O dia em que os artistas defenderam Bolsonaro
Foto: Edilson Dantas / O Globo
Uma ação apresentada pelo candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, contra a participação de Jair Bolsonaro no Festival de Barretos levou a uma situação inusitada: na última quinta-feira (1), a produtora cultural Paula Lavigne, por meio de um advogado, anexou um parecer jurídico alertando que uma decisão contra Bolsonaro marcará um “enorme retrocesso”.
Paula Lavigne é coordenadora do movimento 342 Artes, que reúne um coletivo de artistas contrários à censura de manifestações artísticas – e crítica notória de Jair Bolsonaro.
Nesse caso, porém, a produtora e o presidente estão do mesmo lado. Paula não é parte no processo, movido pelo PDT contra o presidente da República.
“Olha a que ponto eu cheguei, estou defendendo o Bolsonaro”, disse ela, sobre a ação. “O presidente não pode falar num evento de música? É a mesma situação do Lula na Daniela Mercury no show da CUT”.
No último dia 26, Bolsonaro participou do tradicional festival de rodeio no interior de São Paulo, que reuniu um público fã de sertanejo estimado em 35 mil pessoas. Bolsonaro foi recebido aos gritos de “mito”, cavalgou na arena e fez um rápido discurso de quatro minutos, saudando o agronegócio e “os produtores e a gente do campo”.
Pareceres como o que Paula encomendou são comumente usados por entidades, organizações e movimentos interessados em alguma causa em curso apresentarem sua posição e subsidiar o relator antes da tomada de decisões – no caso, a ministra Maria Claudia Bucchianeri.
“Esse é um processo que a decisão que vier a ser tomada pelo TSE não impactará apenas as partes que nele litigam. O tribunal irá estabelecer uma tese que servirá como precedente nos demais casos”, diz no parecer o advogado Lucas Lazari, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Para o PDT, a participação do atual ocupante do Palácio do Planalto “não ocorreu em tons neutros”. “Utilizou-se de todo o aparato da festividade para realização de showmício, com a presença de animadores, entonação de discursos inflamados, slogans e músicas de campanha”, acusa a sigla de Ciro Gomes.
Paula Lavigne e Lucas Lazari afirmam estar preocupados com os possíveis reflexos na comunidade artística como um todo, especialmente os artistas de mais baixa renda, porque muitos garantem seu sustento trabalhando em shows e comícios.
Mas o aspecto que mais incomoda na tentativa de restrição diz respeito à liberdade de expressão – que vem desde 2006, quando o Congresso proibiu a realização de showmícios e eventos assemelhados durante o processo eleitoral.
“O legislador entendeu que era necessário impedir que as campanhas lotassem artificialmente os seus comícios, usando como atrativo na divulgação os shows musicais e não os discursos políticos”, comenta.
Mas Lazari ressalta que “interpretações equivocadas” que ampliam o alcance das restrições impostas pela lei.
“Artista pedir voto em festival musical durante a sua apresentação, candidato comparecer à festa popular não é showmício e é importante que essa interpretação continue vigorando, sob pena de se ampliar indevidamente as restrições aos artistas que desejem se engajar politicamente”, acrescenta.
A própria Paula Lavigne está promovendo no Rio de Janeiro, na segunda-feira (5), um show para arrecadar recursos para a campanha de Alessandro Molon (PSB-RJ) ao Senado. O espetáculo, que deve reunir Caetano Veloso, Maria Gadú e Pretinho da Serrinha, já teve mil ingressos vendidos.
“A gente precisa saber quais são as regras e os riscos que a gente corre”, diz Paula.
Não é a primeira vez que a produtora recorre ao TSE para obter autorização para um evento de arrecadação de fundos.
Em 2020, o plenário do TSE permitiu que Caetano fizesse um show online de arrecadação para as campanhas de Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PC do B), que disputaram respectivamente as prefeituras de São Paulo e Porto Alegre naquele pleito.
“Showmício é um espetáculo gratuito organizado e oferecido pela campanha de um candidato com o objetivo de atrair a presença do eleitor para o evento eleitoral”, frisa Lazari, que atuou no caso de Caetano. “Não é o caso desses eventos com ingresso pago feitos com o propósito claro e transparente de arrecadar recursos “.