Trabalho remoto aumentou violência doméstica no país

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Foto: Rubens Cavallari-16.dez.21/Folhapress

Uma pesquisa realizada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) apontou que uma parcela significativa das juízas de direito viu, dentro da classe, um aumento da violência familiar contra mulheres e o acúmulo de trabalho na Justiça com atividades domésticas durante o período de home office.

Parte das magistradas que respondeu ao levantamento, feito em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), também afirmou que essa acumulação de serviço dificulta o avanço na carreira da magistratura para as mulheres.

A pesquisa, à qual a Folha teve acesso, teve a participação de 1.859 juízes e juízas entre os dias 8 de fevereiro e 8 de março deste ano, em um questionário online, que incluiu questões relativas a gênero, raça e idade, entre outros.

O principal objetivo do levantamento era entender o que mudou na atividade dos juízes com a utilização de novas tecnologias, introduzidas sobretudo no contexto da pandemia. O trabalho foi feito pelo CPJ (Centro de Pesquisas Judiciais) da AMB, com a UnB e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

Entre as pessoas que responderam ao questionário, 35% se identificaram como mulheres —dado próximo ao que tinha sido colhido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre o percentual de participação feminina na magistratura.

Para os pesquisadores, isso aponta que ainda há uma “baixa participação das mulheres no âmbito do Judiciário”, embora exista um “aumento progressivo ao longo do tempo”.

Há, também, como já aparece em outras pesquisas, uma grande maioria (77%) de magistrados que se declara brancos, contra uma minoria de pardos (16%) e pretos (2%).

A AMB e a UnB tentaram se aprofundar a respeito das dificuldades específicas de cada grupo que respondia ao questionário.

Em relação às magistradas, um dos problemas relatados foi que, durante a pandemia, o trabalho remoto aumentou a “invisibilização institucional das necessidades específicas das mulheres”.

Sem serem identificadas nominalmente, juízas redigiram relatos sobre os seus problemas aos pesquisadores.

Uma delas disse, por exemplo, que “tendo em vista os desafios próprios da mulher (casa, filhos, gerenciamento doméstico) que são cumulados com o do trabalho, há significativa desigualdade na possibilidade de ascensão na carreira”.

Outra afirmou que “a transformação digital intensificou a invisibilidade da mulher na carreira, já tão desprezada por todo”.

Um dos campos questionava se houve acumulação durante o trabalho remoto, pelas magistradas, de trabalho doméstico com cuidado com a família. Quatro quintos delas responderam que “aumentou substancialmente” ou “aumentou”.

“Como as mulheres acumulam trabalho doméstico e trabalho fora de casa não têm o mesmo tempo de aprimoramento profissional que os homens”, disse uma das entrevistadas.

“Estes aproveitaram o tempo de distanciamento para escrever artigos, livros e fazer cursos. As mulheres veem-se premidas a cuidar da casa, da família e a cumprir as metas estabelecidas profissionalmente.”

Houve, no entanto, magistradas que viram benefícios no trabalho remoto para as mulheres. Uma das juízas reportou que tem um filho autista e dificuldades na dinâmica familiar devido às suas necessidades, e o trabalho remoto a ajudou a conciliar as atividades.

Ainda assim, ela apontou sobrecarga durante o período de aulas remotas, “já que precisava trabalhar e acompanhar meus filhos durante as aulas”.

Sem entrar em detalhes, quase 70% das juízas afirmaram que a violência doméstica e familiar também “aumentou substanciamente” ou “aumentou” durante o trabalho em home office.

“Sobre esse tema em particular, não houve manifestações nas perguntas abertas. Tal conclusão leva a necessidade de maior problematização sobre os riscos de violência doméstica no contexto de trabalho
remoto que a utilização das TICs [tecnologias de informação e comunicação] possibilita”, diz trecho da pesquisa.

Para a presidente da AMB, Renata Gil, o levantamento detectou que acontece entre as magistradas o que ela chama de “fenômeno mundial” de violência contra a mulher.

“Nós tivemos, no seio da magistratura, o assassinato de uma juíza, a Viviane [Vieira do Amaral Arronenzi], que foi vítima de um feminicídio, e tivemos uma suposta hipótese de suicídio de uma colega muito jovem agora no Pará”, afirma Renata Gil.

“A gente está muito afetado com a pandemia e essa pesquisa é muito reveladora disso e vai ser muito importante para que políticas públicas internas no Judiciário sejam efetivadas pelo Conselho Nacional de Justiça.”

Uma das coordenadoras da pesquisa, a professora da UnB Rebecca Lemos Igreja, afirma que deve ser considerado que o período abordado envolve o contexto da pandemia, no qual as atividades escolares presenciais estiveram suspensas por alguns momentos.

Ela frisa que esses dados não são indicativos de que as novas tecnologias sejam negativas para a Justiça, mas que há necessidade de aprimoramentos, principalmente para atender às mulheres ou a magistrados que passam por dificuldades, como os mais velhos e os deficientes.

Outro capítulo da pesquisa mostra que a digitalização ampliou o acesso à Justiça, com melhoria na gestão e diminuição dos custos.

“A pesquisa mostra que a mulher juíza tem os mesmos problemas e passa pelas mesmas dificuldades das mulheres da sociedade em geral”, afirmou à Folha o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão, que é diretor do Centro de Pesquisas Judiciais da AMB.

Folha