Brasil tem surto de”pesquisas” falsas

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Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

Pesquisas eleitorais e empresas do setor se tornaram alvos preferenciais nas redes sociais da base do presidente Jair Bolsonaro (PL), pré-candidato à reeleição. A tática, que ganha força à medida que o pleito se aproxima, passa pela circulação de dados falsos sobre intenções de voto, ataques diretos à credibilidade dos institutos e pela divulgação de enquetes sem valor estatístico e fotos de multidões como forma de medir a popularidade do presidente. Em paralelo, em menor número, políticos de diferentes partidos já começam a exibir resultados distorcidos para favorecer aliados e suas pré-candidaturas.

Um caso recente é o de uma pesquisa falsa atribuída ao Paraná Pesquisas apontando Bolsonaro com mais de 70% das intenções de votos em oito dos 27 estados — os resultados foram desmentidos pelo próprio instituto. A publicação, que se espalhou em aplicativos de mensagem, afirma que Bolsonaro venceria no primeiro turno.

Um levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV), a pedido do GLOBO, aponta que, entre 1º de junho e 5 de julho, a mensagem apareceu 35 vezes em 25 grupos de WhatsApp, em um universo de 172 grupos públicos monitorados. Além disso, 91,4% das aparições ocorreram nas duas últimas semanas de análise.

Diretor de análises públicas da FGV, Marco Aurélio Ruediger alerta para o componente emocional da distorção de dados:

— Os números não estão ali para serem precisos, mas para mexer com a emoção das pessoas. Não é para fazer o eleitor pensar, é para que ele pegue essa informação falsa, acredite e compartilhe com os amigos.

Em outro episódio, o Datafolha apareceu como fonte em uma postagem falsa no WhatsApp que apontava Lula atrás de Bolsonaro no Rio, o oposto do dado oficial. No mês passado, também circularam mensagens enganosas sobre um áudio atribuído a Mauro Paulino, ex-diretor do instituto, no qual ele confessaria um plano para fraudar as urnas eletrônicas. O áudio, na verdade, foi gravado por um canal humorístico. O instituto terá um espaço no próprio site para desmentir casos de desinformação.

Dados da DAPP/FGV revelam também que há alta circulação no Facebook de posts com links de enquetes enviesadas sobre a disputa presidencial. Embora não tenham a proposta de se equiparar a uma pesquisa eleitoral e façam esse alerta em suas páginas, os levantamentos online têm sido divulgados como forma de contestar os institutos. Uma delas, a do site Eleições ao Vivo, já gerou mais de 1 milhão de curtidas, compartilhamentos e comentários desde que foi lançada, em 2020. O resultado da enquete, atualizada em tempo real e compartilhada majoritariamente por apoiadores do presidente, aponta Bolsonaro com 70% dos votos. O Datafolha mais recente mostrou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 47% das intenções de voto, contra 28% de Bolsonaro.

Com mais de 98 mil inscritos em seu canal no YouTube e 81 mil seguidores no Facebook, o bolsonarista Adonias Soares foi um dos que mais difundiram a enquete. Em uma transmissão ao vivo no dia 4 de julho, ele lançou dúvidas sobre o resultado de um levantamento do Paraná Pesquisas em São Paulo, que mostrou percentual próximo de intenções de voto entre Bolsonaro e Lula, ao mesmo tempo que indicou o Eleições ao Vivo a seus seguidores, ressaltando a dianteira do presidente. A postagem teve 160 mil visualizações só no Facebook.

Outro site de enquete é o Realidade do Povo, que somou 480 mil interações nos últimos dois meses, segundo a DAPP/FGV. Administrador da plataforma, Márcio Santine diz que não é responsável pela circulação tendenciosa nas redes.

— Está bem claro que são enquetes. Sabemos que há todo um estudo científico por trás das pesquisas. Infelizmente, não tem como controlar.

FORMAS DE DESINFORMAÇÃO

Enquetes sem valor estatístico são divulgadas por apoiadores de Bolsonaro — Foto: Reprodução

A base bolsonarista passou a divulgar enquetes sem valor estatístico para medir a popularidade do presidente. O youtuber Adonias Soares é um dos que compartilharam a enquete “Eleições ao Vivo” a seus seguidores como fonte para medir intenções de voto. Em um vídeo com 160 mil visualizações no Facebook, ele lança dúvida sobre o resultado de uma pesquisa feita pelo Paraná Pesquisas em São Paulo.

Somente entre 1º de maio e 13 de julho, foram contabilizadas mais de 400 mil interações em postagens no Facebook sobre a mesma enquete, segundo levantamento da DAPP/FGV. Outro exemplo é a enquete “Realidade do Povo”, que somou nos últimos meses 480 mil interações na rede.

FAKE NEWS SOBRE RESULTADOS

Fake news sobre resultados de pesquisas também fazem parte de estratégia de desinformação — Foto: Reprodução

Uma das mensagens que circulou recentemente foi uma pesquisa falsa atribuída ao Instituto Paraná Pesquisas que apontava Bolsonaro com mais de 70% das intenções de votos em 8 dos 27 estados brasileiros. A Dapp/FGV identificou 35 postagens em 25 grupos com a fake news entre 172 grupos públicos de WhatsApp monitorados entre junho e julho.

