Roberto Jefferson acabou com o PTB

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Em seu gabinete na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Campos Machado é enfático: “Acabou o trabalhismo. Pode mudar de nome.” O homem que foi por 32 anos seguidos o líder da bancada do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) resume assim a situação da sigla criada em 1945, sob a inspiração de Getúlio Vargas.

Hoje no Avante, Machado deixou a legenda em razão da guinada bolsonarista patrocinada pelo seu então presidente, Roberto Jefferson. O movimento rompeu com o passado pragmático, que trocava apoio por cargos em governos tucanos ou petistas. Esse processo levou à maior crise da história do PTB.

O partido tem atualmente apenas cinco representantes no Congresso – três deputados e dois senadores. E pode ficar menor ainda, pois o deputado Daniel Silveira foi condenado à perda do mandato pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se da menor bancada de sua história. Em 1962, a sigla chegou a ser a segunda maior no Congresso, cpom 102 cadeiras. Dissolvida pelo regime militar em 1965, ela voltou em 1980 e foi uma das cinco primeiras registradas com o fim do bipartidarismo, ao lado do PMDB, PDS, PT e do PDT.

Era dirigida por Ivete Vargas, que ganhou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a disputa pela legenda com Leonel Brizola. Ivete ainda buscou um entendimento, mas a carta do ex-governador, lida pelo jornalista Doutel de Andrade, no Rio, após o julgamento, selou a divisão.

Brizola chamava de “esbulho” a decisão, que entregava a legenda a “um pequeno grupo de oportunistas subservientes ao poder”. E resolveu fundar o PDT. Para Ivete, o PTB teria a cara do povo brasileiro: “patriota, nacionalista, popular, largadão, sem exageros ideológicos, sem sectarismos”. A deputada morreria em 1984.

Centrão
“Ela foi precursora da mentalidade do Centrão, do que era chamado de clientelismo moderno”, disse a socióloga Maria Victoria Benevides. Nos anos 1980, a legenda atraiu políticos como Jânio Quadros, Affonso Camargo Neto, Gastone Righi e Francisco Rossi e empresários como Antonio Ermírio de Moraes. Chegou a eleger 38 deputados, quatro senadores e dois governadores em 1990, o melhor resultado na Nova República. Permaneceu com cerca de 20 deputados nos anos 2000 até que, em 2018, teve a bancada reduzida a dez eleitos.

Foi então, segundo o atual líder da bancada na Câmara, o deputado Paulo Bengtson (PA), que Roberto Jefferson decidiu ser chegada a hora de mudar tudo e se livrar do que havia da velha legenda de Ivete. “Mudou o estatuto e as cores do partido. Fez dele um partido conservador, um partido da família.”

À dificuldade da guinada bolsonarista, juntou-se a luta interna. Na última janela partidária, a bancada minguou. E hoje só é maior na Câmara do que a da Rede, que tem duas cadeiras. Vice-presidente nacional do PTB e presidente do diretório paulista da sigla, o empresário Otávio Fakhoury disse que a saída de oito deputados “já estava na conta” – o partido só ganhou Silveira. Para Fakhoury, a legenda foi prejudicada pela disputa interna pelo comando e por uma campanha de difamação.

Na virada bolsonarista, Jefferson filiou ao partido até integralistas, membros de um movimento de inspiração fascista. Passou a divulgar vídeos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), foi afastado do partido e teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito das milícias digitais – atualmente está em prisão domiciliar e com tornozeleira.

“Existe uma coisa da mídia de dizer que o STF vai fechar o partido”, afirmou Fakhoury. O partido foi presidido então por Graziela Nienov, que rompeu com Jefferson e foi afastada. O substituto, Marcos Vinicius Neskau, foi afastado pelo STF.

