Pesquisador americano explica como pesquisas podem falhar

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Foto: Reprodução

Membro da Associação Americana para Pesquisa em Opinião Pública (AAPOR, na sigla em inglês) e diretor de amostras no lendário Institute for Social Research da Universidade de Michigan, uma das escolas mais tradicionais da área no mundo, o estatístico Raphael Nishimura enxerga dois grandes desafios para o setor no Brasil: credibilidade e método, ambos relacionados. O primeiro, é combater campanhas de desinformação que atingem eleitores principalmente de políticos que buscam deslegitimar as pesquisas; o segundo, mostrar o que os pesquisadores fazem, seus métodos e seriedade envolvidos. Brasileiro radicado nos Estados Unidos, Nishimura desfaz mitos e explica, em entrevista ao Pulso, como campanhas políticas contra pesquisas podem criar tendências de não resposta para grupos radicalizados.

Assim como a imprensa e outras instituições, o campo da opinião pública vem sendo alvo de campanhas de desinformação. O senhor vê similaridades entre o Brasil e os EUA?

Figuras políticas apresentam versões de que grupos, “as elites” de certa forma, não querem trazer a verdade para a opinião pública. Principalmente em anos eleitorais, quando os resultados não estão favoráveis a eles. Tanto nos EUA quanto no Brasil, nós, da comunidade que trabalha com isso, devemos responder e mostrar a seriedade do nosso trabalho para a população de forma geral dizendo que não existe intenção alguma de ter viés para qualquer lado.

As eleições americanas de 2016 foram o estopim para essas campanhas, uma vez que determinados segmentos foram subestimados nas amostras, dando margem às narrativas de manipulação de resultado, o que aconteceu de lá para cá?

A AAPOR fez um enorme esforço para entender o que aconteceu em 2016 e depois em 2020. Uma das hipóteses para 2020, quando esperava-se uma diferença um pouco maior de Joe Biden para Donald Trump, foi que parte do eleitorado de Trump rejeita pesquisas de opinião, com taxas de respostas menores do que a de outros candidatos. A maioria das pesquisas nos EUA procura controlar e ajustar republicanos e democratas, além das diferenças entre republicanos de Trump e os republicanos moderados. Isso acaba causando um grande problema para as pesquisas, que chamamos de viés de não resposta, que é muito difícil de ser ajustado.

E como reagir a esse viés?

De forma geral, sabemos que quem tem escolaridade maior responde mais. Isso nunca foi um grande problema porque, nos EUA, não existia uma relação direta entre escolaridade e voto. Mas, em 2016, vimos uma forte associação com maior escolaridade e votos em Hillary Clinton. Alguns institutos que faziam pesquisas estaduais não controlavam a variável de escolaridade. Se tivessem ajustado por ponderação ou controle na amostra, os resultados seriam bem diferentes, principalmente em estados-chave como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. O relatório da AAPOR deixou isso claro sobre as eleições de 2016. Mas esse outro viés, o fato de eleitores de Trump terem menor taxa de resposta, é um tremendo problema metodológico, que acaba subestimando o voto nele. E gera um ciclo vicioso com um político como o Trump ou Jair Bolsonaro, porque eles dizem que as pesquisas são manipuladas. Parte do eleitorado compra isso e, não querendo responder, causa um viés nas pesquisas difícil de ser corrigido. É algo que fica se retroalimentando.

Com esse sistema em operação e contra as pesquisas, como explicá-las e torná-las críveis?

Eu até brinco. Existem três fases das pessoas que pensam e estudam o assunto: a primeira é a dos que não conhecem estatística e são totalmente céticos com as pesquisas. A segunda é quando o sujeito aprende um pouco sobre estatística mas tem uma crença ingênua. E, na terceira etapa, você entende todos os problemas que existem com pesquisas, seja com amostras ou até conduta de entrevistadores. Aí você vira um cético, mas conhecedor. Só no doutorado eu cheguei à terceira fase.

Para o grande público, como provar que 2.000 pessoas podem espelhar 150 milhões?

Nosso objetivo não é ter a estimativa mais perfeita sem nenhum erro. Nós queremos, sim, reduzi-lo. Experimentar uma colher da sopa para saber se está toda salgada ou não. Alguém precisa tirar o sangue inteiro do corpo para ter resultados de exames? Basta uma pequena amostra. Basicamente a ideia da pesquisa é a mesma. Mas, às vezes, esses exemplos não funcionam bem porque você precisa mexer a sopa e o sangue é bem homogêneo. E a população é heterogênea, com diferentes etnias, culturas, ideias políticas. Acontece que, para a medição da pesquisa, o intervalo de possibilidades é relativamente pequeno. Zero e um, candidato A ou B. Então as amostras das pesquisas nacionais usam técnicas e são estratificadas por região, escolaridade, sexo, idade, renda… Todas as pesquisas controlam. O que me traz mais confiança: mais importante do que o tamanho da amostra é a metodologia geral da pesquisa. Como a amostra dos entrevistados foi selecionada e quais são os protocolos para minimizar os erros não amostrais. Como metodologista, tenho preferência pelas pesquisas presenciais e domiciliares, mas cada técnica tem vantagens e desvantagens.

A explicação sobre os métodos é mais técnica, e os eleitores podem se desinteressar pelo assunto. Qual é o melhor conselho para quem tenta entender as pesquisas de opinião?

Primeiro: as empresas e os profissionais são como qualquer outra área. Há muita gente séria procurando fazer o seu melhor trabalho. Como todas as outras áreas, haverá pontos fora da curva. Se um agiu de má-fé, não quer dizer que todos agirão. Há empresas minúsculas que são fachada para caixa dois. Existem nesta e em outras áreas. Mas a maioria das empresas já conhecidas é séria. Apesar de usar estatística, as pesquisas não são ciências exatas. Estamos sempre procurando minimizar as fontes de erro. As estimativas produzidas pelos institutos podem não ser perfeitas, mas tendem a apresentar o retrato do que está acontecendo naquele momento. Nunca use pesquisas para fazer projeção do dia da eleição. As coisas mudam, a campanha tem impacto nas preferências. Veja as pesquisas sempre como um todo.

E o que o senhor diria para as empresas brasileiras?

Já venho batendo nessa tecla há um tempo: apesar de o voto ser obrigatório no Brasil, as taxas de abstenção são relativamente altas. Os institutos do Brasil deveriam ter começado alguma espécie de modelo para identificar quem de fato vai votar e quem não vai. Aqui nos EUA, as empresas já fazem isso. Quem está mais perto de votar e quem não está? Com isso, teremos retratos mais próximos da realidade. Ninguém faz isso no Brasil.

O Globo