Picareta que lidera MBL reclama de “baque gigantesco”
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
Criado em 2014, o MBL (Movimento Brasil Livre) teve até aqui um 2022 para esquecer. Primeiro, entrou na berlinda após um de seus principais líderes, o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), ter dito que criminalizar o nazismo é um erro.
Nada que se comparasse, no entanto, aos áudios sexistas do então deputado Arthur do Val (União-SP), que levaram muitos a prever o fim do movimento.
“Foi um baque gigantesco”, diz Renan Santos, 38, coordenador nacional do movimento, em entrevista à Folha. “Tentaram acabar com a gente de todas as formas e a gente está de pé.”
Renan nega que o movimento seja misógino e afirma que buscará ser mais precavido no futuro. “O problema é que o MBL não se leva a sério, e a nossa linguagem passa por isso”, afirma.
O grupo também pretende atualizar sua ideologia liberal, especialmente com a pandemia da Covid-19. Ele diz que quer se afastar da Faria Lima e se ligar mais ao Brasil. No ano que vem, o MBL pretende viajar o país. “Mão invisível não vacina ninguém”, afirma.
Desta vez, o movimento não pretende apoiar candidato para presidente e quer se concentrar em suas candidaturas ao Legislativo. Recomendar o voto nulo é uma possibilidade.
“Lula e Bolsonaro cancelam e destroem reputações com a mesma intensidade”, diz o coordenador.
O MBL viveu crises em sequência. Como isso afetou o movimento? A gente sofreu cancelamentos de proporções de celebridades. Foi um baque gigantesco. Em 2019, quando a gente tretou para valer com o Bolsonaro, tivemos perdas de centenas de milhares de seguidores. Ali perdi tamanho, mas ganhei respeito. Agora a perda em termos quantitativos foi pequena, mas foi ruim para a imagem do movimento.
Houve críticas de que o MBL não tem responsabilidade, estatura para fazer política. Eu gosto dessa crítica, dá tesão ver alguns jornalistas dizendo que o MBL acabou. E aí o Kim virou presidente da Comissão de Educação, o mais jovem da história. O [vereador] Rubinho [Nunes] está num nível de respeitabilidade, de aprovação de projetos, absurda. Os resultados estão aí.
O problema é que o MBL não se leva a sério, e a nossa linguagem passa por isso. A gente não veste tanto o gravitas, o rigor de linguagem, estético, das posições que a gente ocupa. A gente faz isso intencionalmente, é uma forma de se aproximar das pessoas. Mas a gente começou a pensar: ‘Pô, tem que tomar cuidado com participações em podcasts, com as nossas relações pessoais’. O nível de perseguição contra nós mudou. A gente não foi precavido o suficiente.
Antes do episódio dos áudios, o Kim já havia dito que feminista é comida de universitário. Tem vídeo seu, que você diz ser brincadeira, dizendo que uma garota seria estuprada. Recentemente, chamou a deputada Janaina Paschoal de porca invejosa. O MBL é misógino? O MBL sempre foi um movimento politicamente incorreto, e as nossas críticas e nossos ataques são duros e grosseiros de forma muito democrática, com homem e mulher. A gente tem uma igualdade de gênero na hora das ofensas que é fabulosa. Se pegar as agressões verbais que a gente faz ao Eduardo Bolsonaro, Gil Diniz [deputados], não tem comparação com mulheres. O que há é que pegam esses elementos para tecer uma história.
A questão é outra. O discurso do politicamente incorreto da nova direita, ou do liberalismo brasileiro, não atrai ainda tanto a mulher. Essa dificuldade gera uma imagem de que o MBL é muito mais masculino. Ele é, a gente não nega. Existe uma dificuldade de trazer mulheres para o movimento. Talvez matizar o nosso discurso para atender isso? Acho que esse é o desafio.
Outra questão dos áudios é o “tour de blonde”, que você faria. Isso é fato? O áudio do Arthur é cheio de coisas superlativas e exageradas. Óbvio que já viajei para vários lugares do mundo. Sou um cara solteiro. Não viajei para pegar mulher, mas para outras coisas. Se eu vejo uma mulher bonita, vou sair, não tem nada demais. Se eu fosse um cara rico e tarado… Mas não é o caso. Ser do MBL atrapalha bastante.
Quanto o processo de reconstrução da imagem do Arthur é também do MBL, do estilo de fazer política? A gente nunca vai ter uma transição para um modelo tradicional de política, porque se torna até inviável para a gente. O mandato do Rubinho vai nessa linha. Mas ele é um dos modelos. O modelo do Arthur neste momento está inviabilizado. As respostas que a gente precisa dar para as demandas políticas que estão vindo agora com a eleição vão demandar que a gente fique mais institucional.
