Bolsonaro dribla licitação e dá contrato a empresa suspeita

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Foto: Antonio Molina/Folhapress

A Secretaria Especial de Comunicação do governo de Jair Bolsonaro (PL) passou por cima de uma investigação do TCU (Tribunal de Contas da União) e fechou contrato de R$ 450 milhões em uma licitação que estava sob apuração da corte por suspeita de favorecimento à empresa vencedora.

O ministro Weder de Oliveira, relator do caso no TCU, havia pedido a suspensão da licitação em que a Calia/Y2 Propaganda e Marketing teve as melhores notas para realizar serviços de publicidade sobre ações do governo.

A medida cautelar para interromper o processo havia sido tomada por Oliveira no último dia 15 de junho para que os indícios de irregularidades fossem apurados pelo tribunal com maior profundidade e que eventuais danos ao processo fossem evitados.

Porém, no dia 21 seguinte, véspera da sessão plenária em que a decisão seria submetida para confirmação ou não pelos demais integrantes do tribunal, representantes da Secom solicitaram reunião de urgência no gabinete do ministro a pedido da AGU (Advocacia-Geral da União), na qual lhe foi informado que o contrato já havia sido firmado no dia 25 de maio.

Nestes casos, não é possível aplicar multa ao órgão por descumprimento da medida porque a finalização da licitação aconteceu quando o tribunal ainda estava analisando as informações recebidas para então decidir se manteria ou não a suspensão do processo.

Na sessão plenária, o ministro se queixou da atitude do governo. Disse que a Secom se omitiu por quase um mês em dar essa informação ao TCU, deixando que a Selog (Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas), unidade encarregada da instrução processual do tribunal, concluísse sua instrução sem estas informações.

A Secom sabia desde o dia 9 de maio que o certame estava sendo questionado pelo tribunal, mas não forneceu este dado ao processo durante as oitivas do TCU. ​

“A conduta observada (pela Secom) foi oposta à esperada por esta Corte, de prudência e colaboração: o procedimento licitatório foi encerrado rapidamente, na vigência do prazo para manifestação em oitiva prévia, omitindo-se o órgão de prestar a este tribunal essa informação de suma importância, sem qualquer justificativa, tanto para a omissão, quanto para a homologação célere”, afirmou Oliveira.

O ministro acrescentou que tal “conduta reprovável não é usual, mas não é a primeira vez que ocorre”. Ele disse que, em outras oportunidades, out ros relatores do TCU já reportaram situações análogas.

Citou que, diante de representação ou denúncia em que o tribunal pede medida cautelar que suspenda processo licitatório, o órgão governamental aproveita-se, injustificadamente, do período de oitiva prévia para concluir o procedimento sobre o qual paira alegação de ilegalidade.

“Situações como essa que trago ao conhecimento de Vossas Excelências são deletérias e corroem a confiança na colaboração mútua entre controlador e controlado e nos tornam reticentes acerca da possibilidade de conceder prazos que, ao invés de contribuir para desejados esclarecimentos, podem ser utilizados para consumar os fatos e frustrar a eficácia das deliberações desta Corte”, afirmou o ministro.

A denúncia que chegou ao TCU questionando a licitação citava um suposto vínculo conjugal entre a diretora de atendimento da Calia, Alessandra Matschinski, e Peter Erik Kummer, então subsecretário de Gestão e Normas da Secom.

Os técnicos do tribunal lembraram que Kummer foi exonerado da pasta, em publicação no Diário Oficial, um dia antes do caso ser veiculado no portal do Jornal GGN, em 24 de março deste ano.

Além disso, o TCU encontrou indícios de que a avaliação das propostas técnicas das empresas que participaram da licitação se deu de forma coletiva pelos membros da subcomissão técnica da Secom, e não de forma individual, como determina a legislação.

De acordo com o edital, os membros da subcomissão deveriam fazer uma avaliação individualizada das propostas apresentadas, para que a pontuação final de cada licitante correspondesse à média aritmética dos pontos atribuídos por cada avaliado.

Porém, segundo os técnicos, houve grande semelhança entre as notas atribuídas às empresas concorrentes. Isso, segundo o tribunal, macularia a concorrência, pois a avaliação se deu de forma coletiva, “com as notas previamente acertadas, muito provavelmente em razão das discussões em grupo que transcorreram na sessão”.

“Por exemplo, na Proposta 2: ‘Brasil. 200 Anos de Independência. O Futuro Escrito em Verde e Amarelo’, as notas para ‘raciocínio básico’ (8,47), ‘estratégia de comunicação publicitária” (14,17) e ‘estratégia de mídia e não mídia” (9,24) foram todas idênticas entre os avaliadores. Só houve variação na ‘ideia criativa’, mesmo assim, apenas por um dos avaliadores, com 11,29 pontos, ao passo que os outros dois atribuíram 11,64 pontos”, escreveram.

Por isso, Oliveira havia determinado a suspensão do andamento da concorrência, até que o tribunal deliberasse sobre o mérito do caso.

Procuradas por ​e-mail e por telefone, a Secom e a Calia não se pronunciaram sobre o caso. O caso segue em análise no tribunal. Peter Kummer também foi procurado por meio de seu escritório, mas não respondeu.

No ano passado, a Calia foi alvo da CPI da Covid no Senado, que pediu a quebra de sigilo telefônico e fiscal da empresa para apurar se houve dinheiro público destinado às campanhas de comunicação na pandemia usado para financiar sites e plataformas de apoiadores de Jair Bolsonaro que produzem e divulgam fake news.

A Polícia Federal também incluiu a Calia entre as empresas de publicidade contratadas pelo governo investigadas no financiamento e realização de atos antidemocráticos.

Embora estas ações tenham ocorrido em licitações firmadas ainda em governos anteriores, as agências mantiveram os contratos na gestão do ex-secretário de Comunicação do governo Fabio Wajngarten, no primeiro ano do mandato de Bolsonaro.

Folha