Mulheres deram as costas a Mamãe Falei durante sessão da Alesp
Foto: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
O dia 12 de abril de 2022 entra para a história do país e, especialmente, de São Paulo: o Conselho de Ética da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) cassou, por unanimidade, o mandato do deputado estadual Arthur do Val (União Brasil). A decisão precisa ser ratificada em votação no plenário da casa e, segundo integrantes da Alesp, é o que provavelmente vai acontecer.
Acompanhei pessoalmente a votação do conselho, que durou em torno de três horas, e aproveito este espaço para compartilhar alguns fatos e minhas impressões sobre o que vi e ouvi. Um dos momentos mais marcantes foi quando o deputado se pronunciou, sem mal levantar o olhar, mas provavelmente conseguiu ver as mulheres na sessão virando as costas para ele. Conto mais detalhes abaixo.
A primeira fala foi da presidente do conselho, Maria Lúcia Amary (PSDB), para informar que a sessão seria suspensa por dez minutos para que os e as integrantes da comissão se reunissem com o deputado representado, Arthur do Val, em sala separada e fechada a demais congressistas e à imprensa. Esse encontro a portas fechadas foi um pedido de Do Val.
Diante dessa violação à transparência dos atos, que devem ser públicos, bem como da total incoerência que é um representado se reunir com seus julgadores minutos antes do julgamento sem a presença das pessoas que o representaram, a deputada Isa Penna (PCdoB), liderou posição contrária e pediu que se colocasse a reunião em votação. Por maioria dos votos ficou decidido que esse encontro secreto não aconteceria e que tudo sobre o caso seria tratado publicamente. A primeira vitória das mulheres nesse dia.
Na sequência, o relator, Delegado Olim (PP), proferiu um voto favorável à cassação de Arthur do Val ao ler seu relatório, sem, porém, deixar de explicitar toda sua falta de familiaridade com o debate de gênero e os conceitos centrais dessa conversa. De todo modo, foi um bom voto, que abordou todos os aspectos pelos quais Arthur do Val estava sentado àquela mesa naquela posição, passando desde a produção de coquetel molotov, evasão de dinheiro e, claro, os áudios misóginos sobre as mulheres ucranianas.
Essas mulheres estavam ali representadas, porém não podiam, de acordo com os ritos do procedimento, darem seus depoimentos. A deputada Monica Seixas (PSOL) teve então uma imensa presença de espírito feminista e usou seu tempo de fala para exibir um vídeo gravado minutos antes, dentro da sala onde ocorria a sessão, no qual uma mulher ucraniana relatava os horrores da guerra, como estupro, perda de suas casas, trabalhos e família, enquanto perguntava se essas mulheres eram fáceis, em alusão aos áudios do, se tudo der certo, futuro ex-deputado.
As manifestações de todos e todas as congressistas estaduais que se pronunciaram ao longo da sessão foram de repúdio aos comportamentos de Arthur do Val e não faltaram falas que relembraram o passado dele, como ter invadido um congresso de estudantes de medicina vestido com uma fantasia de vulva e relatos de assédio que pairam contra ele.
O penúltimo ato da sessão foi o pronunciamento de Arthur do Val. Ele, que não olhou nos olhos de praticamente ninguém ao longo dos trabalhos, viu várias mulheres virarem as costas para enquanto falava.
Logo do início, ele já se utilizou de seu modus operandi clássico e passou a fazer acusações sem qualquer fundamento aos congressistas presentes ali, usando de clichês batidos como “e o PT?” —não estou exagerando, isso realmente aconteceu.
Além disso, o deputado desrespeitou algumas vezes a memória do povo negro cujos ancestrais foram escravizados ao dizer que deputados e deputadas que têm fidelidade partidária são “escravos”. Uma conduta asquerosa.
Havia um fã-clube do deputado que conseguiu ingressar no prédio. Durante duas horas, gritaram palavras de ordem que ecoavam em vozes masculinas —e de homens brancos, vale ressaltar. Algo me diz que esse apoio acabou saindo pela culatra, pois expôs ainda mais que tipo de servidor público o deputado é.
Ainda em sua fala, Arthur do Val afirmou que não estava sendo cassado porque era machista, mas sim porque era combativo ao sistema. Um negacionismo daqueles dignos de um bom divã de psicanálise, temperado com total desrespeito às mulheres. Ele disse que errou, mas na sequência seu inconsciente lhe pregou uma peça e ele pediu desculpas às mulheres que se sentiram ofendidas e não às mulheres a quem ele ofendeu. Tudo indica que ele pensa exatamente aquilo que disse em seus áudios.
Ao final, foi encaminhada a votação. Por unanimidade, foram conferidos dez votos pela cassação do representante do MBL na Alesp. Convicto de que seria cassado, ele se utilizou de recursos retóricos de vitimização, prometendo que ao cortarem sua cabeça, várias outras nasceriam para ocupar o espaço da política. Arrancou gargalhadas de quem estava ali.
Como um homem reincidente em condutas de ódio e desprezo contra as mulheres, Do Val caminhou o batido caminho da masculinidade frágil ao não se responsabilizar minimamente pelo que fez e, ainda, ao apontar dedos para quem o acusava e o julgava, tentando criar uma outra história que explicasse por que, em 12 de abril de 2022, ele presenciou uma votação unânime para que seu mandato fosse cassado.
Agradeço, mais uma vez, à amiga querida e advogada Maira Recchia que topou imediatamente dividir comigo a tarefa de assinar uma das várias representações contra Arthur do Val. Divido essa conquista com todas as mulheres, especialmente as ucranianas e as que vivem no estado de São Paulo. A nossa luta tem sentido e resulta em vitórias, comemoremos!