Temer diz que ‘bondades’ de Bolsonaro derivam de “emergência eleitoral”

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Foto: Edilson Dantas / O Globo

O ex-presidente Michel Temer avalia que a “emergência eleitoral” foi determinante para que o governo patrocinasse a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece uma série de benefícios a três meses das eleições, em um movimento que driblou vedações impostas pela lei e que, somado a outras iniciativas, levou a conta de recursos despejados em prol da reeleição para R$ 343 bilhões.

O emedebista, que já foi consultado pelo presidente Jair Bolsonaro para evitar a escalada das tensões entre Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, conta que não mantém mais canal formal de conversas com o chefe do Executivo — e, no outro lado do espectro político, tampouco conversa com o ex-presidente Lula. Temer diz não ter nada contra o petista, mas enfatiza que é difícil manter um diálogo por conta das críticas que recebe dos apoiadores — que o chamam de golpista — e dos ataques do presidenciável a medidas aprovadas durante seu governo, como o teto de gastos e a reforma trabalhista.

O emedebista, no entanto, reconhece que a atual gestão também afronta ações levadas adiante sob a Presidência do MDB — a PEC eleitoral é um claro furo ao teto de gastos, diz o ex-presidente — e, por isso, ele afirma que Bolsonaro e Lula caminham numa trilha “populista”.

O senhor vê desrespeito à lei na PEC aprovada no Senado que permite ao presidente Jair Bolsonaro conceder um pacote bilionário de benefícios pouco antes da eleição?

A Constituição prevê determinadas hipóteses emergenciais. Entre elas, o estado de emergência, o estado de sítio e o estado de defesa. Portanto, juridicamente previstos no sistema normativo. A suposição é de que elas só serão utilizadas em momentos de situações de instabilidade no país. Não vejo isso. Eu vejo uma questão relativa à miséria que assola o país. Evidentemente que a razão do estado de emergência foi em função do período eleitoral. Como não se pode fazer entregas ou benesses durante o período eleitoral, a solução juridicamente foi estabelecer o estado de emergência. Então, juridicamente não há impedimento. Agora, se pode discutir politicamente.

Pareceu ser uma emergência política.

Tudo indica que se trata de uma emergência eleitoral, ainda que tenha uma razão social. Não se pode negar a razão social num país onde há quase 30 milhões de pessoas carentes. Agora, o objetivo é que pode ser criticado. O que foi feito agora no Senado visa precisamente a furar o teto e sem o empecilho eleitoral.

Qual sua opinião sobre o orçamento secreto?

É inconstitucional. Porque o princípio da constituição é da publicidade de todos os atos públicos. É um princípio que permeia todo o texto constitucional. Não pode ter coisas secretas em matéria orçamentária.

Petistas falam em rever reformas de sua gestão, e o governo atual quer furar o teto. O petismo e o bolsonarismo caminham no mesmo cenário?

Digamos que ele estão se unindo nesse ponto. Que é um ponto populista. O que tem havido nesta coincidência é exatamente gestos populistas.

Concorda com a leitura de que o ex-presidente Lula está ao lado da democracia e de que Bolsonaro representa risco ao regime?

Não. Pela confiança que eu tive como presidente da Câmara, vice-presidente e presidente da República, sei que as Forças Armadas não querem golpe. Por mais que se fale tudo isso, eu acho que este falar é eleitoreiro. Não é real.

Acha que o Bolsonaro aceitaria uma derrota?

Eu não o conheço na intimidade. Tive alguns poucos contatos com ele, para ajudar o Brasil. Não foi para ajudar a pessoa do presidente. Foi para passar a ideia da harmonia e da estabilidade das instituições. Eu falo isto porque a Constituição assim o determina. Toda vez que as autoridades descumprem esse preceito, estão cometendo uma inconstitucionalidade. Não acho que vamos romper com as instituições. Posso estar redondamente enganado.

O senhor se decepciona com a atitude do governo Bolsonaro de querer passar por cima do teto de gastos?

É claro que toda vez que tentam derrubar o nosso legado, eu percebo como algo inadequado.

Mantém contato com Bolsonaro?

Confesso que não. O último contato que tive com ele foi naquele 7 de setembro.

E quanto ao presidente Lula, vê possibilidade de estabelecer diálogo com o PT? O senhor esteve com o ex-governador Geraldo Alckmin, vice na chapa.

Alckmin veio me visitar delicadamente dizendo que era uma visita de cortesia para dar um abraço. E só ao final mencionou a reforma trabalhista e disse: “Olha, faremos uma ou outra revisão, se for preciso”. Foi o único ponto em que ele tocou. Agora, fica difícil manter um diálogo transparente quando se diz que foi golpe. Não posso concordar com quem afirma que quem fez a reforma trabalhista tem uma mentalidade escravocrata (a frase foi dita por Lula). Com quem diz que a Lei das Estatais não deve valer (a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, fez críticas recentes à legislação). O diálogo fica difícil.

Mas não fica difícil para o senhor concordar com Bolsonaro, já que o governo atual está passando por cima do seu legado?

Por isso a minha candidata é a Simone Tebet.

Ela enfrenta resistência no MDB, e muitos líderes vão apoiar outros nomes.

O que é mais ou menos tradicional no MDB. Uma boa parte do Nordeste sempre apoiou a candidatura do ex-presidente Lula. Claro que os candidatos lá percebem que Lula tem muito prestígio. Os partidos deliberam de acordo com as localidades.

Ao longo da conversa de terceira via, o nome do senhor foi citado. Não empolgou?

Eu sempre tomei isso como um reconhecimento ao meu governo. Tenho mais prestígio hoje do que tinha quando era presidente. Muitas vezes as pessoas dizem que eu deveria ser o candidato. Se houvesse um movimento nacional, eu poderia pensar no assunto. Mas isso não existe. Desde que eu deixei a Presidência, o meu horizonte são as palestras e pareceres na advocacia.

O senhor votaria no Bolsonaro num segundo turno com Lula?

Não é verdade. Não tenho nada contra o Lula. Acho que ele fala para a base. E para agradar diz essas coisas que falamos aqui como “golpe, escravocrata” e ameaça acabar com o teto de gastos. Então, dizem que a partir daí eu votaria no Bolsonaro. Mas eu nunca declarei que votaria nele. Significa que eu não possa votar nele? Não significa. Eu não sei o que pode vir a acontecer.

O Globo