O PTB então seria presidido pela mulher de Jefferson, Ana Lucia Francisco, mas ela renunciou. “Se fosse a esposa, na cabeça de Moraes, seria como se o Roberto tivesse no comando”, explicou o empresário. Hoje o PTB é presidido interinamente pelo secretário geral, Cassio Ramos, nome próximo ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Guinada
Fakhoury contou que, ao retomar o controle do partido, Jefferson apostou no tripé Deus, Pátria e família. “Nosso estatuto é contra o aborto, à favor do armamento civil e contra a ideologia de gênero. Vamos apostar na base do bolsonarismo e no eleitor de direita raiz.” É assim que a sigla procura sobreviver ao cenário político modificado pela ascensão do bolsonarismo.

“Não conheço um membro da atual direção do partido. O PTB de hoje não tem ninguém que participou de sua história”, disse Campos Machado. Ele não está sozinho. “Não reconheço no PTB de hoje nada, a não seu a sigla, do antigo partido que tinha como referência o getulismo e o nacionalismo. Ele se transformou em uma montaria do bolsonarismo”, disse Maria Victoria.

Exemplo disso seria a candidatura ao Senado que pretende lançar em São Paulo: o apresentador José Carlos Bernardi, que em 2021 sugeriu “matar um monte de judeus para enriquecer o Brasil”. No Rio, a maior aposta da legenda é o deputado Silveira, que concorreria ao Senado. Com o julgamento do Supremo, o partido pode ficar sem sua estrela.

Por fim, o PTB conta com Fernando Collor, em Alagoas, e com nomes que orbitam no bolsonarismo, como o apresentador Adriles Jorge e o ex-deputado Eduardo Cunha, que tenta recuperar os direitos políticos, para deixar de ser nanico. “Vamos ultrapassar a cláusula de barreira e eleger de 14 a 18 deputados”, disse o deputado Bengtson.

“O PTB nas mãos de Jefferson é uma ofensa à história do trabalhismo brasileiro”, diz socióloga
Autora do livro O PTB e o trabalhismo, a socióloga Maria Victoria Benevides estudou o partido e o velho trabalhismo pela ótica daquela que deveria ter sido sua mais forte seção: a paulista. “O velho PTB paulista foi eleitoralmente fraco, politicamente desarticulado e ideologicamente inconsequente”, escreveu. Desde a publicação de seu livro, o partido que fora recriado após o fim do bipartidarismo da ditadura militar percorreu um caminho que o consolidou como precursor do Centrão, mas sempre mantendo como referência o varguismo e o prestígio passado da legenda.

Até que, em 2018, seu então presidente, Roberto Jefferson, resolveu tracioná-lo para a extrema direita a fim de aproveitar a vaga do bolsonarismo triunfante. “Não reconheço mais no PTB de hoje, a não ser pela sigla, o partido que tinha como referência o getulismo a legislação trabalhista e o nacionalismo”. Leia sua entrevista.

Como a senhora classificaria o PTB de hoje?

Eu não reconheço no PTB de hoje nada, rigorosamente nada, não o nome, a sigla, do PTB passado, no sentido de que nem a referencia ao getulismo, à legislação trabalhista. Tenho certeza de que nunca na história do PTB com todas as suas deficiências, especificamente em São Paulo, o PTB foi eleitoralmente fraco, politicamente desarticulado e ideologicamente inconsequente, mas sempre teve uma ligação forte com Getúlio, CLT, nacionalismo, mesmo que fosse só no discurso, mas tinha. Hoje penso que o PTB estar nas mãos de Roberto Jefferson é uma ofensa à toda a história do trabalhismo brasileiro. Roberto Jefferson não tem rigorosamente nada de uma liderança trabalhista. Essa situação foi piorando com o tempo. Começa quando Brizola perde a sigla para Ivete Vargas. Hoje, se tivesse de dizer o que é o PTB hoje, eu diria que o partido que trouxe o histórico do velho PTB nacional e paulista é o PDT, com todos os problemas do brizolismo, com sua abrangência territorial localizada no Rio e no Rio Grande do Sul.

O PTB de Ivete Vargas foi o que poderíamos chamar de precursor do Centrão ?