ATAQUES A INSTITUTOS E EMPRESAS DE PESQUISA

Post do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) colocando em xeque credibilidade de pesquisas — Foto: Reprodução

Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tem usado suas redes para atacar a Quaest e o Datafolha. Em um vídeo com 224 mil visualizações, ele lançou dúvidas sem fundamento sobre a metodologia da Quaest.

O pastor Silas Malafaia também tem levantando suspeitas sobre pesquisas eleitorais — Foto: Reprodução

O pastor Silas Malafaia também usou suas redes para mirar a medição do voto evangélico pelo Datafolha. Foram 183 mil visualizações só no Facebook.

O ex-ministro Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), pré-candidato ao Senado, criticou pesquisas que não o colocam na dianteira — Foto: Reprodução

O ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, pré-candidato ao Senado em Minas, patrocinou um post em que diz que “pesquisa é uma mentirada” e reproduz resultados da Quaest.

FOTOS DE MULTIDÕES PARA CONTESTAR PESQUISAS

Ministro Luiz Eduardo Ramos fez publicação com enfoque na adesão de público a ato bolsonarista — Foto: Reprodução

Entre 1º e 13 de julho, foram registradas 54.100 publicações no Twitter e 10.928 no Facebook com menções a “datapovo”. O termo, que começou com a direita, passou a ser usado também pela esquerda para marcar apoio popular.

Postagem compartilhada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) usa registros de manifestações para tentar contestar pesquisas — Foto: Reprodução

No mês passado, o senador Flávio Bolsonaro usou imagens de multidões a favor de Bolsonaro para atacar o Datafolha. A postagem teve 121 mil curtidas no Instagram.

DISTORÇÃO DE RESULTADOS

Parlamentares petistas compartilharam postagem com leitura enganosa sobre pesquisa eleitoral em Minas — Foto: Reprodução

Parlamentares e pré-candidatos de diferentes espectros também passaram divulgar dados de pesquisa de forma equivocada.

O senador Humberto Costa (PT) e o ex-deputado federal Marco Maia (PT) compartilharam números da Genial/Quaest dizendo que Lula “disparou” e “cresceu” em Minas Gerais ao marcar 46% de intenções de votos. Os dados da pesquisa, no entanto, mostram que não houve variação fora da margem de erro.

Governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB) usou recortes diferentes de pesquisa para dar a impressão de ter dobrado intenções de voto — Foto: Reprodução

Outro caso é do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB). Em um post que chegou a ser patrocinado no Facebook, ele compara resultados de cenários diferentes, com e sem Márcio França, para dar impressão de que suas intenções de voto dobraram segundo o Datafolha, quando na verdade passaram de 11% para 13%.

Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), Duilio Novaes diz que a pesquisa é a “bola da vez” entre as redes de fake news. Ele explica que, no caso das enquetes, não há preocupação com a representatividade da amostra, ou seja, sobre o perfil de quem responde à consulta online e, por isso, ela não tem validade estatística.

O uso de imagens também faz parte da narrativa de desconstrução dos levantamentos. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), por exemplo, comparou fotos de atos a favor do presidente e de Lula, reproduzindo ironicamente os percentuais da última pesquisa do instituto. “Datafolha? Pode confiar!”, escreveu.

Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fez há duas semanas uma live na qual mirou a pesquisa Genial/Quaest. Na publicação, ele faz críticas sem fundamentos à metodologia da empresa, argumentando que foram escolhidos locais do Maranhão em que Bolsonaro não venceu nas eleições de 2018 para fazer as entrevistas. Os dados sobre a amostra da pesquisa, no entanto, revelam que as votações no conjunto de cidades escolhidas para o levantamento refletem os resultados da eleição passada: em 70% dos municípios visitados pela Quaest, Bolsonaro venceu em 2018.

Outro caso que chama a atenção é o do ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, nome do presidente ao Senado em Minas. Ele patrocinou em 12 de julho três postagens no Facebook, com gastos entre R$ 2 mil e R$ 2,5 mil, segundo a biblioteca de anúncios da plataforma, dizendo “que pesquisa é uma mentirada danada”, em referência ao levantamento da Genial/Quaest em que aparece atrás do candidato apoiado por Lula. O anúncio foi exposto até 60 mil vezes na rede social.

Na oposição, também há registro de distorções na divulgação de resultados de pesquisa, embora não haja ataques aos institutos e empresas do setor, como no campo bolsonarista. O senador Humberto Costa (PT) e o ex-deputado federal Marco Maia (PT) compartilharam uma pesquisa Genial/Quaest com a afirmação de que Lula “disparou” e “cresceu” em Minas Gerais ao marcar 46% de intenções de votos. Os dados do levantamento, no entanto, mostram que não houve variação fora da margem de erro entre as últimas pesquisas.

Outro caso é do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB). Em um post que chegou a ser patrocinado no Facebook, ele compara resultados de cenários diferentes do Datafolha, com e sem Márcio França (PSB), para dar impressão de que suas intenções de voto dobraram. Em nota, Garcia afirmou que os números divulgados “retratam a verdade em dois momentos”. Humberto Costa não respondeu.

O Globo