outra que já estava aqui”, escreveu Neves.

À época, Neves chefiava a Coordenadoria-Geral de Tecnologia e Segurança da Informação (Cotec). Após as mudanças na Receita feitas sob pressão de Flávio, ele foi promovido a subsecretário de Gestão Corporativa.

Ao receber os dados, Barros encaminha a dois auditores que fizeram parte do grupo escalado para analisar as queixas do senador.

“Prezados, seguem as apurações especiais mais recentes a respeito dos acessos aos dados do PR [presidente da República] e familiares”, escreveu o então corregedor, atualmente lotado no Ministério da Economia.

Os documentos não descrevem a razão da apuração especial atingir o presidente e todo seu círculo próximo, já que as denúncias do senador se referiam a supostos acessos indevidos apenas a seus dados fiscais.

Os documentos da Receita mostram que o grupo responsável por apurar as denúncias de Flávio identificou o excesso de informação levantada. Em resposta ao então corregedor, o coordenador do Grupo Nacional de Investigação da Receita, Luciano Almeida Carinhanha, afirma que os dados “foram analisados, em parte”.

Segundo o documento do Serpro, a demanda da Cotec foi feita no dia 28 de agosto de 2020, três dias após as advogadas terem relatado suas suspeitas ao presidente e ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), e dois dias depois de elas terem se encontrado com o então secretário da Receita, José Barros Tostes Neto.

O ofício afirma que o resultado do pedido “foi separado em dois lotes”. O primeiro restringe a apuração a Flávio, Fernanda e Queiroz, e o segundo aos demais alvos.

A solicitação é feita ao Serpro porque a estatal é a responsável pela guarda das informações dos sistemas da Receita Federal. A pesquisa custou R$ 490,5 mil ao governo, segundo informou o Fisco à reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação.

RECEITA DIZ QUE SERVIDORES ATUARAM DE FORMA IMPARCIAL

Em nota, a Receita não explicou a razão da amplitude dos levantamentos. Também não respondeu se Neves atendia a alguma ordem superior ao solicitar a apuração especial nos moldes em que foi feita.

O Fisco disse apenas que a Corregedoria do órgão investigou denúncia publicada na imprensa, “que relatava suposta existência de uma organização criminosa instalada na instituição”.

“Assim, os servidores da Corregedoria da RFB responsáveis pelas análises preliminares de denúncias iniciaram o procedimento para apurar a veracidade do que constava na reportagem. Com total imparcialidade, os cinco servidores conduziram o procedimento, sem dedicação exclusiva, ou seja, simultaneamente a outras atividades e tarefas de sua jornada laboral na Corregedoria da Receita Federal”, diz a nota.

“O relatório desta comissão concluiu que não foi possível constatar nenhuma das alegações contidas na notícia divulgada pela imprensa. Esse relatório foi acatado pela autoridade instauradora que determinou o seu arquivamento.”

Folha de SP