Você se manifestou pelo voto nulo para presidente. É a posição do movimento? Falei por mim, mas é o clima de grande parte da militância. As alternativas que existem não são reais. O pessoal não entendeu o que é terceira via. A ideia que nós estávamos trabalhando era reconstruir o legado daquelas lutas, que inclusive levaram o Bolsonaro ao poder, reconfigurar, e aí, com um diálogo mais amplo, aparando as arestas, vir com uma candidatura. Dizer que é terceira via porque não é Lula, nem Bolsonaro, não é isso.
As únicas candidaturas que vão ter adesão, não só em redes, mas que a gente vai começar a ver gente falando nas ruas, são as do Pablo Marçal [Pros] e a do André Janones [Avante]. Não porque a gente apoie, mas porque existe um universo paralelo em que estão vivendo esses nomes da grande política, que ficam falando em terceira via e não têm nexo com a realidade.
Então vocês não devem se atrelar a nenhuma candidatura presidencial? Estamos caminhando para não apoiar ninguém. Mas a gente tem muita esperança. Tentaram acabar com a gente de todas as formas e a gente está de pé. A gente recebeu ataques justos, mas a maior parte, profundamente injustos. Estamos animados para construir uma oposição, não importa se a Lula ou Bolsonaro.
Pregar voto nulo num momento em que jovens estão tirando título não é despolitizar? Pelo contrário. É um entendimento não só da alma dos nossos seguidores, mas do eleitor. Para um movimento político, desengajar é morrer. Vamos engajar um movimento de negação dos dois [Bolsonaro e Lula]. Tanto que o produto que mais vendemos no ano passado foi a camiseta que diz “Nem Lula, nem Bolsonaro”.
Vocês se decepcionaram com Sergio Moro? Não vou cravar que me decepcionei. Temos momentos políticos de amadurecimento distintos. A gente é mais jovem, mas está no jogo há mais tempo. Tanto no jogo político institucional como no jogo de redes. Ele está fazendo a curva de aprendizado e dando as trombadas dele agora. Lógico que ele não ficou feliz com uma série de ações nossas, e a gente não ficou feliz com o episódio do Arthur [quando Moro rompeu com o ex-deputado antes que ele se pronunciasse]. Podemos falar que estamos quites.
Lula e Bolsonaro são extremos equivalentes? Não dá para falar que um é o negativo do outro, como se Lula fosse uma expressão à esquerda do Bolsonaro e vice-versa. É uma análise errada, um reducionismo. Mas eu não acredito nos preceitos democráticos do Lula, como tentam pintar. As ações do PT geraram o próprio Bolsonaro. A gente não ouvia falar do STF antes do governo Lula. O STF era uma corte, não era um ator político como se tornou. A compra do Parlamento, com mensalão e petrolão. O início do “nós contra eles”, quando ele contratou o João Santana.
Se você pegar esses livros sobre como as democracias morrem, que são manuais para atacar populistas de direita, todas as táticas poderiam ser associadas ao Lula. Mas o Lula não fez da maneira tosca e aberta do Bolsonaro, que fala as coisas à luz do dia, dando risada, comendo farofa.
Você acha que o Bolsonaro tem intenções golpistas? Sim. A primeira vez que falei com Bolsonaro ele ficou me explicando por cinco minutos por que a ditadura era legal. ‘Seu pai devia gostar’. Quando fui ao gabinete dele, ficou me mostrando no computador vídeos sobre conquistas da ditadura militar, vídeos do Enéas sobre minérios, bauxita. Ele tem essa tara pela ditadura.
Essa não é uma diferenciação entre Lula e Bolsonaro? Ou Lula é golpista? O Lula é muito mais [Viktor] Orbán [premiê húngaro] do que o Bolsonaro. Ele é muito mais lento e gradual do que o bolsonarismo. Quando eles precisam expressar essa sanha em ações políticas não institucionais, são muito parecidos. Eles cancelam e destroem reputações com a mesma intensidade, são hegemonistas no espaço político.
A atuação dos governos no período da pandemia fez com que vocês repensassem a visão sobre intervenção do Estado e papel do mercado? O liberalismo que se tornou mainstream no Brasil, do qual o MBL foi o grande condutor pelo menos até 2018, se esgotou. Não teve respostas na pandemia. Não tem respostas para a complexidade de um país como o Brasil. Isso gerou um abismo para nós.
Nossos mandatos começaram a se debruçar sobre problemas políticos reais e contingências regionais. Na pandemia, é óbvio que você tem que ter uma ação do Estado. Fomos muito criticados no meio liberal porque defendemos lockdown, uso de máscara. Isso gerou um estranhamento na nossa base. Percebemos o quanto desse liberalismo é uma visão anglo-saxônica que é importada para cá que é descolada das visões culturais e regionais nossas.
Isso significa um liberalismo com algum Estado? Tem que ser. É um liberalismo que entenda nossas características culturais e nossos problemas políticos. Para a gente defender o que a gente defende, a gente tem que ficar de costas para a Faria Lima e olhar para o resto. Vou ficar falando em menos Estado na pandemia? Mão invisível não vacina ninguém.