Marina apresenta condições para apoiar Lula

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Foto: Vagner Santos/Marina Silva Online

A imagem do Brasil está duramente arranhada no plano internacional devido às críticas à política ambiental conduzida pelo atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). As mortes do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Amazonas, no entanto, elevou o desgaste a uma nova dimensão, e o tema da sustentabilidade voltou a ser tratado com destaque pelos pré-candidatos ao Palácio do Planalto.

Nesse contexto, o apoio eleitoral de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ganhou ainda mais importância para a campanha do ex-presidente para voltar ao Planalto.

Em entrevista ao Metrópoles, Marina expôs suas exigências para considerar declarar apoio ao antigo aliado. Para ela, os partidos precisam primeiro “ter humildade” para compreender o que já se formulou no país em relação ao tema, que passou ao largo da política desempenhada até agora – em vários governos.

“A gente tem uma competência instalada na sociedade que os governos e os partidos precisam ter a humildade de reconhecer. Eles ficaram fora desse debate, e não adianta agora querer inventar a roda. A roda vem sendo inventada há mais de 30 anos”, disse Marina.

“A sociedade brasileira foi capaz de produzir uma inteligência socioambiental muito grande. Dentro de um centro de pesquisa, nas universidades e no próprio poder público, através de funcionários comprometidos e, principalmente, de organizações da sociedade civil e das populações indígenas. Os partidos, na maioria, não foram capazes de acompanhar esse debate, estamos atrasados nisso”, disse.

“Eu tenho procurado acompanhar as manifestações dos candidatos. Eu ainda tenho um olhar bastante preocupado em relação ao tema da sustentabilidade. Ele não está recebendo a devida importância e ênfase, por parte das candidaturas postas no campo democrático, mas eu espero que seja aprofundado cada vez mais”, disse.

As exigências de Marina remontam aos mesmo conflitos que a fizeram abandonar a pasta, o governo de Lula e o próprio PT, partido da qual foi fundadora. Na época, Marina teve embates acalorados com a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, em torno da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. A usina foi responsável pela inundação de áreas indígenas, com prejuizos sócioambientais sérios na região de Altamira e da Volta Grande do rio Xingu.

Dilma, na época, venceu a queda de braço. À Marina, coube o rompimento com o partido e, posteriormente, sua candidatura à Presidência da República, em disputa com Dilma, apadrinhada por Lula – e que acabaria vencedora também nas urnas.

Hoje, para Marina, fundadora da Rede Sustentabilidade, o apoio está condicionado a uma nova postura do petista.

“Essas coisas que deram certo durante a minha gestão foram graças à ação de transformar essas boas experiências em políticas públicas. Agora os candidatos terão que fazer isso também. Não é só receber apoio. Eles têm que também entender o que estão apoiando. Não podem continuar apoiando projetos como Belo Monte (construção da hidrelétrica no Pará). Não podem continar apoiando investimentos como nas hidrelétricas no rio Tapajós. Não podem fazer vistas grossas para grilagem de terras e, mais uma vez, querer fazer regulação fundiária como foi feito em 2009, quando 47 milhões de hectares foram entreguespara pessoas que não deveriam ter recebido esses títulos”, disse Marina.

“Agora, novamente, a mesma coisa. Os candidatos estão dizendo que a agenda da mudança climática é importante, mas terão que traduzir isso em planos de desenvolvimento econômico sustentável na questão da produção energética, no uso correto da biodiversidade, na manutenção das florestas em pé, e principalmente, ser capaz de fazer com que esse país seja o país da agricultura de baixo carbono, que não derrube mais floresta para poder aumentar sua produção, mas use de tecnologias que já estão disponíveis na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), para crescer em termos agrícolas por aumento de produtividade. Todos esses investimentos precisam ficar bem claros no programa de governo.”, disse a ex-ministra.

Marina disse que ainda não tem uma conversa marcada com Lula, e que os dois se falaram pela última vez quando o petista perdeu sua mulher, Marisa Letícia, e ela perdeu o pai. Ela disse, no entanto, estar aberta ao diálogo, apesar das divergências que os dois guardam.

