Machista notório, Bolsonaro só falava em mulher no debate

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Foto: Reprodução

A percepção de que questões relativas às mulheres dominaram boa parte do último debate entre presidenciáveis, promovido pelo Grupo Bandeirantes na noite de domingo, é reforçada pela análise das palavras mais usadas pelos candidatos ao longo do encontro. Um levantamento feito pelo GLOBO com base na transcrição das falas de cada participante, sem levar em conta as intervenções dos mediadores, mostra que o vocábulo “mulher”, quando somado ao plural “mulheres” e à variante “brasileira(s)”, foi citado mais de cem vezes durante o programa, que durou pouco menos de três horas. Na média, é como se um candidato se referisse ao tema usando especificamente uma dessas palavras a cada cem segundos, aproximadamente.

Sozinho, o termo “mulheres”, no plural, foi o décimo vocábulo mais lembrado de todo o debate, com 43 aparições, quando desconsiderados conectivos, pronomes e outros componentes frasais menos relevantes — “mulher”, no singular, aparece pouco atrás, na 14ª posição (37 vezes). O top 10 traz ainda, na ordem, as palavras Brasil (133), “país” (68), “governo” (66), “gente” (52), “vamos” (49), “presidente” (48), “educação” (45), “sabe” (45) e “vai” (44).

Confrontado mais de uma vez por sua postura relativa às mulheres, que ele próprio retomou em uma pergunta feita a Ciro Gomes (PDT), o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi quem mais utilizou o termo no singular ou no plural — ele o fez em 12 e em 20 ocasiões, respectivamente. “Mulheres” foi o quarto vocábulo mais pronunciado pelo presidente, atrás somente de reais (22 vezes), governo (24) e Brasil (27).

Na sequência, com 11 e 17 menções a “mulher” e “mulheres” — sexta e terceira palavras mais usadas por ela —, aparece Simone Tebet (MDB), que desde a série de entrevistas ao Jornal Nacional, da TV Globo, vem fazendo do aceno para o eleitorado feminino uma de suas principais estratégias para tentar uma arrancada nas pesquisas, que a colocam em um patamar entre 1% e 2% das intenções de voto. A senadora também citou expressões como “mãe(s)”, “feminina(o)” e “feminista”, está última por cinco vezes, enquanto nenhum outro participante a utilizou.

Única outra mulher presente no debate, a também senadora Soraya Thronicke (União) se referiu a “mulher” ou “mulheres” em nove momentos, contra oito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), três de Ciro e apenas um de Luiz Felipe D’Avila (Novo) — tanto ele quanto o pedetista, porém, mencionaram sete vezes a palavra “brasileira”. Thronicke fez uma das defesas mais diretas à colunista do GLOBO Vera Magalhães, uma das jornalistas escaladas para fazer perguntas aos presidenciáveis, que acabou ofendida por Bolsonaro ao interpelá-lo. “Acho que você dorme pensando em mim”, afirmou o presidente, classificando a profissional como “uma vergonha para o jornalismo”.

Ao contrapor a declaração do adversário, Thronicke declarou ficar “extremamente incomodada” quando “quando homens são ‘tchutchucas’ com outros homens, mas vêm pra cima da gente sendo tigrão”. Ela continuou: “Aí eu fico brava. Lá no meu estado, tem mulher que vira onça, e eu sou uma delas”. Dentro do mesmo contexto, Tebet questionou Bolsonaro sobre o porquê de ele “ter tanta raiva das mulheres”, enquanto Ciro afirmou que o presidente “não respeita com a devida delicadeza, com profundidade, essa questão feminina”.

O próprio Ciro, porém, se viu confrontado com uma declaração machista do passado. Depois que o pedetista recordou uma frase de Bolsonaro, que já creditou a uma “fraquejada” o nascimento da única filha mulher, o presidente devolveu: “Me desculpei e peço desculpas novamente. Ciro, você falou que a missão mais importante de tua (ex-)esposa era dormir contigo”. A referência é a um episódio ocorrido há duas décadas, quando Ciro, ao responder uma pergunta sobre a função da então esposa, a atriz Patricia Pillar, na disputa pelo Planalto em 2002, respondeu: “A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo”.

Na réplica, o pedetista reconheceu ser fruto de uma criação em “ambiente machista” e voltou a se desculpar pela a declaração a respeito de Pillar, de quem se separou em 2011. “Há 20 anos, cometi, absolutamente, a infelicidade de fazer gracinha com uma mulher extraordinária que foi minha mulher durante 18 anos. Já me desculpei por isso milhões de vezes, e isso é de se desculpar a vida inteira”, disse Ciro.

Na primeira participação de ambos, o ex-presidente Lula viu Bolsonaro convocá-lo para um enfrentamento direto a respeito de outro tema que deve dominar as eleições deste ano: a corrupção. O petista, aliás, foi quem menos usou a palavra ao longo do debate — foram apenas duas vezes, já nesta fala inicial. Bolsonaro, que adotou como tática lembrar escândalos de governos do PT, a utilizou em sete ocasiões, além de ter se valido também de termos como “corrupto”, “roubalheira” e “ex-presidiário”, empregado em três situações para se referir a Lula.

O petista, aliás, foi, com sobras, o nome mais dito por todos os participantes, em 33 ocasiões. Ciro foi quem mais o fez, por 15 vezes, enquanto um terço das menções a Lula partiu de Bolsonaro — ele próprio nominalmente lembrado pelos adversários em 18 momentos. Novamente, a liderança no quesito coube ao pedetista, com 12 referências diretas ao presidente em meio à tentativa de se cacifar como alternativa aos primeiros colocados nas pesquisas, que vêm mantendo vantagem confortável sobre ele.

Outra aposta bolsonarista para a campanha, o termo “auxílio” (em alusão ao Auxílio Brasil) foi usado 16 vezes pelo presidente. Apenas Lula e Soraya Thronicke (uma vez cada) também fizeram menção objetiva ao benefício. Já o uso do vocábulo “economia” foi dominado por Luiz Felipe D’Avila, que a lembrou em 13 momentos, mais do que todos os rivais somados. Na nuvem de palavras do candidato do Novo, “dinheiro” ocupa o segundo posto, empatado com “gente” (24 citações cada), atrás apenas de Brasil (52).

D’Ávila também foi, ao lado de Ciro Gomes, o presidenciável que mais empregou a palavra “educação”, com 14 menções. Lula usou o vocábulo nove vezes, além de três “educacional” e um “educar”, enquanto Tebet o utilizou em dez ocasiões, também tendo na conta dois “educar”. Por fim, Thronicke falou em educação quatro vezes, contra nenhuma referência ao termo por parte de Bolsonaro.

O Globo