ONU vem ao Brasil investigar violência policial

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Foto: Reprodução

O órgão criado pela ONU (Organização das Nações Unidas) para examinar o racismo e a violência policial depois do assassinato do americano George Floyd agora irá avaliar a situação brasileira, principalmente depois dos casos da chacina em Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e da morte de Genivaldo Santos, asfixiado pela polícia.

Nesta semana, a denúncia foi entregue pela Comissão Arns, num esforço da entidade formada por alguns dos maiores especialistas em direitos humanos no Brasil para buscar, no exterior, pressão sobre a deterioração da violência policial no país.

O mecanismo independente da ONU sobre racismo e violência das forças de ordem foi estabelecido no final de 2021 e é um dos principais resultados do processo que eclodiu no cenário internacional diante da morte de Floyd, por um policial americano, em 2020.

Os três peritos do novo órgão —a sul-africana Yvonne Mokgoro, a americana Tracie Keesee e o argentino Juan Méndez— receberam a denúncia contra a polícia brasileira, num documento que revela que os atos na Vila Cruzeiro não são isolados. O levantamento aponta que, se a crise na segurança é mais antiga, ela ganhou um novo componente com o discurso de Jair Bolsonaro em defesa da ação da polícia.

O grupo de ativistas pediu aos relatores da ONU e ao novo mecanismo que pressionem o governo brasileiro para que realize uma “investigação rápida e imparcial dos assassinatos”. Na carta, a entidade cita ainda a “necessidade de preservar as evidências das cenas do crime, a fim de elucidar, tanto quanto possível, a hipótese de execuções sumárias”.

A ONU ainda é solicitada a “elaborar uma análise minuciosa da discriminação racial envolvida no massacre, e apresentar medidas para erradicar as causas subjacentes que levam à execução desproporcional de pessoas de ascendência africana pelas forças policiais”.

Também é solicitado que a entidade pressione o governo brasileiro sobre “a necessidade de refletir estruturalmente sobre outras abordagens que erradicam a prática das execuções pelas forças policiais, em particular contra pessoas de ascendência africana que vivem em áreas desprivilegiadas”.

Pede-se ainda que as autoridades prestem “desculpas formais” diante das mortes e da ofensiva. “Os massacres passaram a fazer parte do cotidiano da população pobre e negra da região do Grande Rio de Janeiro, afetando muitos dos bairros mais pobres e negros desta região metropolitana”, alertam.

A iniciativa confirma o pior dos cenários para o governo brasileiro. Em 2020, quando o debate sobre Floyd desembarcou na ONU, o governo brasileiro saiu ao resgate do então presidente Donald Trump.

Numa reunião extraordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU convocada para debater a violência policial e o racismo diante da morte de George Floyd, o governo brasileiro não dirigiu sequer uma palavra de apoio à família da vítima e não citou os protestos pelas ruas que aconteciam naqueles dias em todo o mundo. No seu lugar, preferiu indicar que era necessário também reconhecer o papel da polícia.

Naquele momento, o Brasil foi um dos países que sinalizou que o resultado final do encontro não deveria ser o de apontar o dedo apenas para um só país, numa estratégia para garantir que uma eventual resolução fosse diluída. “O racismo não é exclusivo a nenhuma região específica”, afirmou a então embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo. “Nenhum país deve ser singularizado nesse aspecto”, defendeu.

Ela também adotou uma postura de reconhecimento do papel da polícia, amplamente criticada em praticamente todos os demais discursos dos outros países. “A discriminação racial na ação policial não deve ser tolerada em nenhum lugar do planeta. Admitir essa verdade deve nos fornecer uma base sólida para as melhorias necessárias”, disse. Mas completou: “a conscientização é tão importante quanto reconhecer o papel indispensável das forças policiais para garantir a segurança pública e proteger o direito a uma existência pacífica e segura, o direito à própria vida”.

O governo brasileiro não aderiu a uma declaração conjunta de vários países latino-americanos que alertaram que o estado tem “responsabilidades” diante de crimes. O grupo que contou com Argentina, México, Uruguai e vários outros ainda criticou o “abuso de força policial” e pediu que governos estabeleçam “diálogo com sociedade civil”.

A resistência brasileira atendia a duas lógicas. A primeira delas se referia à aliança entre Brasília e a Casa Branca. Mas o governo brasileiro também temia que, se aprovada, a criação de uma comissão de inquérito também poderia analisar o comportamento da polícia brasileira, alvo de duras críticas internacionais. No Planalto, a ideia de colocar em questão a atuação das forças policiais estava fora de questão.

Menos de dois anos depois, é o próprio governo Bolsonaro que poderá sentir as repercussões de Floyd.

Uol