A Ivete Vargas foi absolutamente deletéria quando assume o poder dentro do PTB em São Paulo. Chego a uma hipótese. Em 1988, me pergunto até que ponto o PTB de Ivete não seria uma introdução ao PMDB de Quércia, que teria representado na maneira mais identificável o tal do clientelismo moderno. Era clientelista mas era moderno. O adjetivo moderno sempre fez sucesso. Eu diria que Ivete Vargas foi uma precursora da mentalidade do Centrão. Ou seja: embora tenha feito carreira com o sobrenome, era a única mulher no Congresso quando se elegeu, ela foi muito esperta e conseguiu ficar com a sigla PTB porque, o que chamamos hoje de Centrão e já começava a se organizar de maneira forte, estava contaminando os partidos. Nesse então entrava ainda antes do golpe de 1964 até uma parte da UDN, que gostava de se apresentar como partido puro e de ideologia clara – a marca de nascença da UDN foi o antigetulismo. Mas havia na UDN um grupo, a bossa nova, que se identificava com o que hoje chamamos de Centrão. Mantinha a imagem de oposição, mas por trás da cena se ajeitava com o poder.

O que era o PTB antes do golpe de 1964?

É preciso lembrar que ele era um partido muito forte, o que mais cresceu antes do golpe. Em São Paulo, forte eram os comunistas, os janistas e o ademaristas. Os comunistas dominavam o movimento sindical, e o PTB paulista – mas aqui também o PTB nacional – tinha aquele papel que todos os petebistas apontam: não deixar que os comunistas dominassem tudo. Há um momento que eu acho muito significativo que um dirigente do partido em São Paulo, o Duque Estrada, dizia: ‘Dizem que nós somos pelegos, que o PTB é pelego. Ora, mas é um peleguismo do bem, pois nós exercemos isso para impedir o avanço do comunismo. Nós deveríamos ser elogiados por sermos pelegos e não condenados’. Essa visão é também comum nos intelectuais do PTB, como Roberto Gusmão, que dizia: ‘Fala-se tanto do peleguismo do movimento sindical e do PTB e se esquecem do peleguismo dourado das classes produtoras’. Sem entender a presença forte dos comunistas nos sindicatos e o papel do janismo e do ademarismo em São Paulo não se entende como existiu o PTB em São Paulo, sendo tão fraco e tão marcado pelo clima de pancadaria. As brigas e dissensões eram normais. Foi o partido que mais expurgou gente. Em todas as eleições – e foram muitas desde 1947 –, o PTB uma hora se aliava ao janismo, outra hora com o ademarismo. Ou seja, a postura do Centrão aparece porque ele era fraco, mas tinha um nome e era o que tinha presença sindical em um estado em que a indústria era muito importante.

Na segunda fase do partido, com a abertura, o partido tem, além de Ivete, Jânio Quadros e Antonio Ermírio de Moraes. Como a presença destes dois marca o partido no estado? O casamento do partido com Jânio aprofunda essa característica de Centrão do partido?

Acho que sim. O Jânio tinha muito marcada a luta contra a corrupção e a vassoura e o PTB, dos três maiores partidos – PTB, UDN e o PSD – era o partido em que era mais apontado o pecado da corrupção, muito clara dos sindicatos que aceitavam patrocínio de industriais e a relação promíscua do PTB com o Ministério do Trabalho. Lembro-me de um político que eu entrevistei, dizendo que a Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo tinha 100% de introdução no Ministério do Trabalho contanto que disciplinasse os movimentos grevistas. O PTB era importante tanto para descartar a hegemonia comunista quanto para aproximar do Ministério do Trabalho. Eu fiquei muito impressionada quando vi a quantidade de intelectuais, professores da USP e empresários, como Hugo Borghi, Romeu Fiori, o Marcondes Filho, que foi senador, Canuto Mendes de Almeida e Cesarino Junior e de intelectuais como Miguel Reale e Menotti Del Picchia. Isso tudo reforça a hipóteses do Centrão. Em alguns momentos a Ivete dizia que o PTB de São Paulo foi trucidado. E o partido em São Paulo gostava de defender a tese de que a seção paulista só não avançou porque era controlado pelo PTB gaúcho e do Rio, que tinham grande influência no PTB nacional. Em 1960, quando o PTB paulista apoia a chapa Jânio-Jango, o PTB aprovou um projeto do deputado Sérgio Magalhães, do Rio, que alterava o artigo 70 da Constituição, que garantia que uma maioria no Congresso poderia derrubar os vetos presidenciais, o que era muito importante porque o Jânio estava sendo muito condenado pelo PTB paulista em razão de seu autoritarismo. O PTB de São Paulo apoiava todas as denúncias contra a intervenção do Executivo em instituições tradicionais, que reforçavam o clientelismo moderno do PTB com cargos e apoio junto a entidades tradicionais como o Sesi, o Senai e a LBA. Outro fato interessante é que o discurso sempre incentivou a denúncia de corrupção, embora esta corresse solta.

