Justiça impede indenização à família de Carlos Lamarca

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Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO

A história do capitão do Exército Carlos Lamarca, metralhado há 50 anos no sertão da Bahia por agentes da ditadura militar, teve mais um capítulo de embate. Por 3 votos a 2, a Justiça decidiu nesta quinta-feira, 28, manter suspenso o pagamento de indenizações e reparações financeiras à família do guerrilheiro.

A decisão representa uma vitória dos clubes Naval, de Aeronáutica e do Exército, que brigam na Justiça contra os pagamentos. Os clubes são autores de uma das ações que questionaram os direitos desde que eles foram reconhecidos pela Comissão de Anistia, em 2007.

Para os clubes, Lamarca foi um desertor que furtou armamentos de um quartel em Osasco (SP) não por perseguição política, mas por crimes militares. Em 2015, o juiz Guilherme Corrêa Araújo, da 21ª Vara Federal do Rio de Janeiro, anulou a decisão da Comissão de Anistia, e as indenizações foram suspensas.

A morte de Carlos Lamarca por tropas do Exército completou 50 anos no dia 17 de setembro. Como mostrou o Estadão, a trajetória do guerrilheiro desperta incômodo na caserna e as Forças Armadas nunca aceitaram a anistia.

Lamarca é um dos adversários da ditadura mais lembrados pelo presidente Jair Bolsonaro, para quem a figura histórica não passa de um terrorista. Como deputado, ele dedicou entrevistas e discursos contra o ex-militar. Na disputa à Presidência em 2018, apresentou a versão de que, na adolescência, embrenhou-se nas matas de Eldorado Paulista, região do Vale do Ribeira, onde cresceu, na caçada a Lamarca – a versão não é considerada crível por pesquisadores. “Eu participei da luta armada no Vale do Ribeira, na caça do Lamarca”, disse o então candidato à Presidência no programa Roda Viva, em julho de 2018. No ano em que Lamarca e outros guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária estiveram em Eldorado, Bolsonaro tinha 15 anos.

A história é desmentida por um dos companheiros de Lamarca na luta armada: o capitão da reserva Darcy Rodrigues.

“Num desses choques (tiroteios), sei porque eu estava lá, esse cidadão (Bolsonaro) estava num barzinho perto da entrada de Eldorado (antiga Xiririca da Serra). Houve o combate e ele fugiu. Era final de abril de 1970”, afirma Darcy Rodrigues.

O caso chegou à 7ª turma especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que concluiu o julgamento nesta quinta. Votaram pela manutenção da suspensão os desembargadores Flávio Lucas, Luiz Paulo Araújo e Marcelo Pereira. Contra, as desembargadoras Marcella Brandão e Letícia Mello.

Além de suspender os direitos, a sentença também determina a devolução de valores recebidos. A defesa da família Lamarca pretende pedir esclarecimentos à decisão do colegiado em um recurso que será apresentado após a publicação do acórdão. “Há uma falha na decisão. Não houve observância do que foi decidido antes e da própria legislação”, afirmou André Viz, um dos advogados da família. “A condição de anistiado político já foi reconhecida judicialmente e não há o que se questionar. Os recebimentos foram legítimos. Não há que se falar em qualquer ressarcimento”, ressaltou. “A decisão de hoje foi proferida sob premissas falsas.”

Quando o Estado brasileiro reconheceu a condição de anistiado político de Carlos Lamarca, por meio da Comissão de Anistia, em 2007, ficou determinado um pagamento de R$ 100 mil à viúva, Maria Pavan e a cada um dos dois filhos do casal, uma reparação econômica à mulher de R$ 902 mil, a promoção do capitão a coronel e a fixação da pensão em valor correspondente ao ganho de um general de brigada.

O processo ainda pode tramitar pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Não há previsão de quando transitará em julgado.

Estadão