“As últimas vezes que nós conversamos foram quando a dona Marisa faleceu e quando meu pai faleceu. Nós nos telefonamos. E também quando ele esteve fazendo o tratamento dele, quando estava fazendo a quimioterapia”, contou.

“Mas o que eu tenho dito é que eu sou aberta ao diálogo no campo democrático. Discutir ideias para discutir propostas, respeitando as diferenças, as divergências, que são naturais”, disse Marina.

“Até porque, se não existissem divergências, eu não teria saído do governo do PT, não teria sido candidata por três vezes. Então, no terreno da democracia, a gente conversa, a gente conversa em cima de propostas e eu tenho uma visão do Brasil”, afirmou.

“Dialogar tem que ser sabendo que existem diferenças, mas que nas diferenças a gente pode buscar convergências, o que não significa que se tenha que dar apoios incondicionais. Em política, a base de qualquer apoio é programa, é ideia, é compromisso com agendas que são importantes e estratégicas para o desenvolvimento econômico social e a proteção ambiental.”

Marina disse esperar mais ênfase no compromisso a ser assumido em torno da sustentabilidade pelos candidatos do campo democrático.

“Não tem como contar com Bolsonaro, que é negacionista e não tem compromisso com a realidade, nesse debate. Mas todos os [demais] candidatos terão que assumir publicamente esses compromissos, legitimar essas agendas no processo eleitoral, exatamente para que aquele que for o vencedor esteja devidamente respaldado para implementar o seu programa”, disse.

“O debate é público, transparente. Eu estou me posicionando o tempo todo. Eu participei de três campanhas, todas elas com programas que foram apresentados publicamente com propostas que vão na direção dessas questões que eu acabei de mencionar”, destacou.

Marina disse ainda que tem pensado o próximo governo como uma transição entre o total desmantelamento causado por Bolsonaro e uma nova perspectiva para a democracia brasileira. Essa nova perspectiva, segundo Marina, não pode ser capturada por apenas um partido.

“Eu acho que neste momento é fundamental que se tenha a compreensão de que o próximo governo não será um governo de um partido, com o programa de um partido. Será um governo de transição do povo brasileiro, com um programa que é daqueles construídos por empresários, trabalhadores, homens, mulheres, pretos, formadores de opinião. Todos estão dispostos a reconstruir o Brasil da guerra que o Bolsonaro faz contra o meio ambiente, a educação, a saúde, a ciência, a tecnologia e a democracia. Acho que é um governo de transição, e é com esse espírito que eu me disponho ao diálogo”, destacou.

Ao falar sobre o apoio já fechado à candidatura de Fernando Haddad (PT), em São Paulo, a ex-ministra apontou que trabalha com a ideia de se candidatar a uma vaga na Câmara. Ela não descarta a possibilidade de compor a chapa com o ex-prefeito, mas alerta que vem trabalhando para que essa vaga seja oferecida ao PSB, em nome da união dos partidos de centro-esquerda no estado.

Isso pressupõe a desistência de Márcio França da corrida pelo Palácio dos Bandeirantes, sede do governo local.

“O que a Rede, o candidato Fernando Haddad, o PSol, os outros partidos, como o PV e o PCdoB, estão debatendo é a necessidade de que o campo democrático saia unido aqui em São Paulo, para poder fazer esse esforço de alternância de poder, que há mais de 30 anos vem sendo exercido pelo mesmo partido”, disse Marina.

“Eu me somo a esses esforços eu espero que o PSB, com o ex-governador Márcio França, venha somar junto a esse campo que já está em diálogo, para que a gente possa ter um projeto vitorioso em cima de um programa, que não é de apenas de um candidato, é um programa voltado para que São Paulo, de fato, dê uma contribuição para si mesmo, porque é um dos estados mais ricos e com maior base de desenvolvimento econômico, tecnológico e de recursos humanos do país”, destacou.

“Eu estou me propondo a esse diálogo e terei que tomar essa decisão até o fim deste mês”, destacou. Mas é preciso que se faça todos os esforços para que o PSB esteja também nessa conformação política, social e de programa para o estado de São Paulo.”

Metrópoles