Bolsonarismo declara guerra a pesquisas eleitorais

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Foto: Reprodução

Não é apenas a confiabilidade das urnas eletrônicas que está sendo questionada: a confiabilidade das pesquisas eleitorais também está. O motivo não surpreende: pesquisas eleitorais têm sistematicamente respaldado o resultado das eleições. Em algumas delas, oscilações súbitas nos dias que precedem a votação surpreendem, mas os resultados das pesquisas de boca de urna sempre coincidem com o resultado da Justiça Eleitoral.

Na semana passada o apresentador Ratinho lançou uma enquete no seu programa perguntando se o público acreditava em pesquisas eleitorais. A pergunta parece inusitada, mas faz parte de uma campanha ampla que coloca em dúvida a credibilidade das pesquisas de intenção de voto. Fato curioso: essas pesquisas indicam que o filho do apresentador, o governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), deve se reeleger no primeiro turno, com 52% dos votos.

Nas mídias sociais e nos aplicativos de mensagem, uma profusão de vídeos, áudios e textos atacam a confiabilidade das pesquisas. Um desses vídeos, muito difundido, mostra uma apresentação do comediante Sergio Mallandro. Ele faz uma enquete com o público do seu show perguntando quem vai votar em Lula, quem vai votar em Ciro Gomes e quem vai votar em Jair Bolsonaro. A esmagadora maioria vota em Bolsonaro. O vídeo pretende “demonstrar” que as pesquisas de opinião são fraudadas e que o “datapovo”, a pesquisa direta com a população, apresenta resultados bem diferentes do que dizem Datafolha, Ipec ou Quaest. Outras peças com enquetes ou vídeos contrastando resultados de pesquisas com imagens de multidões recebendo Bolsonaro buscam também desacreditar as pesquisas feitas com rigor metodológico.

Esses vídeos e mensagens exploram a deficiência de formação do público que desconhece os princípios básicos da estatística. Para qualquer universo grande, uma amostra aleatória de mil representa o universo com uma margem de erro de 3% em 95% dos casos. Isso significa que, se houver cuidado metodológico para não enviesar a amostra, mil entrevistas com brasileiros aleatórios representam com razoável precisão os 150 milhões de eleitores do país.

As enquetes que são feitas pelos programas de TV ou por comediantes no palco podem entrevistar mais do que mil eleitores e o resultado vai ser de muito pior qualidade do que as pesquisas feitas com rigor metodológico. Como o público das enquetes não é aleatório e não há controle dos vieses (por exemplo, o fato de haver muitos homens, de todos serem de um determinado lugar, de determinada faixa de renda ou de determinada corrente política), o resultado não tem como representar o conjunto dos eleitores brasileiros. O resultado da enquete nem mesmo representa adequadamente o público daquele programa ou daquele show, já que quem tem vergonha ou preguiça de responder pode ter uma determinada característica que configura viés.

Uma outra linha de argumentação da propaganda bolsonarista busca desacreditar os institutos de pesquisa apontando interesses escusos por trás dos levantamentos. Essas peças de propaganda insinuam que os institutos ou seus donos estariam envolvidos com a Lava-Jato ou outros escândalos de corrupção ou foram prejudicados pelas políticas de Bolsonaro. Os resultados das pesquisas seriam então adulterados como uma forma de retaliação ao governo. Recentemente, por exemplo, pesquisas financiadas pelos bancos estão sendo desacreditadas porque as instituições foram afetadas pelo PIX e estariam agora prejudicando Bolsonaro com pesquisas fraudadas. Não há qualquer comprovação dessas acusações, apenas uma campanha sistemática de descrédito.

Essa campanha ganha relevância agora porque, nos últimos ano,s muitos novos institutos sérios foram criados, competindo com os tradicionais Datafolha e Ipec (instituto que sucedeu o Ibope, com a mesma equipe). Todos esses institutos indicam hoje uma folgada vitória de Lula sobre Bolsonaro. Se Bolsonaro quer convencer seus eleitores de que sua iminente derrota será fruto de fraude, precisa também convencê-los de que os institutos de pesquisa fazem parte do complô.

O Globo