Como a presença dos industriais nos anos 50 e 60 se reflete na candidatura de Antonio Ermírio nos anos 1980?

A derrota do Antonio Ermínio na eleição de 1986 levou as pessoas a um questionamento, pois Ermínio era considerado uma pessoa bem sucedida e do bem. Não tinha nada para se dizer dele. Aqui voltamos á questão do nacionalismo; o PTB manteve essa visão e essa era a grande diferença para o PSD e a UDN. Lembro-me de um político importante na UDN, como Aliomar Baleeiro, na discussão sobre remessas de lucros, ele disse que, em relação à remessa de lucros, ele não defendia que ela fosse uma porta aberta, mas uma porta escancarada, mais do que aberta. E isso mostrava o que hoje chamamos de neoliberalismo. O PTB não podia defender essas teses porque o nacionalismo foi uma palavra de ordem no PTB e a ligação do Getúlio. Hoje estou convencida de que há pessoas no PTB de Roberto Jefferson que não sabe o que foi Getúlio, o nacionalista, a luta pela Petrobras.

Ao fazer essa guinada dentro do PTB, posicionando o partido como marcadamente de direita, ele inaugura uma fase nova no partido. E ao se identificar marcadamente com uma corrente política, ele perde a característica de ser um partido amorfo. Ele rompe não só com o trabalhismo, mas também com a fase ‘Centrão” do partido?

É possível dizer isso. Eu lembro que, a partir dos anos 1980, o PTB sofreu com a fundação e o crescimento no meio sindical do novo sindicalismo e o PT. Como a ligação do PT com o PTB foi uma relação de luta e duelo de morte. O PT entrou no movimento sindical com as bandeiras do novo sindicalismo representado por Lech Walesa e também comunistas que estavam no PTB passaram para o PT. O PTB não podia ter uma posição mais avançada em termos sociais e econômicos. Eu cito no livro o Newton Rodrigues (jornalista) quando ele disse: ‘De lá pra cá, de 1986, o petebismo é isso que está aí: ‘do colaboracionismo ivetista passou ao papel de montaria de reserva do conservadorismo mal maquiado, que explora o prestígio residual da legenda’. Mas a bandeira continuava a do nacionalismo, mas sem o nacionalismo, tendo de lidar com o antigetulismo inicial do PT. Hoje o PT não é antigetulista, mas quando surgiu era. Inclusive queria se apresentar como oposição ao getulismo. Depois esse papel ficou para o PSDB. O papel do Antonio Ermírio e a escolha dele pelo PTB foi exclusivamente para vestir a camisa do nacionalismo. Ele liderava no meio empresarial a corrente nacionalista, que não era hegemônica…

Agora, podemos dizer que, de montaria do conservadorismo, o PTB se transformou em montaria do bolsonarismo?

Montaria do bolsonarismo está ótimo. É isso mesmo. Esse PTB atual não tem nada de uma posição de defesa de classe; não há uma manifestação sólida em relação à políticas que seriam óbvias para um partido trabalhista, como a teto de gastos e a reforma trabalhista, ao nacionalismo frente ao neoliberalismo triunfante. Getúlio está uma pálida fotografia nos diretórios do PTB. Eu levanto dúvidas se os atuais petebistas tem ideia do que significou Getúlio Vargas, a criação da CLT e da Petrobras.

Estadão