Ameaças a defensores da Amazônia aumentam

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Foto: Lilo Clareto/Divulgação

Era final de 2013, e João estava jantando com um amigo em um restaurante na região do Tapajós, no oeste do Pará. Foi quando um homem chegou à mesa para fazer uma das ameaças que iria começar a receber constantemente por atuar na defesa de direitos dos povos tradicionais da Amazônia. “Ele chegou e disse: ‘João, sabia que tem uma lista aqui de ameaçado de morte? E que a gente não gosta de ONG?'”, relata o ativista.

“Eu falei: ‘olha que curioso, não sabia não’. E o cara disse: pois é, e tu tá nessa lista. O problema é que a tua vida tá valendo R$ 1.000, pouca gente vai querer te matar. Mas se tu continuar perturbando a gente o preço da tua cabeça vai subir. Então presta atenção no que tu está vindo fazer aqui”, lembra.

O nome real do homem de 51 anos foi alterado, e o local das ameaças, omitido a pedido do ativista, que teme ser alvo de represália.

A lista de ameaças inclui bilhetes e ligações, chegando até a um caso vindo da própria polícia, ocorrido quando João estava chegando a uma audiência pública que debateria a construção de uma hidrelétrica.

Um carro da polícia com quatro homens bem armados estava lá, e um policial pediu para eu mostrar a faixa, mas estava em Munduruku. Ele disse: ‘eu não sei o que está escrito, mas se for contra a reunião, tu toma cuidado que a gente sabe o hotel que você está’João (nome fictício)

João é só uma das pessoas ouvidas durante a semana pela coluna que relatam ameaças por lutarem contra ações de invasores de terra e contra o desmatamento amazônico. Muitas delas temem dar nomes, mas alguns aceitaram contar casos se identificando.

Quem também sofreu ameaças foi o indigenista Bruno Araújo Pereira, que desapareceu no domingo (5) quando viajava com o jornalista inglês Dom Phillips, na região do Vale do Javari, oeste do Amazonas. Ontem, foram encontrados objetos dos dois.

O líder indígena Adriano Karipuna, 36, conta que desde os 14 anos atua pelos direitos do seu povo, os Karipuna, em Rondônia. Ele afirma que sofre ameaças desde que começou a rodar o mundo denunciando o ataque aos povos originários na Amazônia.

Em 2018, na primeira vez que viajou, falou no Fórum Permanente da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Assuntos Indígenas, e começou a ser “alertado” a parar com as denúncias. Até que, no começo de 2020, veio a primeira ameaça direta.

“Eu recebi uma ligação de um número confidencial e falaram que a qualquer momento iam me acertar”, lembra.

Adriano não sabe quem fez a ligação, mas sabe que o território do seu povo tem sido cada vez mais alvo de madeireiros e grileiros. “O atual governo sucateou os órgãos que protegiam os territórios indígenas e a floresta”, diz. Esta semana, o UOL revelou que o quadro de funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio) caiu pela metade na Amazônia.

Adriano diz que hoje as ameaças não são apenas a ele. “Sempre falam que vão pegar na curva do rio [Jaci-Paraná], ou na curva da estrada na volta para aldeia”, alega.

Por conta das ameaças, o líder indígena diz que precisou mudar sua vida. “Mudei a rotina, mas não posso dizer em quê. Mas diria que minha vida mudou 75%”.

Precisamos do apoio do mundo. Estamos em uma guerra, mas os produtos do Brasil não foram boicotados, como muitos países fizeram com produtos exportados da Rússia. O mundo não voltou seus olhos para os povos indígenas. Adriano Karipuna

A coluna procurou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que é responsável em dar proteção a pessoas vítimas de ameaças no âmbito federal, mas não recebeu retorno.

Outro que vem denunciando ao longo dos anos os ataques aos povos indígenas é o cacique Almir Narayamoga, líder do povo Suruí, em Rondônia. “As ameaças chegam pelas pessoas [que vão à aldeia], pelos próprios indígenas. Muitas vezes vêm por comunicados através de mensagens escritas e de voz”, conta.

