Militar que fiscaliza urnas faz campanha para Bolsonaro
Foto: Hugo Barreto/Metrópoles
Um dos militares enviados nesta semana pelo Ministério da Defesa para inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, se apresenta na internet como um aguerrido militante bolsonarista.
O coronel do Exército Ricardo Sant’ana integra a equipe de nove oficiais que, na última quarta-feira, começou a analisar o código das urnas logo após o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviar um ofício ao TSE com tarja de “urgentíssimo” pedindo que a Corte agendasse o início da análise.
Candidato à reeleição, e em desvantagem nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro tem usado os questionamentos das Forças Armadas sobre o sistema eletrônico de votação para amplificar seus ataques ao processo eleitoral.
As publicações do coronel Ricardo Sant’ana seguem a linha do discurso propalado pelo presidente da República e por seus apoiadores. O militar, de 47 anos, formou-se oficial em 1997 e estava lotado até recentemente no Instituto Militar de Engenharia, o IME.
Alguns posts compartilhados pelo militar com seus seguidores no Facebook envolvem, inclusive, questionamentos à integridade do próprio sistema de votação adotado pelo TSE. Uma publicação de Sant’ana chegou a ser marcada pela rede social como “informação falsa”.
Procurado pela coluna, o Ministério da Defesa não se pronunciou sobre a postura do militar. Após o envio das perguntas, o coronel apagou seu perfil no Facebook.
Um vídeo compartilhado pelo coronel Sant’ana compara o exercício do voto à compra de um bilhete de loteria. No esquete, criado justamente para reverberar a pregação bolsonarista, um homem pede o comprovante impresso do seu jogo na loteria e se revolta ao ouvir do funcionário que ele precisa “confiar no sistema”.
A legenda da publicação diz: “Pra quem não entendeu ainda a briga contra esse sistema que nenhum país desenvolvido adotou, SÓ NÓS, então, se ainda confia no sistema, é achar que está tudo certo, então aceite a aposta na lotérica do jeito que está nessa sátira… pra despertar o ÓBVIO!!!!”.
Sem reservas, o militar difunde postagens de políticos que integram a ala mais radical de apoiadores do governo e mira na oposição.
A postagem compartilhada pelo coronel e marcada pelo Facebook como “informação falsa”, por exemplo, afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT ao Planalto nas eleições deste ano, teria roubado um faqueiro de ouro que a rainha Elizabeth II deu em 1968, em plena ditadura, ao então presidente-general Artur da Costa e Silva.
O coronel Ricardo Sant’ana também publicou posts colocando em dúvida os resultados das pesquisas eleitorais e fazendo campanha escancarada contra adversários de Bolsonaro. “Votar no PT é exercer o direito de ser idiota”, dizia um dos cards reproduzidos pelo coronel. Ao comentar um texto no qual a presidenciável Simone Tebet, do MDB, defendia que mulheres devem votar em mulheres, ele escreveu nos comentários: “Vaca vota em vaca”.
As críticas ao TSE se repetem na linha do tempo de Sant’ana – ou se repetiam, até a página ser deletada nesta quinta-feira. Entre vários compartilhamentos, ele replicou uma publicação do deputado federal Filipe Barros, do PSL do Paraná e um dos mais aguerridos apoiadores de Jair Bolsonaro no Congresso, que questionava o direito do eleitor de “observar se seu voto foi registrado, apurado e totalizado corretamente”.
Ricardo Sant’ana não é uma figura trivial na estratégia das Forças Armadas de questionar o sistema eleitoral. É ele quem assina, por exemplo, um ofício enviado ao TSE no final de junho no qual o Exército pede uma série de arquivos relacionados às eleições de 2018 e 2014.
Entre as informações solicitadas estavam – bem em linha com os posts reproduzidos no perfil particular do coronel na rede social – imagens dos boletins emitidos com a totalização dos votos de cada seção eleitoral, arquivos de registro digital e os logs das urnas eletrônicas.
No rol de perguntas enviado ao Ministério da Defesa, a coluna quis saber se a pasta tinha conhecimento de que o coronel, escalado para fazer a inspeção do código-fonte das urnas, compartilha publicações diversas com notícias falsas e de teor claramente militante. Apesar da cobrança insistente, não houve resposta até a publicação desta reportagem.
O coronel Sant’ana não foi localizado. A página dele no Facebook foi apagada nesta quinta-feira, horas depois de os questionamentos terem sido enviados ao Ministério da Defesa.
A inspeção realizada pelos militares no código-fonte das urnas deve prosseguir até o próximo dia 12. A despeito do pedido de urgência do ministro Paulo Sérgio Nogueira, o código-fonte, base dos programas de informática que fazem as urnas funcionarem, está disponível desde outubro do ano passado a todas as instituições que participam da fiscalização das eleições.