Delegados da PF denunciam “ingerência” em seu trabalho

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Edvan Ferreira/Prefeitura de Maceió

Delegados federais de Alagoas decidiram em assembleia realizada nesta segunda (9) cobrar uma manifestação da direção-geral da Polícia Federal sobre veto a uma troca que resultou na manutenção do atual superintendente no cargo.

A decisão foi tomada após a Folha revelar que uma ingerência política sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) barrou a tentativa da cúpula do órgão de mudar o atual superintendente Sandro Valle Pereira pelo delegado Marcelo Werner.

Valle Pereira chegou a ser comunicado em 24 de março sobre sua substituição, mas a gestão do atual diretor-geral, Márcio Nunes, desistiu. O recuo, segundo pessoas que acompanham o caso, ocorreu após o ministro da Justiça, Anderson Torres, avisar que a troca havia sido vetada.

Na ata da assembleia realizada pela regional alagoana da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), os delegados manifestam a “quebra de confiança no atual superintendente”.

“Subscritores do referido documento manifestam a quebra de confiança no atual superintendente regional da PF em Alagoas, inclusive decididos a colocar à disposição as respectivas chefias, aguardando um posicionamento concludente da Direção-Geral da PF sobre o caso em análise”, diz o texto assinado por 12 delegados.

A ata também traz solicitação dos delegados alagoanos para a direção executiva da ADPF intervir de modo a comunicar à comissão de prerrogativas da entidade, produzir uma nota à imprensa e “formalizar à provocação à Direção-Geral sobre o episódio”.

“Os delegados de Polícia Federal presentes reafirmam sua posição de não compactuar e não coadunar com qualquer tipo de ingerência política nas investigações por si presididas, estando sempre atentos e vigilantes para combater e repudiar toda e qualquer ação que porventura possa ser adotada neste sentido.”

Procurado, o presidente nacional da ADPF, Luciano Leiro, disse em nota que “repudia de forma veemente qualquer atitude que possa atentar contra a autonomia e prerrogativas dos delegados” e que irá tomar as providências para que o episódio seja apurado e esclarecido.​

Valle Pereira disse à Folha não saber o que aconteceu para ter sido mantido no cargo e afirmou não ter feito pedido para ficar, mas que não pode dizer se alguém pediu por ele.

“Não sei por que eu fui mantido. Eu reputo isso tudo a uma questão política ou a uma questão gerencial, de insatisfação. Jamais eu pediria para ficar aqui. Não sei dizer se outros gostam do meu trabalho e pediram por mim”, disse.

O diretor-geral da PF, Márcio Nunes, decidiu trocar Valle Pereira logo que assumiu o comando do órgão e após ser informado sobre problemas e reclamações de delegados em relação à gestão do superintendente alagoano.

Um dos relatos que chegou aos ouvidos da equipe de Nunes em Brasília foi uma suposta tentativa e obter informações de um inquérito sigiloso em andamento no estado que resvala em um político alagoano.

Nunes então decidiu convidar Marcelo Werner, delegado que ocupava um cargo de chefia na superintendência da Bahia, mas Valle Pereira teria começado a se movimentar para evitar a substituição.

Em uma das tentativas, o delegado, sem autorização e sem comunicar a direção-geral, esteve em Brasília.

Segundo o atual superintendente alagoano, não houve tentativa de buscar informações sobre o caso sigiloso. Ele confirma, porém, que conversou com dois delegados subordinados a ele, um deles responsável pelo inquérito.

Ele diz ter acionado o policial do inquérito para questionar se a investigação deveria permanecer na PF uma vez que, segundo ele, não envolvia desvio de verbas federais.

Como o investigador respondeu ter preferência pela manutenção do caso na esfera federal, Valle Pereira diz ter concordado e parabenizado pela condução da operação.

“Depois que foi deflagrada, eu perguntei para ele. Me causou preocupação de questão política, porque como é que esse trabalho chegou aqui, porque em essência não é nosso. Não tem desvio de verba federal, aquela coisa toda.”

Sobre a viagem para Brasília após ser informado da troca, o delegado disse ter viajado para tentar contato com “alguém da direção” da PF.

“Fui tentar contato com alguém na direção [da PF], mas não consegui. Foi logo depois do tsunami da minha saída”, conta. Afirma ter ficado a maior parte do tempo dentro de um hotel e que não saiu para encontrar políticos.

A assessoria da PF não respondeu aos questionamentos sobre as razões de a substituição ter sido suspensa nem de quem partiu a ordem política. Disse apenas que a alteração da direção-geral do órgão leva a mudanças naturais, com análise de nomes e cenários.

“Especificamente com relação ao Dr. Werner, informamos tratar-se de um excelente profissional, que tem demonstrado qualificação e qualidades que o habilitam a exercer atividades de direção, motivo inclusive que o levou a ser convidado a compor a gestão da SR/BA, local de sua lotação”, diz a nota.

O texto da PF ainda acrescenta que “os processos de indicação ou convite para as funções de superintendentes regionais são atribuições do diretor-geral”.

Folha