Extrema-direita domina cultos evangélicos

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As noites de terça-feira são concorridas na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha, Zona Norte do Rio. Logo na abertura do Culto de Santa Ceia, o pastor Danilo Albrile deixou evidente que, em período de campanha, aquela não seria uma mensagem trivial:

— Proteja o nosso presidente Jair Bolsonaro e toda a sua família, Senhor. Deus e as famílias têm sido alvo de ataques. O inimigo, com sutileza, tem atacado as famílias e está querendo desconstruir aquilo que acreditamos com ideias progressistas.

O tom do culto, que depois teria a presença do pastor Silas Malafaia, principal aliado de Bolsonaro entre os evangélicos, exemplifica as dificuldades que o ex-presidente Lula (PT) e candidatos apoiados por ele têm para arregimentar mais votos no grupo religioso. O petista e os nomes de sua aliança que concorrem aos governos de seis estados apresentam desempenhos inferiores entre os evangélicos, na comparação com o quadro geral, segundo dados do Ipec — a lista inclui São Paulo, Minas Gerais e Rio, os três maiores colégios eleitorais do país.

Entre críticas à esquerda e ao comunismo, Malafaia assumiu o púlpito e, em caráter de alerta, disse que pastores estão sendo perseguidos no mundo inteiro por defenderem a família e serem contra o aborto. Ao final da cerimônia, voluntários aproveitaram a casa cheia para distribuir panfletos, inclusive dentro da igreja, com os números de Bolsonaro; do governador Cláudio Castro, do senador Romário, do deputado federal Sóstenes Cavalcante e do deputado estadual Samuel Malafaia, todos do PL. A lei eleitoral veda o pedido de votos dentro dos templos e prevê multa, que pode variar de R$ 2 mil a R$ 8 mil.

— Essa prática configura propaganda irregular — diz a pesquisadora Anna Carolina Alencar, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Na Igreja Universal do Reino de Deus, em Del Castilho, Zona Norte do Rio, a comunicação foi feita de maneira mais sofisticada. Enquanto o bispo Jadson Santos falava sobre a volta de Jesus e as maneiras como o “diabo está agindo” contra a “família tradicional”, era exibido no telão um vídeo sobre a “perdição dos jovens influenciados pelo diabo”. Os trechos mostravam homens e mulheres dançando em boates, consumindo bebida alcoólica, fumando e participando de manifestações pró-Lula.

Além disso, textos publicados no jornal Folha Universal fazem elogios a Bolsonaro, citado como “líder das pesquisas” — as intenções de voto, na verdade, mostram Lula à frente — e listam “pautas essenciais” para o Brasil, rebatendo projetos ligados à esquerda.

Ainda que a resistência entre os evangélicos esteja latente — no Ipec mais recente, Lula aparece 18 pontos atrás de Bolsonaro no segmento —, o petista tem resistido a fazer gestos mais assertivos. Em um cenário distinto do de 2006, quando, na campanha à reeleição, participou de um encontro com 1.200 pastores na Assembleia de Deus de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, e se disse “crente”, o ex-presidente agora tem demonstrado objeções a agendas do tipo. Há duas semanas, a coordenação da campanha chegou a negociar a ida do petista à apresentação de um coral evangélico, no dia 13. Apesar do apelo de aliados, ele resistiu.

Nas conversas internas, Lula argumenta que não quer parecer oportunista e que seu histórico no Palácio do Planalto mostra que líderes de igrejas não têm motivos para se preocupar com ele. A principal estratégia é apostar num discurso focado na economia para ganhar apoio dos evangélicos. Em paralelo, aliados têm reforçado que foi Lula quem sancionou a Lei da Liberdade Religiosa e a lei que criou o dia da Marcha para Jesus. Em comício ontem no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, o ex-presidente fez duro discurso contra o uso político de igrejas:

— Tem gente que está fazendo da igreja um palanque político. Eu defendo o Estado laico. O Estado não tem que ter religião. As igrejas não têm que ter partido político.

A postura ainda é considerada pouco ativa e preocupa o entorno do petista, já que Bolsonaro segue avançando. O mau desempenho também atinge os principais palanques de Lula nos estados. Em São Paulo, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) lidera a disputa, com 29%, segundo o Ipec. Mas, entre os evangélicos, a preferência cai para 22%. No segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais, o ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD) marca 22% no público em geral e 17% com os religiosos. Marcelo Freixo (PSB), candidato de Lula no Rio, também vai pior: tem 17% contra 11%.

Pesquisador do Departamento de Ciência Política da Universidade de Zurique, Victor Araújo avalia que há uma resistência cristalizada entre os pentecostais, que representam 65% do público evangélico, e que resta ao petista buscar uma “redução de danos”:

— Mas toda vez que ele cai na armadilha de falar de religião, ele se enrola, porque não domina a linguagem.

Pesquisador do Departamento de Ciência Política da Universidade de Zurique e autor do livro “A religião distrai os pobres? — O voto econômico de joelhos para a moral e os bons costumes”, Victor Araújo afirma que a resistência a Lula se dá especificamente entre os pentecostais, que representam 65% do público evangélico. Esse grupo majoritário só votou com o PT nas urnas em 2006, quando, em uma racha na convenção das Assembleias de Deus, o partido garantiu o apoio de lideranças do Nordeste.

— Os pentecostais são antipetistas. Quando pensamos em antipetista, imaginamos um homem, branco e escolarizado. Mas, na verdade, o eleitor típico pentecostal é uma mulher, não-branca, que ganha até dois salários mínimos e mora nas periferias dos grandes centros urbanos — diz o pesquisador.

Araújo diz que eleitores ligados a igrejas pentecostais não têm um voto econômico. Ou seja, não têm a escolha de seu candidato influenciada pela inflação ou desemprego. Ou por promessas de transferência de renda. É uma lógica de voto baseada no conservadorismo, principalmente o moral e religioso. Por isso, o especialista avalia que a estratégia de Lula de ganhar o apoio de evangélicos por meio do apelo econômico não irá funcionar.

— O que ele pode tentar é uma “redução de danos” — diz Araújo, que é crítico da estratégia de incorporar a terminologia usual de cultos evangélicos em eventos eleitorais, como na última terça, quando o petista chamou Bolsonaro de “fariseu” e disse que o postulante do PL é “possuído” pelo demônio. — Toda vez que o Lula cai na armadilha de falar de religião ele se enrola, pois não domina a linguagem.

Um dos percalços ocorreu na quarta-feira, quando disse que não seria candidato de uma “facção religiosa” — antes, já havia dito que Bolsonaro “manipulava” os evangélicos. A reação ocorreu em meio à disseminação do boato de que teria intenção de fechar igrejas, estratégia já usada por opositores em outras campanhas eleitorais. Há 20 anos, a Igreja Universal, alojada no PL, partido de seu então vice José Alencar, atuou para conter os prejuízos. Em 1994, o PT organizou uma ação para combater boatos de que Lula unificaria as igrejas evangélicas caso eleito. Como parte da ofensiva, o petista se submeteu a uma sabatina com o segmento, ocasião em que condenou o aborto e casamento para casais homossexuais.

Globo