Ascensão da esquerda na Colômbia salva América Latina

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Foto: Juan Barreto/AFP

Um homem de idade avançada, relaxado no sofá de um iate, contemplando mulheres de biquíni cercado por rapazes munidos de smartphones. As últimas imagens de Rodolfo Hernández antes do segundo turno da eleição colombiana foram uma repetição tropical do pesadelo “bunga-bunga” de Silvio Berlusconi, o apresentador de TV que se tornou premiê nos anos 1990 e afundou a Itália no niilismo. Sua campanha burlesca tem o poder de reduzir a democracia colombiana a um concurso de beleza improvisado.

Confrontada pela primeira vez desde sua independência em 1819 com uma eleição transformadora, que encerra um ciclo de revezamento entre as mesmas elites, a Colômbia atravessou as últimas duas semanas atormentada. A direita colocou seus fantasmas no armário —o hoje impopular Álvaro Uribe, figura dominante da política nacional, foi apagado— e apostou tudo na “petrofobia”, atiçando o fantasma anticomunista e disseminando armadilhas, começando pelos inócuos, mas comprometedores “petrovídeos”, nome do vazamento de imagens da campanha de Petro que inundaram a mídia nacional.

A decadente Presidência de Iván Duque tentou reacender os conflitos sociais detendo arbitrariamente jovens envolvidos nos protestos da primavera colombiana de 2019 e alertando para o risco de rebeliões em caso de derrota da esquerda. Petro respondeu à escalada autoritária integrando centristas e conservadores à sua campanha, à imagem do ex-prefeito de Bogotá Antanas Mockus e de Alejandro Gaviria, ex-ministro de Juan Manuel Santos.

Ele fugiu dos blindados e se refugiou junto aos setores populares da Colômbia, passando dias e noites com os pescadores do rio Magdalena ou nos bairros afrodescendentes de Quibdó, perto do litoral pacífico. Nas suas últimas intervenções públicas, ele cumpriu o ritual de fornecer garantias, do qual a direita é quase sempre exonerada, assumindo a responsabilidade fiscal e o respeito à Constituição. No entanto, o questionamento que fez ao processo eleitoral, baseado em argumentos fracos, deixou a desejar.

A conversão do ex-guerrilheiro em garantidor das instituições foi decisiva para garantir a vitória no segundo turno. A vitória apertada aumenta as responsabilidades do futuro presidente. Petro terá de formar um governo com todos os democratas e transformar a mobilização popular em projeto de governo.

O desfecho eleitoral na Colômbia, terceira economia do continente, membro da OCDE e aliado da Otan, vai mudar o destino da América Latina. A eleição de Petro acelera a renovação programática da esquerda no continente, no esteio da vitória de Gabriel Boric no Chile. É com ele e Petro que o futuro governo brasileiro terá de reinventar a integração regional, criar uma estratégia de combate ao aquecimento global que reflita as prioridades do Sul e negociar em uníssono a cooperação industrial e energética com a China.

A dois anos de uma eleição que pode definir o futuro da democracia americana, a América Latina não tinha um minuto a perder com mais um aventureiro.

Folha