Junho de 2013 criou Bolsonaro, diz documentário
Que tal olhar para a disputa eleitoral deste ano como uma continuação dos protestos de junho de 2013? De certa forma, é o que propõe o documentário “Ecos de Junho”, dirigido pelo jornalista Paulo Markun e pela socióloga Angela Alonso.
A dupla tinha lançado há alguns meses a série documental “Junho 2013 – O Começo do Avesso”, com foco nas imensas diferenças existentes entre os grupos envolvidos naquelas jornadas de quase dez anos atrás.
Agora, eles avançam a câmera para as consequências daquelas manifestações, apontando como elas prepararam terreno não só para o impeachment de Dilma Rousseff (PT) mas também para a eleição de 2018, com a vitória de Jair Bolsonaro (hoje no PL).
“[Na série,] a gente queria mostrar que havia muitas possibilidades, que não foi um protesto de direita ou de esquerda, mas que tinha uma variedade”, diz Alonso, que é professora da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Mas daí não decorre que os protestos possam ser definidos apenas a partir de seu resultado mais palpável. “A intenção não era dizer que em junho só tinha isso, mas que em junho também tinha isso”, diz Alonso.
Inclui também coletivos de esquerda, como Fora do Eixo, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e, claro, Movimento Passe Livre, que deu início à mobilização após o aumento da passagem de ônibus.
Todos ocuparam as ruas de diferentes cidades brasileiras a partir de junho de 2013, cada um erguendo sua própria bandeira.
O que havia de comum, e “Ecos de Junho” indica com clareza, era uma insatisfação com o poder público, dirigida aos políticos em geral e aos governos do PT em particular.
O clima era propício para isso, com protestos acontecendo desde 2011, o julgamento do mensalão rolando desde 2012 e a Copa do Mundo de 2014 batendo à porta com seus estádios caríssimos a tiracolo.
Mesclando depoimentos e imagens, o documentário acompanha a pressão crescente sobre Dilma e a insatisfação acumulada que deságua nas grandes manifestações pelo impeachment dali a dois anos, orquestradas por grupos que não existiriam sem a incubadora de 2013.
O mesmo se diga do sentimento anti-PT que coordenou a eleição de 2018 e ajudou Bolsonaro a subir a rampa do Planalto, numa conexão evocada por vários dos entrevistados
A diferença, diz ela, é que muitos movimentos de esquerda que se tornaram antipetistas em 2013 hoje apoiam a candidatura de Lula, embora a resistência ao partido continue grande entre setores mais autoritários e liberais.
“Essa disputa, de certa maneira, ainda não acabou”, afirma Alonso. “Tem muito de junho de 2013 na atual disputa eleitoral.”