Exploração da fé por Bolsonaro incomoda evangélicos

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Eleitores evangélicos votam em peso no presidente Jair Bolsonaro (PL). Se dependesse só do segmento religioso, o candidato à reeleição estaria bem à frente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 49% das intenções de voto contra 32% do petista, segundo levantamento do Instituto Datafolha divulgado nesta quinta-feira.

Por dentro, esse grupo heterogêneo e majoritariamente bolsonarista também reflete críticas à figura de Bolsonaro. É o que mostra uma pesquisa qualitativa feita pela Casa Galiléia e conduzida por Vinicius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Observatório Evangélico.

Segundo o levantamento, obtido com exclusividade pelo Pulso, os evangélicos de maneira geral não são simpáticos ao uso político de igrejas:

— Existe um cansaço e uma reprovação da propaganda política eleitoral nas igrejas. Isso é mais forte entre o eleitor que está indeciso e o do Lula. Mas mesmo o bolsonarista evangélico não vê com bons olhos o uso das igrejas para propaganda política — afirma Vinicius Valle.

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O pesquisador destaca ainda que há uma percepção de que a pauta armamentista, levada a cabo por Bolsonaro, é incompatível com os princípios religiosos, embora alguns poucos religiosos defendam a liberdade do porte de arma.

Como já mostrou reportagem do Pulso, as pesquisas “quali” ajudam a entender o comportamento do eleitor e o que está por trás da escolha de seu voto. Apesar de não terem capacidade de generalizar seus resultados para a população como um todo, esse tipo de pesquisa expõe sentimentos dos eleitores que não ficam impressas nos levantamentos quantitativos.

A pesquisa, feita entre os dias 24 de junho e 15 de julho, observou três perfis de eleitores: bolsonaristas, que votaram em Bolsonaro em 2018 e vão repetir a escolha este ano, indecisos e “bolsolulas” — pessoas que votaram em Bolsonaro em 2018 e estão indecisas ou decididas a votar em Lula.

Outras críticas feitas ao presidente envolvem seu jeito considerado grosseiro, falta de sensibilidade com os pobres e postura negacionista durante a pandemia. Episódios como o que chamou a Covid-19 de “gripezinha” são classificados por indecisos ou “bolsolulas” como atitudes “nefastas” do presidente. Os bolsonaristas, por sua vez, enxergam Bolsonaro como autêntico e, apesar de críticos, justificam que a pandemia teria o mesmo curso no país independentemente dele.

Entraves no ‘homeschooling’ e pauta ambiental

Embora visto por bolsonaristas como representante dos valores cristãos, Bolsonaro é retratado pelos próprios apoiadores como alguém que não mede palavras e pode gerar situações constrangedoras e ofensivas a outras pessoas. Ainda que não critiquem a fé do presidente, “bolsolulas” e indecisos acreditam que a conduta de Bolsonaro deixa a desejar como cristão.

Um tema rechaçado por todos os evangélicos é o homeschooling, considerado uma das principais bandeiras do presidente na área da educação.

—Há uma percepção generalizada de que as famílias não conseguiriam sustentar esse serviço para seus filhos e que os pais não têm tempo e nem qualificação para ensinar seus filhos. Nesse sentido, há uma lembrança do período da pandemia, em que as escolas ficaram fechadas. Foi muito comum o relato de que os filhos tiveram dificuldade escolar, não aprenderam e até regrediram no período de isolamento social e não ida para as escolas — analisa Valle, acrescentando que o ensino militarizado, por sua vez, é visto positivamente em praticamente todos os grupos.

A agenda ambiental também une bolsonaristas, indecisos e “bolsolulas”: é comum afirmarem que chefe do Executivo não prioriza a pauta ambiental. Para os evangélicos, cuidar do meio ambiente é visto como uma atitude cristã.

— As pessoas também relatam que a suas vidas pioraram e que a economia do Brasil não vai bem, mesmo o fiel bolsonarista. A grande diferença, nesse caso, é que o eleitor que pensa em votar no Lula acredita que Bolsonaro é culpado pela crise econômica, enquanto o evangélico bolsonarista atribui a culpa à pandemia, guerra na Ucrânia e boicote que o presidente sofre, principalmente da mídia, mas também do Judiciário — afirma o pesquisador.

Globo