General rompido com Bolsonaro critica torturas do regime militar

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Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

Primeiro ministro da Secretaria de Governo, hoje rompido com o bolsonarismo, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz não briga com os fatos revelados pelos áudios do Superior Tribunal Militar que revelam o reconhecimento dos ministros daquela Corte sobre torturas praticadas em dependências militares durante a ditadura – “É claro que a tortura de um preso custodiado em mãos do Estado está errada. Havia agentes do Estado mal preparados. Os fatos devem ser conhecidos para que não sejam repetidos. Não há como brigar com os fatos.”

Num dos trechos dos áudios, o general Rodrigo Otávio, ministro do STM, após relatar o aborto de Nádia Lúcia do Nascimento depois de tortura, diz que as Forças Armadas “concorrem apenas na prática desumana, ilegal em denegrir a revolução retratando a sua configuração jurídica do Estado de Direito e abalando a confiança nacional pelo crime de terror e insegurança criados na consecução dos objetivos revolucionários”.

O mesmo general, em outro áudio, confessa agir como um revolucionário e não como um juiz de um tribunal ao votar pela condenação do deputado Márcio Moreira Alves – “de mandato inviolável pela Constituição de 1967” – por suas críticas à ditadura. A tortura, porém, extrapolou seu “espírito revolucionário”.

Santos Cruz, que está filiado ao Podemos, e, com a saída de Sergio Moro do partido, pode vir a ser lançado à Presidência da República (“estou à disposição do partido”), tinha 12 anos no golpe militar de 1964. Compartilha da percepção corrente no meios militares de que o embate teve violência de ambas as partes, recusa-se a hierarquizar a gravidade daquela praticada pelo Estado e a contextualiza no ambiente da guerra fria.

Chega a dizer até que o maior erro das notas celebratórias do 31 de março emitidas pelas Forças Armadas é o fato de assumirem, como militar, um golpe que também foi civil, de políticos que incitaram os militares a tomar o poder.

Não tem dúvida, porém, do objetivo que está por trás do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com a zombaria da tortura sofrida por Míriam Leitão que levou a jornalista a divulgar os áudios. O material havia sido obtido pelo historiador Carlos Fico por determinação do Supremo Tribunal Federal depois que STM negou-lhe o pedido pela Lei de Acesso à Informação.

“Houve uma manifestação completamente descabida por parte do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a jornalista. A troco de que ele fez essa provocação infantil e maldosa? De usá-la politicamente para alimentar um público que gosta desse show. É lastimável esse tipo de exploração”, diz Santos Cruz.

O ex-ministro não acredita que o presidente Jair Bolsonaro tenha êxito em suscitar temor de revanchismo nas Forças Armadas. Seu medo é de que a discussão seja usada para fomentar a indústria das notícias falsas e para encobrir os problemas que o Brasil, de fato, precisa discutir: “Estamos na seara da desinformação, que não teve tortura e que a urna eletrônica não presta. A população tem que ser protegida dessa guerra da desinformação para não reproduzir no Brasil fatos como a invasão do Capitólio.”

Para o ex-ministro, além de alimentar a desinformação, Bolsonaro e sua família querem desviar o eleitor dos assuntos que realmente deveriam ser discutidos no Brasil: “Estamos com 20 milhões passando fome, falta de transparência na distribuição de recursos orçamentários, graves restrições fiscais e agora vamos ficar mobilizados por este embate em torno de fatos que aconteceram 50 anos atrás?”

O general Santos Cruz diz desconhecer a troca de informações entre o centro de defesa cibernética do Exército e o Tribunal Superior Eleitoral. As perguntas formuladas pelo centro, que participa do grupo de trabalho que supervisiona a segurança das eleições, foram respondidas pelo TSE. Houve uma tréplica que o Exército se recusa a divulgar.

“O responsável pela segurança das eleições é o TSE. Além da urna, tem a transmissão de dados. Se o Exército ainda tem dúvidas deve dar o máximo de transparência. Não dá para alimentar aqueles que estão mal intencionados. O sistema sempre pode ser aperfeiçoado, mas este que está aí já elegeu integrantes da família do presidente 19 vezes. E ninguém fraudou as urnas para elegê-los”, conclui Santos Cruz.

Valor Econômico