Cenário nacional pauta eleição em Alagoas

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Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Em meio a uma polarização inédita entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e o senador Renan Calheiros (MDB), a eleição de Alagoas se desenha como ensaio para quedas de braço no Congresso a partir de 2023. Lira, que abraçou a campanha de Jair Bolsonaro (PL), e Renan, aliado de longa data de Lula (PT), já estiveram em campos opostos, mas pela primeira vez fazem uma batalha explícita por alianças locais e por tomar espaços entre si, de olho tanto no poder estadual quanto no comando do Legislativo.

Aliados tentaram unir Lira e Renan, no ano passado, em torno do atual governador Paulo Dantas (MDB), candidato à reeleição, e que cumpre mandato-tampão desde a saída de Renan Filho (MDB) para concorrer ao Senado. Desde que Lira recuou do apoio a Dantas, escolhido por Renan Filho como sucessor, os lados abandonaram os planos de armistício e passaram a articular um contra o outro.

Lira lançou ao governo o senador Rodrigo Cunha (União), crítico notório dos Calheiros, e obteve para a candidatura o apoio de Luciano Barbosa, antigo vice de Renan Filho e atual prefeito de Arapiraca, segunda maior cidade alagoana— contemplada nos últimos dois anos com R$ 105 milhões de emendas de relator, o chamado “orçamento secreto”, manejado pelo presidente da Câmara. Renan, por sua vez, atraiu para a chapa de Dantas o vice-prefeito de Maceió e ex-governador Ronaldo Lessa (PDT), que rompeu com o prefeito João Henrique Caldas (PSB), aliado de Cunha e Lira. O MDB lançou ainda a ex-mulher de Lira, Jullyene Lins, com quem tem um histórico de brigas judiciais, como candidata à Câmara.

— Eles (Lira e Renan) sugaram quase todas as forças políticas para seu entorno — resume Lessa.

Os ataques mútuos também chegaram às redes sociais. Em abril, após ser chamado pelo senador de “tirano”, Lira acusou Renan de querer “fazer do estado a extensão de seu latifúndio”. Na última segunda-feira, ao comentar uma operação da Polícia Federal que prendeu um prefeito alagoano do PP, próximo a Lira, Renan acusou o adversário de “cinicamente liberar recursos para o beco da propina e outros escândalos”, numa referência ao orçamento secreto. Lira rebateu chamando o senador de “figura nefasta” e citando supostas irregularidades no governo do filho.

— Ficam que nem “dois meninos amarelos”, como dizemos por aqui, numa baixaria quase diária. Quero ficar longe disso — afirmou Rui Palmeira (PSD), ex-prefeito de Maceió, e que busca fazer campanha à parte da polarização local e nacional.

Os dados  — Foto: Editoria de Arte

Palmeira, desafeto de Renan, apoiou Benedito de Lira (PP), pai de Arthur Lira, na eleição ao governo em 2014 contra Renan Filho (MDB), na única vez em que os dois clãs se enfrentaram diretamente. À época, Lira e os Calheiros trocaram ataques pontuais. Ambos faziam parte da base de Dilma Rousseff (PT) e, em diferentes momentos, se aliaram ao ex-governador Teotônio Vilela (PSDB), que tem histórico de vitórias em Maceió.

Outro candidato ao governo é o ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB), que já foi aliado dos Calheiros e dos governos petistas, mas hoje pede votos para Bolsonaro e para a reeleição de Lira, mesmo fora da coligação do PP.

A disputa estadual entre os Calheiros e Lira tem como pano de fundo a expectativa pelo quadro de forças na Câmara e no Senado a partir do ano que vem. Lira articula para se reeleger ao comando da Câmara, enquanto Renan, que pode ganhar a companhia do filho no Senado, ensaia um reposicionamento após a derrota para Davi Alcolumbre (União-AP) pela presidência em 2019.

Embora tenha reforçado nos últimos meses a aliança com Bolsonaro, Lira apoia uma chapa no estado que evita abraçar a candidatura do atual presidente. O candidato ao Senado, Davi Davino (PP), diz que votará em Bolsonaro, mas que “respeita as opiniões de todos” e que pretende conversar com “qualquer presidente”, numa crítica a Renan. Cunha, sem declarar apoio a presidenciáveis, tem centrado as críticas nos Calheiros, pai e filho, acusando-os de patrocinar agressões na campanha.

— A disputa unicamente ideológica não ajuda. Há gente em Alagoas que acredita vivermos nos tempos dos coronéis, em que as intimidações prevaleciam — diz Cunha.

A inundação de verbas do orçamento secreto no estado, em sua maioria apadrinhadas por Lira — dos R$ 480,8 milhões destinados a Alagoas em 2020 e 2021, 75% atenderam a indicações do presidente da Câmara, segundo ofícios enviados pelos parlamentares ao STF —, também impulsiona a campanha de aliados. Cunha, contemplado com R$ 7,1 milhões no período, já fez neste ano solicitações de R$ 54,5 milhões via emendas de relator, segundo reportagem do “Valor”. O senador argumenta ter feito as indicações “de forma transparente”

Uma das cidades alagoanas mais contempladas nos últimos dois anos foi Rio Largo, com R$ 56,4 milhões. No fim de julho, dias antes de ser deflagrada operação da PF para apurar desvios de verbas do Fundeb e do SUS no município — segundo a prefeitura, sem relação com emendas de relator —, Lira e Cunha posaram ao lado do prefeito Gilberto Gonçalves (PP), que acabou preso nesta semana por obstruir as investigações. A filha, Gabriela Gonçalves, concorre à Câmara pelo PP.

Já o arsenal usado por adversários para criticar a gestão de Renan Filho e Paulo Dantas, inclui o impacto das chuvas em julho, deixando mais de 50 mil desabrigados, e acusações de que seis hospitais inaugurados pelo ex-governador, o último às vésperas de deixar o cargo, não entraram em plena operação. No início do ano, Lira chegou a se referir aos hospitais como “elefantes brancos” — a fala, porém, repercutiu mal até entre aliados. As taxas de analfabetismo e de população abaixo da linha da pobreza caíram, mas seguem entre as mais altas do país, o que também é explorado pela oposição.

Outro assunto que mobiliza rivais dos Calheiros é a negociação entre a prefeitura de Maceió e a petroquímica Braskem por uma indenização ao município pelo afundamento de bairros da capital, em consequência da extração de sal. A prefeitura, comandada no período por adversários de Renan, pediu R$ 10 bilhões de indenização e busca chegar a um acordo por ao menos metade desse valor. A Braskem previu, em seu último balanço, até R$ 3,4 bilhões para ações urbanísticas e medidas adicionais. O valor ainda assim supera todo o orçamento da capital, e é tido como um dos motivos para o prefeito Caldas ter recusado deixar o mandato para disputar o governo neste ano.

Adversários como Rui Palmeira e Rodrigo Cunha acusam a gestão de Renan Filho de ter “virado as costas” para o problema, que desalojou 60 mil pessoas e teve impactos além da capital. Davino, candidato ao Senado, diz que seu pai não apertou o cerco à petroquímica. Em 2021, durante sua atuação na CPI da Covid, Renan chegou a ser indiciado pela PF por suposto recebimento de propina da Braskem em 2012. O senador nega e afirma que o indiciamento se deu por retaliação do governo.

— Uma das primeiras coisas a fazer no Senado é criar uma CPI da Braskem. Muitas famílias ainda não foram indenizadas — afirma Davino.

O Globo