As pessoas que ameaçam esses ativistas não acham que a Amazônia tem um papel importante para todo equilíbrio ambiental, social e econômico, nem político nacional e internacional. São pessoas que querem explorar de forma errada. Almir Narayamoga

Após o assassinato do irmão e da cunhada —os extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva—, Claudelice Santos, 40, criou o Instituto Zé Claudio e Maria, para cobrar justiça pelo caso.

O crime aconteceu em Nova Ipixuna (PA) no dia 24 de maio de 2011. O mandante, José Rodrigues Moreira, foi condenado a 60 anos de prisão em 2016, mas está foragido desde então.

“Desde 2013, quando ele foi absolvido no primeiro julgamento, ele está solto. Ele continua ameaçando a família, e se ele tá foragido tanto tempo é porque tem uma rede de apoio”, diz.

Cartaz co - Reprodução/Instituto José Cláudio e Maria - Reprodução/Instituto José Cláudio e Maria

O assassinato de José Cláudio e Maria teve uma repercussão internacional porque ele tinha feito uma denúncia pouco antes de sua morte de que vivia com “uma arma apontada para sua cabeça” por lutar contra desmatadores na região.

Assim que eles foram mortos, Claudenice diz que a família começou a receber ameaças. “Havia algumas pessoas no assentamento, e tinha gente com um interesse em matar eles. Eu fiz denúncia sobre isso”, lembra.

Entre recados e bilhetes recebidos, uma intimidação em especial a marcou. Foi quando o carro em que estava a filha e uma sobrinha dela foi perseguido por outro veículo. “O meu carro é um veículo velho, baixo; e uma caminhonete seguiu o carro até quase capotar”, relata.

Eles perseguem porque a gente luta por justiça. E se tem alguém provocando para que se investigue, eles vão querer silenciar essa pessoa. É assim desde 2011, quando passei a receber vários recados. Claudenice Santos

No Maranhão, quem se acostumou a sofrer ameaças foram os indígenas Guajajara que compõem os Guardiões da Floresta. Segundo o indigenista Carlos Travassos, assessor técnico da associação Ka’a Iwar, existe uma forma típica de ameaçar os guerreiros, repassando recados pelos comerciantes de mercados e rede de serviços das cidades e povoados.

“Eles que comentam com o guardião ou alguém de sua família, que ouviram uma conversa de terceiros dizendo que foi encomendada a morte deles. São situações como essa que circulam, e muitas vezes têm suas veracidades”, relata.

No grupo, diz, já foram mortos quatro guardiões, o último deles foi Paulo Paulino Guajajara, em novembro de 2019. “São mortes de indígenas Tentehar por questões relacionadas a madeira antes e depois da criação do grupo dos Guardiões da Floresta da terra Arariboia”, explica.

Segundo Thiago Firbida, representante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, nos últimos anos as ameaças ficaram mais sofisticadas e intensas na Amazônia.

“Não falamos mais só da violência tradicional —que continua existindo—, mas de novos tipos de violação ou tipos antigos assumindo um novo papel, mais intenso e perverso”, diz.

Um dos pontos que preocupa Firbida é como a criminalização de quem defende os direitos humanos vem crescendo. “A gente viu que são utilizadas novas tipificações penais, como a de lei antiterrorismo, passando por uma série de entendimentos judiciais que tornam mais hostil a vida de quem luta por direitos humanos”, afirma.

Ele cita ainda o aumento de ataques digitais. “Vimos um conjunto de ataques online em um patamar que não existia anos atrás. E a gente vê essa intensificação de várias frentes, seja do ponto de vista jurídico, de ataques digitais em si, ou de vigilância e monitoramento das ações de movimentos sociais.

Há muitos anos a Amazônia está entre os principais lugares onde mais se mata defensores ambientais. As principais vítimas disso são lideranças rurais, quilombolas e indígenas. Falamos de uma área gigantesca que não tem controle de invasões e exploração ilegal.Thiago Firbida

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