Chove dinheiro federal na cidade do irmão de Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Localizada no Vale do Ribeira, a região mais pobre do estado de São Paulo, Miracatu é uma cidade com cerca de 20 000 habitantes marcada pela vida modesta e bucólica e quase nenhuma relevância política ou econômica. Produtor de banana e palmito, o município tem a sua economia voltada majoritariamente para o comércio à beira da Rodovia Régis Bittencourt, que liga São Paulo ao Sul do país, e para o turismo — encravada no Parque Estadual do Jurupará, tem 53 cachoeiras e corredeiras.

Nos últimos anos, no entanto, Miracatu tem chamado a atenção por um outro motivo: a cascata de recursos federais que transformaram a localidade em um grande canteiro de obras. Entre 2020 e 2022, a cidade recebeu nada menos que 72,1 milhões de reais da União para reformas, obras viárias e de infraestrutura e compra de máquinas e equipamentos. Mais 12,6 milhões de reais chegaram via emendas do chamado orçamento secreto. O total somado supera as receitas anuais regulares da prefeitura (81 milhões de reais). E a prosperidade por meio da influência política tem nome e, principalmente, sobrenome: Renato Antonio Bolsonaro.

O empresário, de 58 anos, é o segundo mais novo dos cinco irmãos de Jair Bolsonaro, três deles morando no Vale do Ribeira, onde fica Eldorado, a cidade onde o presidente viveu até a juventude. A exemplo do irmão mais velho, fez carreira militar (é capitão reformado do Exército), torce para o Palmeiras, defende o armamento da população e promoveu o uso da cloroquina contra a Covid-19. Renato também se orgulha do seu trabalho como uma espécie de “prefeito informal” da cidade: promove lives para mostrar os resultados da sua atuação como chefe de gabinete da prefeitura de Miracatu, onde recebe um salário de 7 000 reais.

Dono de lojas de móveis e uma dúzia de imóveis, ele de fato tem grande influência na cidade. Pessoas que participam de reuniões na prefeitura dizem ser comum Renato sentar-se à cabeceira da mesa, local habitualmente destinado ao chefe do Executivo. Mas é fora da sede administrativa de Miracatu que o irmão do mandatário da República joga as suas cartas. Em 2022, esteve em Brasília pelo menos duas vezes, fora os encontros com o irmão nas férias, feriados e eventos como a Marcha para Jesus, em 9 de julho, em São Paulo. Em uma das vezes que foi ao Palácio do Planalto, em 10 de junho, encontrou-se com o ministro da Educação, Victor Godoy, e conseguiu autorização para um câmpus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, a um custo de 10 milhões de reais. Na vizinha Registro, a “capital” da região, com 56 000 habitantes, uma unidade semelhante sofre com a falta de verbas. “Nosso instituto está caindo aos pedaços, sem merenda e até sem papel higiênico”, diz a vereadora Sandra Kennedy (PT). “Enquanto isso vão construir outro a menos de 50 quilômetros daqui. Isso é um escândalo.”

O dinheiro que chega de Brasília pode ser visto por toda a cidade. Há sessenta recapeamentos de ruas e pavimentação de estradas vicinais em andamento ou contratados, que consumirão 12,8 milhões de reais. Também há dinheiro para um ginásio de esportes (3,8 milhões de reais) e um complexo esportivo (5,7 milhões de reais). Por enquanto, não há nenhuma investigação ou evidência de mau uso.

arte Renato Bolsonaro

Mas nem só de atuar como “prefeito” e “embaixador” de Miracatu vive o irmão famoso. Renato Bolsonaro trabalha agora com afinco para eleger como deputado federal um amigo seu e do presidente: Mosart Aragão (PL), assessor do Palácio do Planalto e ativo militante nas redes sociais — tem 129 500 seguidores no Twitter, onde dispara contra Lula e o PT e defende Bolsonaro e suas teses. Para apoiar o queridinho do presidente, também militar reformado do Exército (tenente), Renato até falta ao trabalho. Em julho, esteve com Aragão em ao menos cinco cidades na hora do expediente. No dia 12, percorreu 303 quilômetros de carro até Itararé, na divisa com o Paraná. No dia seguinte, a dupla esteve em Ribeirão Branco. No fim do mês, os dois foram a Bertioga, Ubatuba e Caraguatatuba, sempre em dias úteis e com muitas fotos nas redes sociais.

O irmão do presidente, a propósito, já teve sucesso antes como cabo eleitoral. Em 2020, ajudou a eleger Vinicius do Iraque (PL) para a prefeitura de Miracatu. A ideia original era que Renato encabeçasse a chapa, mas a lei impede a candidatura de parentes até segundo grau de chefes do Executivo. Em Eldorado, atuou para a vitória de Dinoel Rocha (PL) a prefeito. Ironicamente, essa habilidade não se mostrou eficaz quando tentou ser usada em proveito próprio: até agora, ele disputou seis eleições, para os cargos de prefeito (Miracatu, em 2012 e 2016), vereador (Miracatu e Praia Grande) e deputado federal, sem sucesso. Sua maior votação foi em 1998, quando obteve 17 000 votos na tentativa de chegar à Câmara dos Deputados. Apesar de a parte mais conhecida da família ter se tornado um fenômeno nas urnas (os filhos do presidente são o maior exemplo disso), o caso do “prefeito” Bolsonaro demonstra que não é sempre que o sobrenome é garantia de vitória.

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